segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Saitama Critica #4: Caixa de Pássaros - Livro (COM SPOILERS)

AVISANDO DE VOLTA: ESTA CRÍTICA TERÁ SPOILERS!



Depois de quase um ano querendo reler esse livro, finalmente peguei ele para fazer uma análise mais profunda da obra.

Eu preferia mesmo ter ficado de olhos vendados.


Hoje vou partir direto para crítica. Sem introdução legal porque só eu sei o desespero de gastar 50 post its nisso. Se duvida, olha a prova aqui embaixo.


Sim, eu contei. 50 post its.

🙈 EDIÇÃO FÍSICA

Publicada por Josh Malerman em 2014, a edição brasileira lida é de 2015 e tem 272 páginas, capa cartonada, primeira e segunda orelhas e papel pólen soft, as páginas amarelas lisas.
Foi encontrado um único erro de português na página 135.

"Esta casa de revelou mais frutífera que do que a anterior. Os dois recolheram algumas latas, papel, dois pares de botas de criança, duas jaquetas pequenas e um resistente balde de plástico antes de cair no sono."


🙈 CRÍTICA 

À sinopse: O mundo conhecemos acabou. Pessoas estão enlouquecendo olhando para fora de suas casas. Há algo lá. Algo que faz todos cometerem crueldades antes de dar fim à suas vidas. No passado, Malorie está grávida e busca refúgio até encontrar Tom e seu grupo vivendo numa casa com janelas tampadas. No presente, quatro anos depois, ela e seus dois filhos descem o rio procurando um lugar melhor. Mas ela precisará abrir os olhos quando chegar no lugar certo. O que pode ser seu fim e o das crianças.

Caixa de Pássaros tem a intenção de entregar uma trama que instiga à primeira vista. Enlouquecer ao ver algo, ou alguém, ou alguma coisa. O horror cósmico Lovecraftininano, junto da paranoia do inimigo invisível. Sem saber sua forma, seus hábitos ou sua localização. Há um potencial tremendo aqui num período pós-11 de setembro, pós-Guerra do Iraque que amedronta pelo fato de que qualquer um pode ser o inimigo e sua noção de certeza distorcida em um mundo que precisa de doutrinação reversa, casando perfeitamente com o receio que a América (e o mundo) mude violentamente para pior de forma permanente. Se nada muda, enlouqueça-os. Ou mate-os.

Boa intenção é o que não falta no inferno, pois o livro falha de maneira triunfal na maneira que desenvolve 90% da sua ideia.



A linguagem narrativa é sem vida e corrida, quase artificial, mecânica. A maneira que Josh Malerman conta sua história parece aleatória. Um capítulo para o passado, outro para o presente é a primeira forma de conectar o leitor aqui, mas já de começo há uma certa irregularidade nisso, pois o próprio autor não respeita a sua regra estabelecida. Há momentos onde o passado adentra com capítulos dentro do seu passado, o que deixa tudo ainda mais desgastado sem uma uniformidade digna.

O tempo físico sempre corre no presente, mesmo que o capítulo aconteça no passado também, o que é muito desproporcional. E isso eventualmente confunde já que alguns inícios são idênticos. É necessário, nesses casos, ter um ou dois parágrafos lidos para saber em que período da vida de Malorie você se encontra.

Bebendo da Cronologia Não-Linear* (Ver Glossário Informal no fim da crítica), a narrativa de Malerman sofre uma das piores e mais mal construídas falsas tensões que já vi em um autor. No início, por exemplo, fica claro que os filhos de Malorie, aos 4 anos cada um, enxergam perfeitamente, mas depois da metade do livro, o autor se presta a tentar conduzir o leitor, durante um capítulo inteiro, em um jogo onde ela, no passado, com filhos bebês, deve decidir cegá-los ou não. Se o leitor já foi informado que eles enxergam, que ela decidiu fazer isso de forma plena com todos os riscos, fazer um capítulo misterioso sobre o dilema moral é desmedido, desnecessário e falho.

Outro ponto: Se no presente a protagonista começa numa casa e é informado ao leitor que está manchada de sangue, dando informações sobre a morte de pessoas lá, fica um tanto didático que a irmã dela e seus amigos morrem em determinados momentos. Não há surpresa quando eles morrem porque o livro te prepara para isso o tempo todo com a trama dando todas as deixas. Se as mortes chocam é muito mais pela violência gráfica hiper-realista do que pelo apego a maioria dos personagens. E sem apego, pouco importa seus destinos. O "como morreram" dentro da história quebra todo o ritmo do "por que morreram?".


Dessa falta de afeição, a que mais sofre escancaradamente é Malorie. É uma personagem rasa, pouco ativa, pouco reativa e sem liderança. Não é errado que protagonistas sejam covardes ou até egoístas (O Homem de Giz e Deixa Ela Entrar são exemplos em que esse tipo funciona), mas neste caso, não há absorção da temática e sim uma falta de substância evidente. Isso é tão sentido que Tom, o líder natural do grupo, ao sair da casa pela segunda vez, pede: "Seja a líder que não foi antes.". Se Tom percebeu é porque Josh Malerman percebeu.

E ela não consegue ser o que se espera por responsabilidade total do autor. O máximo ela que faz é olhar a mala de Gary (o louco) e qualquer atitude posterior ou anterior é, à princípio, tomada por Tom. Todo o momento que ela se arrisca de verdade é porque não há ninguém que faça isso por ela (como se uma mulher só soubesse o que fazer depois que o Macho-Alfa do grupo morre). Malorie é uma personagem simplesmente inócua com raríssimos momentos inspirados e quase sempre usando roteirismo como muleta narrativa.

Desta forma, Tom consegue mais foco. É nele que confiamos durante todo o livro, é dele quem esperamos as atitudes serem tomadas e é dele o maior sentimento de perda. Até mesmo Don, que começa como um claríssimo coadjuvante, consegue ter uma voz mais potente e dissonante do que Malorie em seu desenvolvimento. 

O mais irônico nisso tudo é que o parco papel dela é um fracasso tão evidente que Josh Malerman se sente obrigado a escrever na página 256: "Ela está mais forte, Mais corajosa. Sozinha, criou duas crianças neste mundo. Malorie mudou." para logo em seguida fazer um pequeno eufemismo discursivo sobre quem ela era e quem ela se tornou por dois parágrafos inteiros. Essa auto-indulgência, já na primeira obra do autor, é no mínimo, preocupante. 



Sobre as crianças... Bom, em determinado momento, antes da entrada de Olympia na história, o tempo que falta para o nascimento dos bebês é contado de forma regressiva (Estilo que também é abandonado pelo autor antes mesmo da metade do livro), dentro da confusão não-linear em tempo presente que a obra apresenta. A questão é retratada como "As crianças", subtendendo que a protagonista está grávida de gêmeos, mas em capítulos seguintes o Narrador-Observador chama o feto de "A criança". Isso é confuso e te tira da imersão algumas vezes. Com um mistério tão grande e potencial como o que está enlouquecendo as pessoas, que espaço tem para confusões sobre maternidade se nem mesmo a coadjuvante era estabelecida? Não agrega, não linka e nem tem sentido quanto trama a não ser colocar mais páginas com um atalho mal feito. O máximo que conseguiu fazer foi um roteirismo de ambas darem a luz juntas e uma desculpa para Olympia se enforcar com um cordão umbilical do alto de uma janela. Sei de casos onde a criança se enforca desta forma dentro do útero da mãe, mas não sabia que o objeto que chega no máximo a 60 cm consegue ser enrolado no pescoço de um adulto e aguentar seu peso morto balançando pela janela. 

Falando em roteirismo, existem outros: Comida que nunca acaba, chega mais gente na casa, pequenas confusões sobre comida escasseando e de repente há um OFF tremendo sobre o assunto. Eu contei. Foram quatro citações num livro de 272 páginas. E depois, milagrosamente, encontram comida em fartura. Assim, fácil, com pequenos avisos para dar ar de realismo e que no fim não tem peso algum a não ser causar uma briguinha esquecida facilmente.

Como Malorie lembra onde encontrar microfones para ouvir ruídos do lado de fora da casa também é problemático. Ela faz um remember absurdamente hiperbólico e non-sense do trajeto que fez de carro no começo do livro mesmo sendo explicado em seu início que ela mal olhou para o que havia no trajeto e fazendo quase um ano desde que passou por lá. E o melhor, ela consegue pegar um carro e IR até o lugar sem enxergar o caminho, apenas de memória. Mesmo que tenha sido na base de tentativa e erro, ela não acertava como chegar de primeira, mas acertava como voltar, ainda que com vidros pintados de preto e visibilidade zero.

A gravação do rio é outra questão. É combinado entre ela e Rick (personagem que aparece em carne e osso no fim da história)  que haverá uma gravação no trecho do rio que ela precisará tirar a venda. Ele decidiu usar uma antiga mensagem eletrônica enviada por Tom para guiar Malorie e as crianças. Mas ele manteve a mesma gravação por quatro anos? Ele até argumenta que apenas ela poderia ir pelo rio, mas são 1460 dias. Qualquer um já teria desistido por um estranho. Ainda nisso, há outra falha: Se ninguém poderia descer pelo rio além dela, como eles já tinham um sistema de som funcionando e sendo utilizado antes dela ir até lá?


Há também Gary, que em determinado momento, é expulso por Tom e seu grupo. Eles abrem a porta para que o louco vá embora e fecham os olhos para não verem o que está do lado de fora. Uma casa com sete pessoas e ninguém viu que ele não saiu e se escondeu por semanas no porão onde havia estoque de comida e contagem semanal? Ninguém percebeu que ele foi para o sótão depois disso? Ninguém percebeu que a mesma tapeçaria TRANSPARENTE que citam na página 51 serviu de disfarce para ele em frente à três pessoas adultas e um cachorro farejador e nervoso?

Há mais, mas vou resumir:
1) Criança que nasce e a mãe deitada que consegue pegar ela antes de cair no chão;
2) Telefone tocando infinitamente;
3) Coincidência do rio que ela precisa pegar ser justamente o que está atrás da casa onde mora;
4) Filhos de quatro anos que se tornam máquinas de ouvir, sabendo até quando a mãe sorri e se uma folha cai no poço onde pegam água (De fazer inveja a Ellie Creed em O Cemitério, que, com 5 anos, conseguia fazer elucubrações intensas sobre Deus e a morte);
5) Cachorros que não enlouquecem em determinada parte da trama, mas quando convém, sim;
6) Protagonista que no rio questiona que os seres podem ser "do tamanho de uma unha", mas que anos antes ouve seus respiros e passos durante o parto.

O Clímax* é desleixado, com ar de que foi feito para inovar mas consegue ser apenas fraquíssimo. Mesmo que envolva dois partos simultâneos, nitidamente despreza a inteligência do leitor pois é descrito de forma que impeça-o de ver a forma das criaturas. O problema foi dar algo anticlimático em troca com uma conversa entre Gary, Olympia e Malorie.

Importante também dizer que a caixa de passarinhos que dá título à história aparece a mais de 3/5 da obra e pouco agrega à história depois. Caixa de Pássaros é um título bem infeliz para o tamanho da importância do objeto.

Mas para não dizer que tudo em Caixa de Pássaros é deficiente, Josh trabalha bem algumas tensões como a parte que Malorie e o cão Victor chegam onde há microfones. A morte do cão é realmente o momento mais triste da história, apesar de algumas situações irreais como o animal arrancar a própria língua ou ela deduzir que ele está destruindo a própria perna com dentes quebrados. Outro momento tenso é todo o trecho do livro dedicado a Tom onde ele primeiro conta do falecimento da filha e depois como se virou andando pelas casas com os olhos vendados. Ele encontrar o corpo de um menino que morreu de fome uma casa de distância da deles e o pensamento "eu teria vindo se soubesse que você estava aqui" é de cortar o coração. O falecimento de Tom também é triste, mas pela sua ausência. Sabe-se que ele morre porque há gritos, mas não há chance de despedida nem da protagonista e nem do leitor.

Houve um momento inspirado de Malorie que foi realmente bom de ler. Eu não esperava e fui surpreendido agradavelmente quando ela, numa cólera de coragem, conta a todos sobre o que encontrou na mala de Gary. Isso está na pág. 204. Chega a ser cômica a reação de todos. 

Outro ponto que me agradou foi o mistério em torno das criaturas e sua dicotomia. Elas têm todas as chances de atacar, mas não o fazem. Andam perto dos humanos, observam, se aproximam, mas não mexem com eles. Há uma curiosidade quase infantil que é evidenciado quando a protagonista sente um desses seres puxando sutilmente a venda dela no barco. Apesar do formato delas ser humanoide (conforme já descrito mais acima), Olympia, antes de enlouquecer, diz algo revelador: "Como você é linda". Ou esses seres são femininos -- o que seria interessante já que os que enlouquecem e continuam vivos por todo o livro são apenas homens -- ou há divisão de gêneros entre machos e fêmeas. Escondê-las foi uma sábia escolha aqui.


Enfim, Caixa de Pássaros pode ser resumido em uma palavra só: RUIM. Narrativa estranha, roteirismos, erros de continuidade, excesso na Suspensão de Descrença e uma personagem que quase serve como Falsa-Protagonista*. É formulaico e simplista, pobre, por assim dizer, mas continua sendo formulaico, o que justifica seu sucesso com o público generalista. 

Ademais, em 1º de Outubro nos EUA será lançada a sequência intitulada Malorie. O que não anima muito já que todas as obras de Josh Malerman como A Casa no Fundo de um Lago e Piano Vermelho foram recebidos com certo ar morno pelo público, mas tenho certeza que se fizerem filmes sobre ambas as obras, receberão cada um 97% de aprovação pelo Google. ¯\_(ツ)_/¯

Lamentável.

🙈 NOTA: 2,0

Espero que tenham gostado. 
Boas leituras!
Abraços,
Saitama de R'lyeh


🔴 Glossário Informal
*Cronologia Não-Linear - Quando a história é contada sem seguir padrões temporais de apenas presente ou passado, mas uma mescla de ambos para maior instigação da obra e/ou desenvolvimento de plot-twist's.
*Clímax - Momento da obra em que o conflito final se instaura e o protagonista precisa encarar seu arqui-inimigo numa batalha decisiva.
*Falsa-Protagonista - Personagem que serve para enganar o leitor/espectador, já que é apresentado como arco principal, mas depois é usada uma reviravolta para apresentar o(a) verdadeiro(a) protagonista que será foco da história. 


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