sábado, 15 de agosto de 2020

O Terror Infanto-Juvenil: Um Influenciamento Não tão Assustador

* Esse Artigo foi postado Originalmente no CinePop, mas já faz um tempinho que eu queria trazer o mesmo pra cá.
 


Quando alguém pensa em filme de terror, logo de cara a maior parte das pessoas pensa em longas como O Exorcista, Invocação do Mal, ou mesmo certos suspenses, como o clássico ‘Psicose’. Entretanto, não é tão incomum encontrar esse gênero (ou traços dele) justamente em filmes infantis supostamente "descontraidos".

Afinal, quem nunca se assustou com a transformação das bruxas em Convenção das Bruxas, ou então assustou-se com as verdadeiras intenções da Outra Mãe em Coraline. Isso sem falar nas maléficas feições do lobo Gmork tentando destruir as boas intenções de Atreyu em salvar Fantasia em A História Sem Fim, entre outros. Esses casos apenas demonstram como isso sempre ocorre de tempo em tempos, com roteiristas e diretores apresentando (em formatos diferentes) à seus jovens expectadores, o medo. O medo da aparência, o medo de desconhecer. O medo de não poder reagir à aquilo, e basicamente, ter um trauma disso. E isso, ainda que soe temeroso para seu público, no fim acaba tendo até um papel bastante importante no próprio amadurecimento das crianças e no modo de ajuda-los a enfrentar os obstáculos do mundo, e de se impor perante os perigos, ao saber que sempre há esperança até nos momentos mais obscuros.
Enquanto a própria psicologia discorre acerca dos processos de amadurecimento e crescimento – seja através da metapsicanálise ou dos estudos acerca de eventos traumáticos e irreversíveis -, essas obras carregam consigo uma profundidade muito maior do que parece. Tomemos como exemplo Branca de Neve e os Sete Anões: de um lado, temos a exuberante presença da personagem titular, uma moça tipificada como a donzela em perigo que irá passar por inúmeras provações até encontrar liberdade. De outro, temos a presença da Rainha Má (cujo nome real é Grimhilde), uma poderosa, invejosa e aterrorizante monarca cujo principal objetivo é destruir sua inimiga (Branca) e tornar-se a mulher mais bela de todas. Apesar da curta duração do longa, a  personagem vilanesca é retratada de modo bastante arquetípico quando se pensa num escopo mais geral: ela é a representação de todo tipo de ruindade do mundo e, sendo obrigada a mudar sua identidade para conseguir o que quer, transgrede os conceitos de benevolência e justiça e, como já sabemos, se dá mal de uma forma bastante dramática.

No filme, essa ambiência arrepiante é, ao mesmo tempo, convidativa e rechaçável: as crianças a princípio se sentem coagidas a desviar o olhar da tela, seja no momento em que o Caçador tenta matar Branca de Neve, ou quando a colorida natureza cede a um cenário expressionista e distorcido. Mas, elas logo percebem que o arco das personagens é traçado por um motivo específico – o de mostrar que as adversidades podem existir, mas sempre podem ser ultrapassadas.
Já em ‘Coraline e o Mundo Secreto’, a narrativa de Neil Gaiman convida seu expectador para uma outra perspectiva aventuresca: os estereótipos românticos caem por terra e ganham uma camada mais complexa, que gira em torno de uma jovem infeliz com sua família e que busca por algo maior do que já tem. É aí que, movida pela curiosidade, ela descobre um mundo escondido atrás de uma portinhola, em que cada pedaço daquilo que conhece é transmutado a seu favor, como um modo de fazê-la ficar por lá mesmo. Nessa animação, as concepções de perfeição e alegria regem a atmosfera, sendo colocadas em um patamar duvidoso que serve como base para as reais intenções da Bela Dama e sua fome ávida por crianças insatisfeitas – como é nos revelado pouco antes do terceiro ato.

Mais uma vez, todos os elementos contribuem para arrebatar o público-alvo em direção a uma mensagem específica: a própria contraposição artística entre o Mundo Real e o Outro Mundo é um elemento de subserviência inconsciente que causa maior atração, ou repulsão. Os aspectos fantásticos, como banquetes infindáveis, cachorros de três olhos e shows circenses de camundongos, fazem parte da esfera impossível que se torna possível, e que gradativamente tomam conta do coração de Coraline. Entretanto, quando as coisas não saem como o planejado, as máscaras caem – e os olhos de botões ganham uma dimensão macabra.
Cada narrativa que faz parte desse específico e abundante suis-generis carrega consigo assim uma necessidade em comum: usar o terror como exploração metafórica e simbólica dos perigos que realmente existem. Enquanto confinadas à esfera familiar, as crianças mantêm contato apenas com as figuras paternas e/ou maternas e acreditam que a presença deles é o bastante para mantê-los a salvo de tudo. Mas, quando menos esperamos, a mortal inveja de uma Madrasta pode nos apunhalar pelas costas – e, mais do que isso, faz-se preciso encontrar as forças para enfrentar esse medo.

Em outras construções animadas, como no igualmente clássico O Estranho Mundo de Jack, a expressividade do perigo é deixada de lado, e optando pela desconstrução de criaturas outrora consideradas medonhas para uma reorganização quase psíquica de personagens cujas intenções são puras o bastante para compreender os mesmos. Já em A Noiva Cadáver, a tênue linha entre vida e morte é literalmente cortada quando Victor acaba ficando noivo da já falecida Emily, descobrindo que o submundo pode ser mais divertido do que se imagina. E já em Frankenweenie, o atemporal conto do Prometeu moderno transforma-se em uma adaptação sobre amizade e sacrifício guiada pelo amor de um menino por seu cãozinho.
E a complexidade de longas-metragens de terror também pode ir além disso: por vezes, o caminho trilhado pelos protagonistas serve de inspiração para ações corajosas e destemidas, como é o caso de Coraline, que resolve voltar para sua algoz e enfrentá-la de uma vez por todas de modo bastante sagaz. Já Atreyu e Bastian, de A História sem Fim, percebem que a esperança e a bondade é a principal arma contra as calamidades que nos bombardeiam dia após dia. E em ParaNorman, o personagem homônimo percebe que lendas podem ser reescritas, e que um vilão pode ter sido, na verdade, a própria vítima da história. E em nenhum caso, os projetos precisam, necessariamente, "apelar" para que seu público aprenda isso. Afinal, temer é diferente de chocar.

No fim, é por isso mesmo que, de tempos em tempos, ainda surge um projeto que, apesar de soar alegre e sem "camadas", acaba na verdade apenas esperando que uma nova criança o assista para entender sua mensagem de que se aventurar em mundos tensos, apenas faz com que um novo lado nasça nelas. E por consequência, uma jornada de autodescoberta que possa a fazer saber lidar com algo que ela pode acabar topando antes da hora. Claro, quem sabe ela não entenda de primeira, e ache que quem fez aqueles filmes apenas quis rir de seu medo e trauma por suas trilhas, cenários, acontecimentos e criaturas. No fundo, realmente, pode ser.
Mas, no futuro, ela quem sabe poderá agradecer essas mesmas pessoas. Afinal, pelo que se sabe, ninguém morreu por causa de um trauma de infância desses.

Por: Riptor

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