quinta-feira, 15 de abril de 2021

CINESCÓPIO ESPECIAL: OS 7 PECADOS CAPITAIS DE ZACK SNYDER


Evagrius Ponticus, Papa Gregório e Tomás de Aquino foram os responsáveis pela criação e lapidação dos Sete Pecados Capitais. Diferentemente dos 10 Mandamentos, que funcionam mais como ordenanças de convívio e conduta prática, os Capitais estão mais focados em moralidades específicas a ver com o exagero, acima de tudo.

Dito isto, Tenho horror a fanboyzices ou a haters destilando ranço para tudo. Por mais que eu entenda que existam obras, tanto no cinema quanto na literatura, que sejam de execução perfeita (poucas, bem poucas, mas elas estão por aí), acredito que extremos não sirvam para muito além de encher o saco e de abrir a porta da hipocrisia. Nada é perfeito de forma fácil (Cormac McCarthy é), assim como nada é imprestável (Uwe Boll, Michael Bay e O Berço, de Paul Kent, são), portanto, vamos aqui pontuar algumas coisas importantes nesta lista sobre a cinematografia de Zack Snyder.

Vou assumir que, sim, gosto muito dos trabalhos do Snyder a ponto de ter visto todos os seus filmes (sim, todos), porém-todavia-contudo-entretanto, estão longe de serem perfeitos. Pensando, então, em trazer um pouco de equilíbrio para esse assunto, resolvi pegar a maior parte de seus oito filmes - esta matéria é feita dias antes do lançamento de Army Of The Dead - e apontar defeitos que, ao meu ver, problematizam a carreira do diretor. Que se tome por óbvio que não vou falar dos longas quais ele atuou exclusivamente em outra função, como os de produtor, por exemplo, sequer farei críticas (para isso existe o Cinescópio) dos filmes citados. Também que fique claro que o defeito de um longa não significa que não pode estar em outro, mas me darei o direito de interpretar o(s) pior(es) de cada, segundo minha visão, e destrinchá-lo. Enfim, são apontamentos apenas, na tentativa de mostrar o óbvio: Nem tudo é perfeito, mesmo aquilo que gostamos.


1º PECADO – LUXÚRIA

Talvez o pecado mais óbvio de Zack Snyder esteja numa certa busca de uma sexualização por vezes pueril, mas pontual, dos seus personagens. Batman Vs Superman com um Clark Kent num papel Eros (no sentido filosófico, sentido e/ou força à vida) diante de Lois Lane tanto como salvador quanto o Eros (No Grego, o amor) numa banheira, Sucker Punch e a forma provocante de todas as suas personagens femininas, além da deturpação da intenção sexual primária (A questão geracional) em A Madrugada Dos Mortos com um bebê-zumbi. Independente de críticas, estas que citei ainda carregam um porque, por mais discutível que sejam.

Mas há duas cenas que até hoje me incomodam profundamente e ambas estão em 300 de Esparta, adaptação da HQ 300, de Frank Miller e que não são originais de lá. As duas cenas envolvem a Rainha Gorgo, interpretada pela atriz Lena Headey. Uma delas é resultante da conversa piegas e clichê entre ela e Leônidas que começa sobre falta de desejo e termina com uma frase de efeito “o que um homem livre faria?”. Isto tudo precede uma cena com olhares sem inspiração, sexo regado a ventilador e em câmera lenta (absurdamente desnecessária). Algo digno do Cine Privê de tão ruim.

Já a outra cena envolve a mesma Rainha, porém, desta vez, com Theron (Dominic West), um político espartano sem escrúpulos que barganha sexo com a mesma em apoio no Conselho para a guerra de Leônidas. A conjunção carnal de ambos, mais parecida com estupro do que deveria em uma tomada bem ruim, vem de mais um diálogo afetado, mas desta vez sobre o que é guerra e política (e sexo forçado não é – ou não deveria ser – objeto de negociata deste último). O resultado, além de constrangedor, aponta a visão de Snyder ao papel reducionista da mulher como alguém que tem pouco a oferecer à sua sociedade além de ser um depósito de esperma na ausência de um homem honrado ao seu lado. É quase um pastiche de qualquer tipo de intenção que Zack Snyder poderia pensar em ter. 300 de Esparta, infelizmente, é um filme que não envelheceu bem em diversos aspectos.

 

2º PECADO – SOBERBA

Sob toda a pecha de melancólico que Zack Snyder passa nas suas obras, existe um Q pesado de intencionalidades por trás de algumas de suas escolhas narrativas, estéticas ou visuais. Em alguns filmes isso funciona como por ex: Madrugada Dos Mortos (Crítica social no entretenimento), o SnyderCut (Tristeza e luto num mundo triste e enlutado), Watchmen (O verdadeiro heroísmo, às vezes, precisa ser mentiroso) e MoS (Um Cristo metafórico e seu dilema de Deus Ex-Machina diante de um mundo que não o aceita). Porém, há filmes que este sendo do “Eu, Ideia & Conceitos” não é funcional e tem dificuldades em criar elos emocionais com o público. Coincidentemente, onde ele mais peca neste ponto, é justamente no seu único longa-metragem 100% autoral e que considero um dos melhores de sua carreira: Sucker Punch.

Dez anos depois de seu lançamento, ainda vejo pessoas que não entenderam que SP é um filme sobre uma menina abusada em todas as esferas de sua vida e que encontra dentro da própria mente o refúgio para escapar dos males masculinos. Assim como vejo muitas pessoas não verem além da fotografia sépia já estigmatizada e do visual ecoando um jogo estilo Sadismo & Fantasia de videogame. Até mesmo os elementos góticos e tecno-punk são deixados de lado mesmo sendo partes herméticas da narrativa. Tudo isso acontece não por culpa do público, mas pelo excesso de Esteticismo involuntário que Zack Snyder carrega aqui. São tantas camadas diferentes e realidades psicológicas visualmente distintas, que o senso de abuso sofrido pela protagonista, sua resistência através da imaginação e seu finale (que eu considero muito bom até hoje) são relegados a segundo plano restringido ao público que vê apenas o Pop nas músicas de Björk e na ação explosiva. Eu mesmo só fui interpretar de uma maneira mais orgânica todas as camadas de Sucker Punch alguns poucos anos depois de seu lançamento. É um filme tão particular e que busca ser tão cerebral que se torna de difícil conversação para as massas que aceitam de bom grado o complexo, mas rechaçam o complicado. Ônus do Sr. Zachary Edward Snyder que erra ao não abraçar o didático às vezes. Didatismo que não é simplista, porém dá a chance para que o apreciador de sua arte vislumbre o mundo pretendido e não apenas o surreal. 

Por isso, a necessidade do diretor em fazer o caminho inverso do cineasta padrão, que seria tornar o intrínseco (o Eu, Ideias & Conceitos) no extrínseco (algo palatável para o público), em um processo que começa interno e prossegue dentro de uma casca, torna Zack Snyder alguém com dificuldades de fazer da sua arte algo acessível. E, para meu pesar, Sucker Punch é o perfeito exemplo disso. Não sem razão, alguns consideram-no presunçoso ao trazer muito de si e seus sentimentos em relação ao mundo para as suas obras. Talvez este seja o seu filme em que mais fique claro a deficiência de Snyder em se colocar como um profissional que tenha facilidade de trabalhar também com um tom padrão. 

 

3º PECADO – PREGUIÇA

 

Eu desgosto quase que totalmente de A Lenda Dos Guardiões (precisei revê-lo para isso), obra adaptada por Zack Snyder da franquia literata de Kathryn Lasky e considero o pior trabalho do diretor. O visual ainda me impressiona, mas com um peso desconfortável por ser um filme infantil de paleta sépia, o que não chama atenção dos baixinhos. Os filmes para faixas etárias mais baixas são construídos pensados em cores vivas por um motivo específico: Chama a atenção para a tela. Por isso mesmo, vejo tantos problemas neste filme em si.  

O tom comercial era plenamente cabível aqui: Duração mais curta que o normal para não cansar o público-alvo, uma música chiclete por um tal de Adam Young altamente enlatado, a trama simplória (ninguém quer Shakespeare o tempo todo) e que poderia cativar adultos, o tom padronizado da Jornada do Herói... havia pouco para dar errado numa aventura com potencial de tornar-se uma febre entre os jovens e seu recém-futuro-e-hipotético conhecimento sobre corujas. Era quase possível prever as brigas de internet sobre qual espécie era a mais perigosa ou qual poderia dar as caras como vilã no 6º vindouro filme da franquia. Mas mais uma vez, Zack Snyder se autossabota: Montagem de pouco carisma num filme que insossamente episódico, ao mesmo tempo que usa do espetáculo visual (que, sim, funciona) próprio de suas narrativas para fazer da obra uma epopeia pobre.

Mas há um defeito importante que precisa ser dito sobre Zack Snyder: Ele é um diretor que não aprendeu a transmitir uma mensagem de maneira cativante através de filmes de animação CGI, simples assim. Isto tanto é sentido aqui que tem três consequências diretas: A receptividade absolutamente morna da crítica e público, o resultado financeiro absolutamente ridículo que o filme teve (Custo: 80 milhões – Bilheteria: 140 milhões) e, o mais revelador, a ausência completa de filmes em CGI posteriores à A Lenda Dos Guardiões. Em tempo: O Cargueiro Negro não conta justamente por ser quase 100% referencial à HQ metalinguística de Alan Moore dentro de Watchmen, além de não ter a máquina da Warner por trás na tentativa de emplaca-lo como sucesso. Aquilo foi puro Cntrl+C, Cntrl+V por um fã da HQ homônima.

Enfim, filme preguiçoso justamente pela falta de expertise do Snyder e um pouco de comodismo ao criar um filme dentro da zona de conforto depois de três filmes anteriores com pegada cult (Madrugada dos Mortos, 300 e Watchmen) e que arrebatou milhões de fãs. Mas isto não exime A Lenda Dos Guardiões de ser trabalho para qualquer cinéfilo de bom senso passar longe.   

 

4º PECADO – INVEJA

Não que este filme seja ruim, aliás, gosto muito de MoS, mas complexar o Superman numa figura de características conflituosamente deístas (Deus bondoso sem segundas intenções) em contraponto do Decadentismo intrínseco do diretor, num personagem sempre confortável em sua posição de ícone mundial original é um pouco demais para os padrões puritanos e positivamente simples de Superman. E digo isso apesar de termos um Zack Snyder mais sóbrio na direção do longa, mas que persiste em tornar o Mito num personagem relacionável muito mais para si, dentro de seu próprio escopo, do que para os outros, mas ainda assim, com traços mais relacionáveis. 

Outro ponto imperativo deste filme é a necessidade de se distanciar de Superman – O Retorno, de Bryan Singer, este sim muito ruim. Mas tomar o personagem para si desta forma é uma das características básicas do invejoso: Desejar possuir aquilo que é do outro e dar sua própria significação para ele.

Por isso mesmo tentar transformar o Superman kantiano de moral rara no Superman de MoS num introspectivo lacônico e numa força de desequilíbrio cultural com ares de diminuição militarista de uma América do Norte sempre abraçada em valores por Kal-El, soa prepotente. É errado? Dentro deste escalonamento específico, não vejo algo condenável, porém, esta mudança de conteúdo atenta ao formato clássico do herói kriptoniano, que além de pouca aceitação quando alterada, se revela quase dogmática. Altamente compreensível que muitas pessoas não tenham comprado a ideia deste filme devido ao desejo de ressignificação de Zack Snyder a algo que permeia o inconsciente popular há décadas. Evidentemente, esta deturpação do heroico Eu, Transcendental (novamente cito Immanuel Kant) traria consequências.

 

5º PECADO – GULA

Watchmen, mesmo sendo um filme excelente, sofre de dois problemas crassos dos quais me incomoda até hoje. Ambos são narrativos e que mostram o paladar pervertido de Zack Snyder em detrimento de fatores específicos das obras originais.

O primeiro deles é o visual excessivamente emborrachado dos uniformes, mesmo sendo um filme passado nos anos 80, o que por si só já cria empecilhos para certas liberdades criativas tomadas por Snyder. A falta de um pé na galhofagem neste quesito (mas que sobra em outros) me afeta profundamente e reflete na maneira dura da movimentação de gente como Ozymandias, Coruja e Espectral. Uma mistura mais madura de tecido e borracha teria sido muito mais realista e um aceno a visuais mais fidedignos

O meu segundo problema é diretamente ligado ao clímax do filme: a culpa de Dr. Manhattan no ataque a Nova York, engendrada por Adrian Veidt. Não necessariamente nesta escolha criativa de Zack Snyder, mas na reação política ao redor do mundo. Essa “paz mundial” em torno do desejo de tornar Jonathan Osterman um inimigo público e a bravata dos governantes me soa irreal. Manhattan se tornou, literalmente, segundo as versões oficiais dos governos, um horror cósmico que vagueia pelo espaço sem amarras, ilimitado pelos seus poderes sem precedentes, virtualmente invencível e impune pelo mal que “causou”. Isto deveria ser motivo para temor infinito e não para sopro de coragem. E avaliado à letra fria do roteiro, ter o destino do planeta nas mãos de um ser extremamente estoico e sem pretensões narcísicas (o que inclui bem e mal em si) não é algo obrigatoriamente temeroso. Chega a soar inviável que o governo americano jamais tivesse feito o perfil psicológico detalhado do Dr. Manhattan e que Ozymandias fosse o único no mundo com esses dados nas mãos (algo que sequer acontece na obra original). Seria preferível a “ameaça alienígena” das HQ’s justamente pelo ridículo do impossível debochado de Moore do que o absurdo do roteirismo.

Portanto, esse erro nas informações, colocado de maneira excedida, me faz criar questões com Watchmen que não consigo defender.

 

6º PECADO – AVAREZA 

Liga da Justiça – Snyder Cut, é um bom filme (que já teve crítica aqui no blog), mas inchado, com fanservices sem sentido, sem aproveitamento e de potencial confuso. Tanto a aparição de alguns personagens inéditos quanto a escolha do formato das aparições. Sem entregar maiores spoilers os dois personagens inéditos têm peso majoritariamente seletivo apenas para si e não para o tom coletivista desta versão da Liga. 

LJ acaba se tornando um longa interessante pela diferenciação da versão de 2017, só que apegado demais a si próprio. Afinal, precisava ser tão autoindulgente com uma versão de quatro horas? Não. Acaba se tornando um filme sovina, que não abre mão de um único momento e a lembrança constante de que há o subtítulo de “Snyder Cut” é esclarecedor no que tange apego do diretor consigo mesmo a ponto de colocar o sobrenome para disputar espaço com o que realmente deveria brilhar nos pôsteres. E por mais que seja divertido em muitos aspectos, também é exageradamente vaidoso.

 

7º PECADO – IRA

Batman Vs Superman é um caso quase unânime de que não é um bom exemplo de filmes de heróis. É um projeto inchado, quase promíscuo na compulsão de ficar lembrando o espectador que é o início da Liga. É quase ruim, se não tivesse seus bons momentos, mas estou longe de defender a maioria deles.

Para Zack Snyder, aqui, não bastou apenas tentar falar de tudo, mas falar de tudo com uma execução ruim. Os excessos de tornar Superman um iconoclasta acidental, em contraponto ao um Batman ainda mais complexo, psicologicamente quebrado e entregue à violência, dentro das pretensões do filme, que são muitas, faz deste filme narrativamente raivoso, cheio de figuras imperfeitas, onde heroísmo é apenas um vago conceito e a oportunismo é a chave. Mesmo Clark Kent está perdido diante do que deve fazer. Aqui, aquele conceito de Kant que comentei alguns pecados atrás é simplesmente desprezado quase que em sua totalidade. É um vaso novo, mas que se enche de fúria. Os escapismos para as brigas são ridículos, coisas que seriam resolvidas com conversas precisam de tramas complexas e quando há o clímax dessas circunstâncias, dura-se muito pouco. Mesmo os conceitos de Estética que Snyder busca trabalhar, como a visão divina do personagem, ou o escopo político, são deixados de lado em prol de uma narrativa que prioriza a porradaria e o raso. E isto acontece por uma verdade triste: Snyder não está, aqui, no seu melhor momento como profissional. Ele não é um diretor político e nem complexamente filosófico. Por isso mesmo os pontos que denominei são deixados para trás à revelia do surgimento de outros à frente.

Tanto ranço dos personagens, num peso dramático que poderia ter sido melhor aproveitado, faz de BvS falho em diversas camadas. Porém, o pior deles é o entretenimento que fica danificado. Há muito pouco com o que se divertir no filme e, quando há, é no momento que o cérebro pode ser desligado. Eu poderia chamar Batman vs Superman de desonesto, mas Zack Snyder já deu tantas mostrar de ser um diretor limitado diante da maneira de trazer as mensagens que eu o considero apenas um ingênuo. Mas não deixa de fazer este filme algo severamente revoltado e com o abandono de temas que poderiam fazer deste embate entre dois ícones algo histórico. Só foi história e da mais enervante possível. É um filme que me deixa um tanto mau-humorado.

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Isto posto, prossigo admirando o Zack Snyder pelas suas qualidades, mas não vou me cegar, do mesmo jeito que não vejo como apenas destruí-lo. É segmentado, problemático, prepotente e pretensioso, mas ainda assim vejo que seus acertos são excelentes. E espero que ele, no papel de diretor, melhore com os anos. Os haters prosseguirão sendo hater e os fanboys serão os mesmos chatos defensores do indefensável. Mas eu prefiro vê-lo apenas como um eterno pecador.

 

Então é isto,
Espero que tenham gostado.

Abraços,

Saitama de R’lyeh  

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