Quadrilogia Wagner vislumbrando sua reta final. Seria esta obra isenta de ser ressarcida com pastel?
🛩️EDIÇÃO FÍSICA 🛩️
Escrito por Kurt Vonnegut em 1969, foi lançado pela Editora
Intrínseca em 2019 com 288 páginas pólen soft e capa dura. Tem um rápido
prefácio do escritor e tradutor brasileiro Antônio Xerxenesky, Doutor em Teoria Literária
e Mestre em Literatura Comparada.
Não foram encontrados erros de digitação ou ortográficos.
🛩️CRÍTICA 🛩️
Como de praxe, à sinopse: Kurt Vonnegut está escrevendo um
livro sobre Billy Pilgrim, um homem que foi soldado, esposo, pai e também um
abduzido para o planeta Tralfamadore. A partir disso, ele ganha o poder de
viajar no tempo podendo tanto reviver o que passou, como ver seu futuro,
trazendo à tona vivências e sentimentos principalmente da 2ª Guerra Mundial e
acontecimentos posteriores.
Conforme já disse ao Wagner num comentário no nosso
blog, eu comprei este livro sem sequer ter noção da sinopse. Então, foi uma
sensação diferente descobrir a história enquanto eu a lia. Foi a primeira vez
que fiz isso, provavelmente pelo impulso de ter comprado a obra meio que sem
pensar, até porque foi indicação do supracitado Wagner.
Se você me lê aqui no blog e Formiga Elétrica, sabe que tenho
por hábito discutir pouco a *Estética (Vide
Glossário Informal ao final do texto) de um livro. Alguns formados em
Letras – da qual a Teoria Literária é disciplina – achariam que a Crítica
Literária é apenas isso, outros poucos, discutem a tecnicalidade dos livros
lidos como processo de avaliação. Sou um destes poucos, mas neste texto, vou
ter que gastar dois parágrafos para falar da filosofia, ou seja, a Estética, de
Matadouro Cinco.
O autor Kurt Vonnegut |
Dizer que Matadouro Cinco quanto conceito é fascinante, é
pouco. Sob esta ótica, é uma das leituras mais instigantes que já tive nos
últimos tempos. Billy Pilgrim é uma figura apática, resiliente e contemplativa
nas entrelinhas. O fato dele viajar no tempo (cabe a interpretação se ele
realmente é capaz disso ou não ou se é o típico caso de Narrador Não Confiável)
como metáfora sobre seus traumas de guerra ou mesmo aceitação de si, consegue
trazer uma luz excelente ao Homem Normal que busca a si mesmo dentro de
acontecimentos tristes e indulgência. O fato do livro ser uma quase biografia
de períodos específicos de Vonnegut, assim como suas inserções, enriquece a
discussão sobre a metodologia do ser diante dos baques da vida, ainda que aqui
eles sejam mais focados na 2ª Guerra Mundial.
Assim, a representação da modernidade e dos questionamentos
da Guerra sobre o indivíduo é bem-vinda. Mesmo a obra tendo sido escrita no
final dos anos 60, num período em que a Guerra do Vietnã já causava um cansaço
popular nos EUA, faz um ótimo link entre ambos os paralelos de desejos armistícios.
Neste ponto, Matadouro Cinco consegue ser simplesmente impecável.
Pincelada a parte mais contemplativa do livro, vamos falar
das suas estruturas narrativas.
Kurt Vonnegut (falecido em 2007), definitivamente, era um escritor muito capaz. Ele
sabia criar links entre acontecimentos, aprofundar o drama e dosar isso com o
sarcasmo. O Tempo Psicológico de Billy Pilgrim também tem uma maneira de ser à
parte. Com as viagens no tempo acontecendo com o personagem, tudo se arrasta
mais de forma que as digressões (falo tanto disso que não sei se é necessário
que seja explicado o que são) sejam transformadas em elementos narrativos que
não apenas sirvam de respiro à história, como complementem seus acontecimentos
ainda que de maneira discreta e, eventualmente, marcando mais o terreno com sua
densidade. Ser um pouco de livro autobiográfico do seu tempo na Guerra coopera
com a vivacidade que seu personagem sente alguns fatos e como isso afeta a
leitura. Vonnegut deixa bem claro que o livro é sobre si mesmo, ainda que se
utilize de drama e ficção científica para tal.
Estar exposto sob a persona de Billy Pilgrim faz com que Vonnegut
tenha uma expansão maior na propriedade mais ficcional e intelectual com que
encara os temores que ele mesmo passou. Transitar neste formato demanda alguns
cuidados e, na maioria das vezes, o autor consegue. Não há armadilhas
narrativas que ele caia no processo e tudo é bem orgânico. Ao mesmo tempo que
ele faz a mostra de que fala de si, dá um psicológico próprio para Billy
Pilgrim. Isso torna a Diegese* imprecisa, porém de forma positiva e tornando a
sua complexidade prazerosa. Chega a ser engraçado como essa mesma complexidade
ganha contornos simplistas quando se percebe uma proposital e nula evolução do
protagonista, pois ainda que esteja em diferentes tempos, permanece o mesmo.
Ele é inócuo, pouco agregador e ainda assim, consegue ser a representação de
uma letargia cega à própria ignorância. Estranhamente, isto o torna rico sob o
ponto de vista da narrativa, que se permite transformá-lo num porta-voz de um
pensamento muito mais do que a representação de uma construção ou estudo de
personagem. Billy Pilgrim é, na verdade, uma espécie de analogia de uma época.
Ou várias, como preferir.
Billy Pilgrim, o protagonista (é o da direita na imagem) |
Por isso, seja através da passividade de morar num
matadouro, ou de ser uma atração nua em um zoológico interplanetário, existe
sim, uma crítica social tanto ao ato de buscar significação num pós-guerra
quanto na metáfora de que no fim das contas isso pouco importa diante de seu
lugar na humanidade. Pilgrim é um problema que os EUA não querem lidar por ser
um soldado sobrevivente, então, isolá-lo por pura incompetência é uma solução.
E nisto, entro no aspecto da Tralfamadore e seus habitantes, assim como suas vozes dentro da narrativa. Há uma evidente necessidade desta raça em parecer
superiormente filosófica, mas que cai diante de pequenas “humanidades”. Esta
dicotomia é feita de maneira cadenciada no livro, porém, sem se demorar demais.
Apesar das incursões desta parte serem pontuais, servem, por incrível que
pareça, para que o protagonista tenha uma paz. Ele se resigna a ser a tentativa
de lógica diante de uma lógica estranhamente terrestre que os tralfamadorianos
possuem. Por vezes cômico, é funcional, ainda que caia em certas obviedades e
que não tragam muito além disso.
O que me leva há alguns erros estruturais do livro. A começar
pelas primeiras páginas da história que são um tanto confusas. Há pelo menos
dois trechos iniciais que se complicam desnecessariamente e que fazem demorar um
entendimento mais imersivo na obra. O início entre a transição Vonnegut/Pilgrim
exigem mais atenção que o normal assim como a variação temporal do protagonista
é errática. Por vezes bem delineada, por outras difusa demais, o que causa
estranhamento. A linearidade narrativa é sempre bem-vinda e por mais que esta
falta não seja frequente, há sim a afetação e confusão, assim como a falta de
organicidade entre esses temas, ao menos a princípio. O livro se encontra após
um tempo ao menos com a transição, porém a linearidade irregular prossegue por quase
toda a extensão do livro.
Alguns finais inconclusivos também se tornam problemáticos com
personagens que somem e têm seus desfechos capados. Ainda que Billy Pilgrim
seja quem realmente importe, o desaparecimento narrativo dos outros que
ajudaram na formação da história é um belo deslize.
O excesso de repetição de fatos por vezes são monótonos. Ainda
que tenham uma utilidade válida dentro da história, não deixa de ser cansativo,
para não dizer enjoativo. O termo “É assim mesmo” começa chocante, prossegue se
tornando comum, e termina banalizado. São dezenas e dezenas de vezes que a
previsibilidade acontece, assim, perdendo seu efeito inicial, porque são
dezenas e dezenas de vezes que o termo é repetido incansavelmente.
Isto posto, Matadouro Cinco é uma obra que tem uma clara intenção de se opor às guerras, porém demonstra toda a insignificância de um querer tão utópico. Kurt Vonnegut se vale de bons elementos para transmitir essa mensagem pessimista, mas que comete alguns deslizes para alcançar este fim. Não é um livro que marque, porém demarca sinceridade, tristeza e a noção da própria realidade diante do mal da humanidade. Imperfeito, ainda que interessante. É assim mesmo.
Isto posto, Matadouro Cinco é uma obra que tem uma clara intenção de se opor às guerras, porém demonstra toda a insignificância de um querer tão utópico. Kurt Vonnegut se vale de bons elementos para transmitir essa mensagem pessimista, mas que comete alguns deslizes para alcançar este fim. Não é um livro que marque, porém demarca sinceridade, tristeza e a noção da própria realidade diante do mal da humanidade. Imperfeito, ainda que interessante. É assim mesmo.
🛩️NOTA: 8,0
Então é isso. Espero que tenham gostado.
Até a próxima e boas leituras.
Saitama.
Até a próxima e boas leituras.
Saitama.
🔴 Glossário Informal
*Estética - Parte filosófica direcionada à reflexão da arte, vinculando à noção do Belo quanto percepção, sentimentalismo, imaginação e sensibilidade ligada à obra.
*Diegese - Conceito de narrativa que diz respeito à própria noção ficcional, ou seja, diferida de toda a realidade externa ao texto.
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