Onde assistir: Youtube
Ano passado fiz para o Rocket, em seu extinto blog, uma crítica do Porta dos Fundos – Especial de Natal, então decidi que valeria escrever aqui para o Família Marvel, a crítica do novo produto do grupo, intitulado de Teocracia em Vertigem.
À sinopse: Depois de Jesus Cristo ter sido crucificado, é feito um documentário sobre o processo que o levou até à morte, entrevistando pessoas que o conheceram seja através dos milagres feitos, até as que conviveram intimamente com ele.
Vamos às tecnicalidades, para começar:
Com jogos de câmera altamente protocolares, Teocracia em
Vertigem não causa nenhum tipo de sensação aos seus espectadores. Com um
figurino simples, mas funcional, eles trazem uma boa sensação temporalidade,
mas com alguns anacronismos no diálogo. Costuma ser bom quando feito
propositalmente e aqui é operante. Está tudo tão simples que realmente não
encontro muito a dizer, porque o filme busca mais causar no que é dito no que é
mostrado.
Assim como no ano passado, há Planos Americanos em excesso, mas desta vez com Meios Primeiros Planos inseridos mais sutilmente. Essa sensação visual de sempre ter a mesma coisa cansa a vista. Mesmo sendo uma paródia do Democracia em Vertigem, é nítida a diferença de tons e funções. Se um queria informar, aqui a ideia é transformar a informação em humor. Então uma linguagem mais dinâmica seria muito mais bem-vinda.
Agora, vamos aos pontos principais:
Atualmente é impossível falar de Portas dos Fundos sem resvalar no assunto “política”. No caso, a menos que você more numa caverna há 36 anos, é provável que já saiba que o grupo milita para a Esquerda. Dito isto, sim, você vai ver um humor comprometido com pautas de Esquerda e oposicionista ao Governo Bolsonaro.
E veja bem: É saudável e louvável que exista todo tipo de humor. Aqui no Brasil, citando os mais famosos, há gente como Danilo Gentili, Léo Lins, Parafernalha, Hipócritas, o próprio Porta... há gosto para os mais variados aos menos exigentes. Estes estão ao espectro da Direita, ao Centro que chuta todo mundo e mais à Esquerda. E o mercado – leia-se Internet –, vendo que o produto atinge o seu público ideal, absorve e entrega nicho e a relevância.
Mas se existe um problema aqui e que é sentido durante todo o Especial do Porta dos Fundos é justamente uma das maiores consequências da Internet: a velocidade com que as coisas acontecem. Num tempo onde as coisas vêm e vão muito rapidamente, com escândalos novos todos os dias e problemas novos surgindo, tudo fica um pastiche velho muito fácil. Teocracia em Vertigem se vale de um jeito antigo (usar metáforas religiosas para criticar o contemporâneo) para falar de assuntos que já não estão engajando ou que não mexem com os brios de todos, apenas de uma parcela da população. Se no ano passado o grupo conseguiu ver uma possibilidade atemporal de mexer em dois vespeiros simultaneamente que foi a parcela do público que é religiosa e a parcela que problematiza a homossexualidade, trazendo um Jesus com traços galileenses e tentando, mais do que entender sua divindade recém-descoberta, compreender a sexualidade no meio de uma sociedade hipócrita, neste ano Teocracia em Vertigem busca apenas e tão somente, atacar a Direita quase que de maneira protocolar.
O humor tem diversas vertentes, o discreto, o pachorrento, ofensivo, cru, mas acima de tudo, ele precisa ter graça. A validade na ideia do Porta dos Fundos empaca na ideia mais básica da finalidade do humor. Irônico? Sim. Debochado? Com certeza. Conseguiram fazer rir? Não.
Mas sejamos um pouco mais flexíveis. Vamos supor que o Porta decidiu fazer um humor mais britânico este ano, algo mais ácido, que aponta um problema corriqueiro social e te faz rir. Dá para dizer que foram bem sucedidos, ao menos? Também não.
Para isto, vou dar um exemplo. Vejam o humor britânico em sua essência nesta cena que você pode ver AQUI.
A acidez não está no não fazer rir, mas tornar o riso uma crítica à hipocrisia. E nisto Porta dos Fundos falha miseravelmente. Há raríssimos momentos engraçados e eles se valem mais da capacidade dos atores que consegue arrancar o riso, ainda que discreto, do que pelo texto e qualquer tipo de genialidade que nele carregue. E posso citar dois exemplos deste tipo de situação: Leandro Ramos no papel de Pedro e Daniel Furlan como Judas. Ambos conseguem, com graça provocativa, nas suas poucas aparições trazer a síntese do que o Especial do Porta dos Fundos tentou por quase uma hora sem sucesso. Falaram de corrupção bolsonarista, Fake News, parodiaram a infância de Jesus e ainda por cima, num texto pobre, mais uma vez, cortesia de Fabio Porchat.
Leandro e Daniel, estes sim, extraem do texto um teor que se vale dos seus talentos. O jeito de olhar, as pausas, as falas incisivas misturadas com uma certa mansidão, inclusive num certo antagonismo entre ambos os personagens. Há camadas ali e imergem o espectador. Mas as aparições são tão pontuais que não há muito do que se aproveitar depois que acaba. É como ver uma deliciosa bala de goma no meio de um bolo estragado. Você até come a bala, mas dá pena por todo o resto que nada presta.
Gregório Duvivier, se já prova ser deficitário nos textos e interpretação dos mesmos no Greg News, dá a certeza neste especial onde ele parodia uma mistura de Cabo Daciolo com Fala Que Eu Te Escuto com Sikêra Júnior. O resultado é constrangedor. Ele, mesmo limitadíssimo, fez um trabalho muito melhor no especial do ano passado.
Evelyn Castro retorna ao papel de Maria e desta vez, ao invés de ter camadas humorísticas como em 2019, fica mais próxima de uma letargia melancólica com a morte do filho. Apesar dela interpretar a mesma personagem bíblica, ela não está reprisando a personagem do especial passado, que isso fique claro. São duas versões diferentes da mesma mulher. E que fique claro: Evelyn é um colosso na interpretação. Ela é a prova que há um fio de esperança na densidade do grupo e salva parte da proposta justamente pelo drama. Ela te carrega e faz sentir a dor de uma mãe pela morte do filho.
Agora, se há um ponto realmente negativo tremendo neste especial, é Fabio Porchat no papel de Jesus. Ele até imprime uma provocação ao falarem de Cristo católico, loiro e de olho azul no meio de tantas pessoas do Oriente Médio que são esteticamente muito diferentes, mas para por aí. A aparição final do ator num clip de rap traz pouca graça ou reflexão. Apesar de ter um aqui e ali interessantes como no trecho onde ele diz que voltou como negro, mulher e travesti – sendo morto as três vezes – numa clara alusão ao racismo, machismo e transfobia e em outro momento onde ele renega uma letra do Cidade Negra (“Pra entender o Erê, tem que tá moleque.”), com uma pequena inserção à própria dissimulação, de resto, é dispensável.
Isto posto, fica a pergunta: Quando o Porta dos Fundos vai
aprender que menos é mais? Há dezenas de humoristas por aí que fazem das
críticas governamentais uma arma de expressão e exploração financeira, mas que
conseguem acertar seu alvo de uma forma mais do que lúdica como também específica.
Em 2020 o Porta mostrou que ser enviesado politicamente, ao mesmo tempo que
tenta ser plástico num especial todo recortado e colado, com informações
majoritariamente datadas e praticamente anacrônicas, rende apenas atenção. E lucro. E é o que basta, não é?
Nota: 2,6
A quem desejar tirar suas próprias conclusões, o filme está online no canal oficial do PdF AQUI
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