Fazendo um pouco de justiça a um dos filmes mais
injustiçados de Jim Carrey.
Título: O Pentelho (The Cable Guy)
Ano: 1997
Roteiro: Lou Holtz Jr.
Direção: Ben Stiller
Elenco: Matthew Broderick, Jim Carrey, Black Jack, Leslie Mann, Ben Stiller e Owen Wilson
O Pentelho, mesmo com esse título português ridículo, (The Cable Guy ou O Cara da TV a Cabo, à livre tradução), é um filme que carece de ser assistido com um pouco mais de atenção. Como eu sei que há muitos que não gostam, ou consideram o longa ruim, decidi fazer uma crítica trazendo um pouco mais dele, que ainda tem o que falar mesmo sendo um filme de 1997.
CRÍTICA
À sinopse: Steven Kovacs acabou de se mudar para um
apartamento novo depois de um rompimento com sua namorada. Ao conhecer Chip
Douglas, ele acaba sendo tragado para um mundo onde a amizade de Chip pode ser
uma bênção, ou uma maldição.
CONTERÁ SPOILERS DO FILME. SE NÃO VIU, PARE A LEITURA, VÁ VER E DEPOIS VOLTE AQUI.
Há muitas coisas que eu preciso dizer sobre este filme. A primeira delas é que ele é subestimado. Não é um filme perfeito, mas está longe de ser apenas um escapismo com as caras e bocas de Jim Carrey interpretando um homem carente de atenção. Há temas realmente relevantes ali e mesmo que sejam tratados de forma até suavizada ou com uma comicidade evidente a maior parte do tempo, acaba trazendo relevância.
Ben Stiller é um diretor com câmera conservadora e que joga
no seguro com muitas edições em cena, então eu nem vou perder tempo falando
disso porque uma direção operante que não traz nada de novo desde 1997 no
que tange enquadramentos. Mas dentro deste comodismo, há um crescendo na tensão
trazido pela mensagem que ele escolheu trazer. E é disto que O Pentelho trata:
na necessidade de mostrar que vivemos dentro de uma bolha muito particular e
que nos vilaniza. Talvez até pior, ao normatizarmos esses deslizes, os apequenamos
e engrandecemos nossa capacidade de burlar o que é certo. Stiller divide o
filme em três momentos: A comédia, o incômodo (algo que acompanha muito
do longa) e ao final, a explosão do ódio e o justiçamento. Praticamente o conhecido 25/50/25 do cinema: 25% de Apresentação, 50% de conflitos e 25% entre Clímax e Desfecho. Na prática, protocolar.
Eu não sou versado em Ben Stiller, há poucos filmes dele que eu realmente gosto, mas é inegável que aqui existe uma ideia fixa e clara sobre o “o quê”, “onde” e “como” a mensagem é passada e isso, sem muita análise, é bom. Há um nervosismo que analisando é esteticamente problemático, mas compensa pela latência crescente e é limítrofe ao ao tensionar o espectador. Por muito pouco o filme não se transforma de comédia para suspense mediano em vários momentos, mas que a sonoplastia ajuda a segurar com suas músicas que aliviam o clima. Aliás, essa tensão é até bem-vinda, já que apesar de ser comédia, há um pano de fundo muito real: o Stalker.
Falando dos atores principais, vamos lá:
Matthew Broderick, ator que conseguiu trazer o ápice de sua carreira fazendo o papel de um adolescente cabulador de aula e que venceu o sistema ao desafiá-lo (Ferris Bueller em Curtindo A Vida Adoidado), consegue entregar boas interpretações posteriores sempre focando em personagens antônimos que são pessoas normais que não conseguem resolver seus problemas que crescem ao passar do tempo. Posso citar dois, um deles é o papel do Professor Jim McAllister no excelente e provocativo A Eleição (nunca me esquecerei sua lição sobre moral e ética) e no papel de Steven Kovacs, em O Pentelho.
Kovacs é retratado de maneira simplista, à priori. Um
americano médio que tem um trabalho ok, uma namorada que deu um tempo na
relação, poucos amigos. Broderick entrega um personagem que está enraizado à
questões profundas, como por exemplo, ser o porta-voz de uma sociedade apegada
à TV, idiocratizada às vantagens e benesses de alguns trocados para conseguir
mais apego à TV (“dê 50 dólares ao instalador e você terá TODOS os canais, até
os pornográficos”, conselho aceito). E ainda que carregue nas costas a representação
de uma discretíssima vulgarização de erros sociais do filme e uma adorável hipocrisia, ele ainda prefere a solidão.
Já Jim Carrey, no papel de Chip Douglas, abre espaço para a antítese de Kovacs, ou seja, um homem que viu na TV uma obrigação para deixar adultos em paz quando criança, mas que ao crescer teve todo o seu padrão de comportamento amplificado pelos programas que assistia, os ruins principalmente. Ao stalkear os clientes, ele mesmo romantiza isto através do conceito de amizade. Se ele é abusivo, minimiza com brincadeiras. E o mais perigoso: Se ele tem sua amizade negada, automaticamente percebe que a única solução é ser inimigo.
De uma certa maneira, há muitas semelhanças nas infâncias de Kovacs e Chip. E talvez, a partir daí, tenhamos o paralelo mais interessante do filme: O julgamento do famosíssimo Stan Sweet, que matou seu igualmente famosíssimo irmão gêmeo Sam Sweet (ambos são interpretados por Ben Stiller). Há uma construção paulatina de como as tensões entre os irmãos vão tomando forma das tensões entre Chip e Kovacs. Desde as infâncias dos quatro personagens, enraizadas à frente da TV cada qual à sua forma, até mesmo o desfecho, onde apenas um teria que sair vivo depois que o ódio exacerba. Assim, Chip vira Stan, mas ao contrário do que pode se pensar, quem vira Sam não é Steven Kovacs, mas Robin. Robin/Sam precisaria sofrer pelo ódio que Chip/Stan tem de Kovacs/Sociedade, pelos ônus que teve na vida. Veja bem, não há o menor atrito físico real da parte de Chip para Kovacs o filme todo e a única vez que isso acontece, é como na TV: Encenação. O clímax em que há mais um conflito é simplesmente parte do pacote e nem é tão específico assim. Por isso, toda a ameaça de morte, ainda que infantilizada, é transferida para Robin. O que resta para Kovacs, resta a provocação através da tensão.
Não por menos, o final do trio é completamente diferente dos
gêmeos. Se a TV não perde tempo em adaptar a história dos dois com um
assassinato e um culpado mesmo sem o veredicto definido, Ben Stiller decide
humanizar chip como uma vítima dos excessos dos adultos. Stan não seria uma
vítima de Hollywood, então? O perdão é uma escolha. Talvez por isso que a
sentença no assassinato tenha sido propositadamente interrompida e que ninguém
saiba o que realmente aconteceu. Nós perdoaríamos Stan mesmo que fosse
inocente? Um julgamento já não é o suficiente para expor negativamente um homem
para sempre? Neste ponto, Kovacks e Robin perdoam Chip, que está obviamente
longe de encontrar uma redenção, mas como a jornada é de Kovacks e
sua namorada, é a atitude deles que importa. É como a sociedade se permitindo
ao benefício da dúvida.
Agora vamos aos defeitos do filme de maneira mais apropriada:
Já que falei de ator que só cresceu na vida, cabe uma menção pouco honrosa a Jack
Black, que passa apagado mesmo quando a trama lhe concede alguma importância. É
um personagem não muito definido. Ele parece ser jornalista, mas parece ser qualquer outra coisa, que parece ser o Jack Black. Apesar de gostar muito do ator em outras
produções posteriores como King Kong, O Amor Não Tira Férias e O Amor É Cego, é
inegável que a maioria das vezes é apenas ele interpretando a si mesmo. E aqui
não é diferente. Aliás, fica aqui uma pequena recomendação que poucos conhecem:
Jack Black participou de um episódio de Arquivo X e que tive a honra de
assistir nos anos 90. Não vou falar mais nada, mas posso garantir que ele foi
muito bem, mesmo em início de carreira. Procurem se tiver interesse e tirem
suas próprias conclusões.
Isto posto, O Pentelho é um filme imperfeito, mas que carrega uma acidez prazerosa. Tenso, vai até onde consegue sem mudar seu gênero e apesar de se perder aqui e ali, mantém uma unidade que interfere muito pouco no resultado geral para o espectador. A mensagem é clara, dentro de personagens que flertam com o complexo e que refletem até hoje uma verdade inconveniente. A TV emburrecia nos anos 90 e mais atualmente temos a internet que faz esse papel muito bem. Todo entretenimento massificado é válvula de escape e a canastrice é sempre uma certeza num mundo por vezes ingênuo cheio de Chip Douglas só esperando a chance de cometerem seus pecados.
NOTA: 6,7
Então é isso, espero que tenham gostado.
Abraços,
Saitama de R'lyeh
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