Não é novidade que a base de Hollywood sempre foi adaptações, remakes e, principalmente (ainda mais hoje em dia), franquias. Em outras palavras, marcas. E é com base especialmente nessa última palavra que é colocado em cheque um ponto quanto a isso, e que deveria receber mais importância dos estúdios e seus produtores na hora de pensar em investir nelas.
O Apelo das Propriedades
John Dolittle. Um personagem criado em 1920 pelo autor Hugh Lofting, e que estreou no livro infantil intitulado justamente de "The Story of Doctor Dolittle". E desde que Lofting introduziu seu herói ao mundo, o médico que falava com animais foi adaptado muitas vezes através de outros livros, programas de rádio e animações ao longos dos anos (ainda que a mais famosa das adaptações seja sem dúvidas a divertida série de filmes estrelada por Eddie Murphy), e que contou como uma versão mais moderna do personagem.
E agora nesse ano, como todo mundo sabe, a Universal decidiu trazer o personagem de volta a tela grande, dessa vez com Robert Downey Jr. como um....excêntrico (no mínimo) doutor. Mas como também já se sabe,a crítica não foi muito com a cara do filme (pra não dizer que não foi MESMO). E como eu deixava claro...eu botava fé no filme:
MUITA fé. Mas, no fim...bom, eu vi o filme. Seria ele tão ruim como falam?
Como disse um trecho que vi da análise do Omelete, na teoria, não é difícil entender o apelo de Dolittle: ele junta a obsessão que Hollywood tem com adaptações de propriedades intelectuais, com o melhor que o star system pode oferecer hoje - no caso aqui,se aproveitar da fama de Robert Downey Jr. agora que se despediu do MCU, e que busca uma nova franquia de aventura para si. O começo do filme- que tem direito a uma introdução em animação com uma música simpática que já coloca o cara no clima do filme- já mostrava que a faca e o queijo pelo jeito já estavam na mão do projeto já em seus minutos iniciais. Eu até estava, assim, pensando: "Tem de algo de estranho aqui. Será que a tal bomba desse filme estoura só depois?"
E bom, esse questionamento em parte se responde pouco tempo depois pelo próprio filme. E foi aí que eu comecei a entender as críticas feitas a ele.
Quanto a história, como era de se imaginar, ela não foge daquilo já deixado claro nos materiais promocionais. Aqui, temos um Dolittle mais velho (mais cansado) e ainda traumatizado pela perda trágica de sua esposa em seu passado, e que por isso, se isola de ter contato com qualquer ser humano, vivendo assim em um santuário de animais - onde viveu anos apenas com seus companheiros animalescos. Isso, até ele se esbarrar com um garoto (Harry Collett), e com uma missão de salvar a Rainha da Inglaterra, que está doente por razões misteriosas e conspiratórias (e caso ela se vá), não haverá garantia que o próprio santuário de Dolittle (dado pela própria Rainha) continuará seguro para seus colegas animais na próxima temporada de caça. Com isso, o doutor parte em busca de refazer a aventura final de sua esposa para descobrir a tal "Árvore do Éden", com a ajuda do garoto e dos animais- que conta com um grupo de voz com nomes como John Cena & Emma Thompson.
Com isso dito, talvez o primeiro problema de Dolittle (que na verdade você só percebe depois, mas acho bom citar primeiro) seja justamente a sua história. Se você ler o resumo que eu fiz aí, ele é bastante padrão para um filme de aventura pra família: os heróis que devem recuperar um item mágico para salvar o dia (e em sua jornada), eles passarão por locais fantásticos. No caso desse filme, existem realmente alguns locais bem bonitos...mas nada especialmente mágico como deveria ser, e como a própria introdução do longa fazia. Em última análise, isso já impede o longa de se sentir como o épico de aventura e fantasia que tão claramente quer ser (e ao invés disso, grande parte da mágica deriva mesmo do fato de Dolittle poder falar com animais), ainda que as próprias regras de magia do filme não fiquem claramente definidas.
"Como assim Riptor?" Eu explico: em um ponto (que até aparece no trailer), Dolittle consegue falar com um polvo. Mas em contrapartida, ele não fala com nenhum peixe ao seu redor - será que ele não é capaz de falar com peixes? Talvez sim, talvez não, já que o filme nem aborda o assunto nem com ironia, nem mesmo com humor. Já o outro ponto (que é explorado um pouco mais) é justamente o fato do menino que acompanha Dolittle ser capaz de aprender a falar com os animais, o que meio que presumivelmente significa que naquele mundo, qualquer humano pode falar "animal", desde que se esforce o suficiente para isso. Não foi algo que me incomodou (quer dizer, tirando uns alivios cômicos paia sobre isso). Mas para um filme de fantasia, isso meio que tira a própria "magia" do dom do próprio protagonista, já que supostamente qualquer zé ruela pode fazer o que ele faz (não do jeito máximo dele),mas minimamente. Pra falar a verdade, Dolittle no geral não constrói muito para o seu próprio mundo, como filmes fantasiosos (por exemplo: Harry Potter) devem fazer. Mas, "isso não importa muito"...contanto que você não pense muito sobre isso.
Mas enfim, vamos falar então do dito humor agora. Eu gostei da iteração do Dolittle com os bichos..mas a mesma sofre com certos momentos, justamente por causa do humor. Por exemplo: existe uma parte onde o protagonista está jogando "xadrez" com o Gorila (com a voz de Rami Malek) e que tava legalzinha...aí vai lá uma piada e deixa aquele gosto amargo (e existem outros tantos momentos assim no filme),já que tem vezes que o humor aqui parece o de um filme da Illumination. Aquele dito gorila que o diga (claramente ele era pra ser o atrapalhado simpático do grupo),mas tava soando mais é o retardado que só faz merda mesmo. O pior é que o próprio Malek já se aventurou na comédia de forma melhor antes (vide Uma Noite no Museu),então se vê que ele está naquele caso onde o ator é refém de piadas que precisa seguir de qualquer jeito.
Ainda falando do humor, com isso, dá pra sentir que isso afetou claramente a parte do "perigo" do filme. A rainha lá tá MORRENDO. O próprio Dolittle, ainda é meio que afetado por lembranças do passado. E há uns outros momentos ali que poderiam ser mais do que foram, mas que não foram...porque o filme parece que tem um problema em deixar as coisas "sombrias" (não sei se seria bem a palavra certa) por muito tempo. Faltou mais momentos realmente com perigo, momentos tristes (momentos de perda). Acho que podiam ter explorado mais a própria perda da esposa do cara, algum sacrifício no meio do caminho. Sabe, Dolittle soa (e parece) uma aventura na esquina,e não a tal "maior aventura de suas vidas".
E pegando de base isso que eu falei, isso se liga a outro ponto, que é o andar do filme. Sério, chegou num ponto que eu pensei: "Isso tá me cheirando a trajetória final já...". E era. O filme fica com aquele clima que ainda tá no começo (no máximo indo pro meio) por mais tempo do que deveria, sendo que você a um certo ponto já percebe que ele já tá indo é pros finalmentes (o filme tem 1 hora e 40 minutos).
Pegando de exemplo outro filme que também é meio "rushado" (Ascensão Skywalker,do qual eu também fiz review aqui), lá ao menos isso não ficou tão sentido,já que você sente ao menos quando o filme está no começo, no meio, e indo pro fim. Já em Dolittle,você só sente isso quando algo já aconteceu na tela pra te mostrar (e se não fosse por tudo isso), acho que o filme iria se beneficiar mais do próprio potencial....até vir aquela cena no final.
Puta merda, sério: quem na Universal achou que seria legal aquilo?! Eu não vou falar o que é (sinceramente é o tipo de coisa que você precisa ver pra crer),mas posso falar que possívelmente (na minha opinião) é por causa mais dela que o filme foi tão massacrado do que jeito que foi por alguns lugares.
MAS, nem tudo é problema nesse filme: as ditas interações dos animais (quando elas não são estragadas),são boas. A introdução do filme, ficou legal mesmo. E a interpretação do próprio Downey tem seus momentos...ainda que eu tenha estranhado pelo sotaque, mas foi (e ainda que eu ache que em certos momentos ela ficou meio afetada), apesar que eu acho que era a intenção.
Ainda assim, ele é o único ali do elenco humano que dá pra falar algo que não é pra criticar muito (aquele dito menino aqui não fede nem cheira), assim como uma menina que aparece aqui. O rival do Dolittle interpretado por Michael Sheen então, é mais afetado que o próprio Dolittle (e do qual o filme tem uma tara por fazer piadas por ele "não ter queixo"). E o personagem do Antonio Banderas...eu nem reconheci que era ele.
E vai: por mais que o humor tenha problemas,o filme teve umas sacadas que eu gostei (tipo uma onde o Dolittle negocia com um grupo de formigas),ou uma certa tirada entre elas e uma libélula maluca que aparece aqui.
Sem falar que,como antes esperado por mim, eu gostei do Barry. O jeito meio doido e afetado dele que o Ralph Fiennes transmitiu ficou divertido (só um certo golpe baixo estragou a cena dele pra mim),mas ok.
Mas voltando ao ponto de introdução desse texto, porque eu falei disso? Bom, porque esse filme é (independente se o filme fosse do jeito que foi ou mesmo BEM melhor), um caso onde o estúdio superestimou até onde uma marca como Dolittle poderia ser realmente rentável. Este filme passou por problemas de produção sérios (muito por causa do temperamento de Stephen Gaghan, diretor) que segundo um funcionário da produção, criou um ambiente tóxico para todos os envolvidos na produção e para o próprio elenco, já que constantemente causava problemas técnicos, dizia ofensas e fazia ataques explosivos.Com isso,a própria Universal o demitiu no meio do caminho, e trouxe Chris Mckay (de LEGO Batman) para reescrever alguns arcos do filme, ao mesmo tempo que chamou Jonathan Liebesman (sim, daquele filme das Tartarugas Michael Bay), para comandar refilmagens que duraram 21 dias. Resultado? Um orçamento inchado de 175 milhões (sendo que antes, o orçamento já devia estar considerável), visto o salário de Downey. Procure aí o orçamento de De Volta ao Lar (onde ele não aparece por mais de 10 minutos por exemplo) e veja como mesmo assim o orçamento subiu só por causa da presença dele, e com o segundo filme tendo ficado mais barato justamente por ele não estar ali.
De novo: 175 MILHÕES em um filme do DR. DOLITTLE. O primeiro filme do personagem (de 1967) custou 9 milhões, e arrecadou apenas 17 (o que o transformou em uma bomba financeira na época). Já os 2 primeiros filmes da franquia de Eddie Murphy dos anos 90 e início dos anos 2000 foram sucessos em seu tempo (o primeiro custou apenas 70 milhões, e arrecadou quase 295),enquanto que o segundo filme custou o mesmo orçamento, e arrecadou 176 milhões. Mas nesse caso, é aquilo: mesmo com uma estrela no papel principal, os filmes custavam pouco, e por isso eram mais bem rentáveis (tanto que a partir do 3° filme), a série migrou para o território de Home-Video, até ser resetada com esse novo filme.
O caso de Dolittle reflete apenas o que já aconteceu com filmes como o desastroso John Carter, da Disney: marcas antigas que um estúdio decidiu tirar o pó que estava na prateleira delas, para dar a elas então um orçamento astronômico com uma expectativa irrealisticamente otimista de ser um hit mundial. E o resultado foi justamente o contrário (no caso de John Carter) isso ocasionou até na saída de Rich Ross, até então presidente dos estúdios Disney, após 15 anos na empresa.
E isso, só prova que nem toda adaptação como essa pode se juntar ao clube de bilhões de dólares (mas elas têm o potencial de obter sucesso com um orçamento mais modesto). É só ver o caso da Sony com Jumanji: Bem Vindo à Selva: mesmo colocando o The Rock como um dos protagonistas, o estúdio gastou apenas 90 milhões (e no fim das contas), o filme fez surpreendemente mais do que o mais otimista dos executivos poderia imaginar. Mas mesmo se não tivesse, o filme não precisaria de tanto para ser lucrativo (algo bem diferente do caso desse novo Dolittle), que precisaria já de impossíveis 350 milhões apenas para se pagar. E junte tudo isso ainda ao fato do filme até não ser esse desastre que dizem...mas que não é bem aquele filme que valeria a pena você pagar um ingresso caro.
No fim das contas, Dolittle não é bem um novo Cats,ou algo do gênero (só se for na parte de desastre financeiro). Ele tem até seus momentos (e neles) pode ser divertido, apesar de tudo. Mas, é inegável: é um filme problemático, que poderia ser muito mais visto o seu potencial, mas que nunca é alcançado pelo fato do longa nunca querer ultrapassar o rótulo de aventura familiar genérica (e mesmo que a situação financeira do filme estivesse melhor), a falta de construção de mundo não deixa muitas pontas para que um segundo filme pudesse explorar, mesmo que conceitualmente,o filme seja fiel ao material fonte (por sorte o material presente em livros do personagem é consideravelmente extenso), e haveria ao menos rumos para se ir. O que não vai ocorrer nessa incarnação de 2020.
Mas, se há algo de positivo para se pensar ao menos sobre o futuro do personagem para quem tem um carinho por ele, é que como Hollywood é do jeito que é, o nosso Doutor vai acabar voltando. Provavelmente vai demorar um pouco, mas vai (e como eu já comentei antes), espero que dessa vez em uma plataforma de streaming, onde se poderá ter o devido investimento, sem se preocupar em ter de lucrar milhões nos cinemas. Quem sabe até com o Taika Waititi (ou com alguém bom com aventura e comédia) dirigindo...
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