sexta-feira, 18 de outubro de 2019

FM Fics: O Pilar de Henry Nowar - Parte 1


Muitos se perguntam diariamente o que existe além nas estrelas, que tipos de perigos e maravilhas o vazio negro sem vida além de suas esferas brancas pode abrigar, os mistérios e monstruosidades que poderiam nadar nas ondas do mar negro e voar pelos ventos além dos céus.


Devo dizer que eu era sim uma dessas pessoas, preso em minha curiosidade e determinado a quebrar a camada de ignorância que se formara em relação ao que pode verdadeiramente existir lá fora. Obviamente não poderia basear qualquer estudo legítimo nisso, pois tal hipótese seria dubiamente considerada no melhor dos casos. Logo, deveria focar-me em áreas que poderiam me auxiliar em meus verdadeiros estudos sobre a vida além de nosso Sol que brilha eternamente, maneiras pelas quais poderia procurar evidências do que buscava sem o repúdio com o qual seria visto caso o realizasse abertamente. Não encontrara muito em pesquisas do meio, apenas cartas e pequenas obras deixadas por escritores desconhecidos que afirmavam ter visto a realidade abaixo do véu em seus sonhos de mundos distantes. É claro que tais afirmações jamais poderiam ser consideradas como verdadeiras, e isso foi algo que me trouxera grande suspeita. 

O que levaria pessoas de origens, personalidades e ideais diferentes a visualizar as mesmas imagens profanas em seu sono? É claro que não poderia apresentar meus questionamentos para a comunidade científica, então me contentei apenas com minhas divagações pessoais nas folhas de meus cadernos rabiscados. Os textos eram rasos, sem argumentos ou provas dignas de consideração para a grandiosidade do que buscava encontrar fora do alcance das estrelas. Todos eram assim, exceto por um. O único que parecia diferenciar-se do tom didático e ignorante dos outros fora publicado em meados de 1760, aparentemente por um ex-professor da antiga Universidade Beata, ou, como denominada na época, Universidade de Pesquisas Científicas e Históricas Zachary. Um nome estranho, devo dizer, porém não é como se isso afetasse minha leitura da obra antiga que tinha em minhas mãos. O texto era um dos mais breves, parecendo escrito com pressa e descuido, como uma obrigação que deveria ser cumprida antes de um prazo que já se esgotava. O manuscrito possuía três principais linhas de raciocínio isoladas, que davam sentido aos absurdos ali presentes.

O autor, Professor Richard Walters, descreve no início de seu texto a notícia infeliz que pareceu se espalhar pela região em menos do que um único dia. Era dito por todos que um único homem, aparentemente um pesquisador em artefatos históricos conhecido como Henry Nowar se trancara em sua casa por tempo indeterminado, seu corpo morto já tendo definhado quando as autoridades invadiram o local após alegações de desaparecimento e disparos no interior do local. Disseram eles que o corpo do velho Henry fora encontrado com buracos em sua cabeça, além de uma arma deitada a seu lado no chão de madeira. Porém isso não era o mais macabro do texto de Richard, nem de longe. As autoridades, continua ele, revelaram também que estranhos símbolos foram talhados a força na parede da casa, estranhas linhas verticais no interior de estranhos círculos sobre triângulos assimétricos. Haviam também duas frases escritas com maior ênfase, circuladas pelos símbolos misteriosos que povoavam todas as obras recentes de Henry. As frases, segundo os oficiais, podiam ser lidas como “Ele está vindo” e “Aklehyhar consome”. O significado da palavra Aklehyhar era desconhecido por todos, diz o professor em sua carta, e informa também que o próprio desejava jamais ter desvendado seu significado. Ainda mais, diz ele, os policiais encontraram nas mãos de Henry uma folha amassada, com apenas um texto curto e uma imagem. 

O conteúdo do texto jamais foi revelado, pois é dito que após ler as palavras ali contidas, os oficias não tomaram tempo antes de disparar contra suas próprias cabeças, tomados por pavor e medo inimagináveis. Os oficiais afirmam que as palavras escritas por Henry foram repetidas pelos homens em sua morte repentina. O desenho, porém, fora revelado ao público, um mínimo de conhecimento que era permitido a nós como forma de apaziguar o pavor e o choque. Porém poucos dias depois de sua revelação nos jornais, os mesmos foram recolhidos e cópias da imagem foram queimadas pelas autoridades. Richard afirma que buscou entrevistar aqueles que observaram o desenho em busca de satisfação para sua própria curiosidade mórbida, porém nada de concreto foi encontrado. Estranhamente, todos para quem perguntou descreveram o desenho de maneira diferente, interpretações variadas que mantinham de igual entre si apenas sua forma, um grosso tronco vertical que parecia tomar todo o seu corpo, estendendo-se acima do que pareciam ser nuvens no papel. Um rascunho fora feito por Richard, porém não parecera fiel as descrições que ouvira dele.

O texto não acaba por aí, com Richard ainda notando que em uma carta recuperada de Henry para sua ex-esposa, ele afirmava estar tendo fortes sonhos com a forma monstruosa de tal criatura. Ele afirma que teme pelo que esses sonhos podem representar, e aponta como a solidão pode ser preferível a confrontar o que realmente aguarda além das estrelas. E enquanto escrevo isso, eu devo concordar com o que é dito por ele. Pois o que está lá fora, o que aguarda tudo e todos no vazio sem fim, não é algo que possamos sequer começar a compreender. E eu faço isso como um alerta, um aviso do que está por vir, um aviso do porque jamais devemos tentar domar aquilo além de nós.* Dito isso, prosseguirei com o que é dito no texto de Richard. Após sua falha em buscar algo sobre a obra profana de Henry, o ainda jovem professor buscou asilo em seus livros e obras antigas, mais visto no interior da biblioteca da universidade do que em sua própria casa. Ainda assim, nada de valor pode ser encontrado nas páginas amareladas de tempos distantes, e com cada livro lido a raiva, o desespero e o fascínio de Richard cresciam duas vezes mais. O máximo que encontrara do estranho pilar que povoava vinte e quatro horas de seu dia foi um pequeno poema antigo, uma relíquia de tempos egípcios que jamais poderia ser traduzida por ele naquele momento. E assim, diz ele, seus planos para viajar ao Egito ganharam forma.

O escrito prossegue cautelosamente, agora muito mais focado em teorizar a possível origem de tal inspiração para o desenho de Henry. Talvez nada além de um produto dos pesadelos incessantes do homem, um fruto de sua imaginação. Ou talvez algo assim, essa abominação que desafiava, no papel, todas as leis que poderiam ser concebidas de anatomia e espaço poderia existir, em algum lugar além das barreiras do material, flutuando solene na penumbra além do espaço visível. E como um homem da ciência, como um pesquisador dos mistérios primordiais da vida além das estrelas, admitir que algo assim exista é uma das causas de meus pesadelos. O texto acaba com essa última hipótese, um fechamento abrupto e corrido que me deixara com nada além de muito mais perguntas do que jamais tivera. Por longos dias, apenas sentei-me em silêncio pelos acervos perdidos das bibliotecas, procurando incessantemente uma conclusão para o que lera naquela carta do antigo professor. Procurei também pessoas que poderiam me informar mais sobre sua história, porém grande maioria delas já falecera, deixando para trás nada além de suas casas e pertences. Alguns deles tiveram filhos que julgo saberem algo sobre o que decorreu na busca de Richard, porém ainda assim duvidava que eles se permitiriam compartilhar algo com um estranho, revelar os segredos enterrados do passado para alguém que nunca sequer imaginaram existir, assim como eu nunca imaginei que as coisas além deste mundo pudessem. Havia pouca esperança dentro de mim, e sabia que realizar a mesma viagem de Richard era financeiramente impossível.

E assim eu me vi sozinho, preso entre caminhos sem saída e eternamente distante da resolução que buscava encontrar. Havia apenas uma única esperança, uma fagulha nas profundezas de minha mente que me impulsionava em direção a tal ideia destinada ao fracasso. Se eu o fizesse, a vida na prisão seria o melhor que poderia tirar disso.

Esse fascínio, essa busca incessante por uma verdade por trás das cartas sobre sonhos e morte me afastou de todos, meus próprios pais deixados de lado em minha busca infrutífera que parecia jamais ter fim. Não demorou muito tempo para que todos deixassem de me procurar, minha porta não mais emitindo o som das batidas e o rangido leve ao ser aberta. E agora que não tinha mais nada a perder, decidi enfim deixar tudo para trás, e arriscar tudo em uma última tentativa.

Meu plano era desesperado, uma última tentativa motivada pelo puro desejo, tão arriscado quanto estúpido. Eu planejava me infiltrar na Universidade Beata, me ocultando na penumbra em busca da biblioteca central da grande instalação. Um complexo estudo de todos os minúsculos detalhes da estrutura foram feitos, pois ali a segurança era forte, e um único sussurro poderia tornar-se meu último. Não detalharei aqui as ocorrências de meu furto, pois não quero incentivar que tentem. Por muitas vezes me vi forçado a permanecer imóvel por entre as folhas e galhos dos arbustos, os focinhos dos cães passando diante de meus olhos como as hordas dos demônios de pesadelos infantis. Ainda assim, pude me encontrar no interior da grande biblioteca, um conjunto de três andares que pareciam se estender eternamente para todos os lados em que olhasse.

Caminhei com a chama fraca do lampião tremeluzindo com cada passo, sempre me afastando de janelas para que a luz não pudesse ser vista pelo exterior do vidro arranhado. Antigos boatos diziam que livros de tempos mais antigos do que as primeiras civilizações registradas poderiam ser encontrados nas profundezas daquelas estantes, perdidos entre a poeira e o mofo como relíquias do início deste mundo. Porém não havia tempo para que tais informações fossem comprovadas, pois o Sol já ascendia por detrás das montanhas quando me esgueirava para fora da biblioteca sem fim.

Fim da parte 1

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