segunda-feira, 24 de maio de 2021

E OBRIGADO PELOS PEIXES

Decidi sair do Família Marvel.

Mas não apenas do FM, como do Disqus. O perfil do Saitama já está deletado. Este é meu último texto. 

Pensei em fazer uma última postagem em tom frio, particularmente não quero mesmo dar corda para os detratores, mas vá lá: Eu tenho uma espécie de dívida com aqueles que estão caminhando comigo desde antes do Família Marvel e, acima disso, comigo mesmo, que é a peça mais importante desta equação a qual me refiro. Para ser específico, é desde o Legião dos Heróis, em 2016/2017. Se me conhecessem a mais tempo, eu diria que é desde 2011 no Omelete, no Universo HQ e em blog próprio.

Então, de antemão, a você, que acompanha entre trancos e barrancos esta trajetória torta, dedico este texto. Aos que estão aqui no FM e sabem do que estou falando, não preciso dizer quem são. Mas nomear aos ausentes, estes sim, é preciso ditá-los para que a gente não esqueça que a vida às vezes segue caminhos diferentes e que alguns ficaram pelo caminho. São Doutora’s, Yamcha’s, Pinkmen, Felipe's Vinhões, Ultron’s, Wonder Women, Fred’s... A estes que seguiram suas vidas fora do Disqus, nossos respeitos e boas lembranças.

Eu mesmo já me ausentei longamente e não apenas uma vez. Foram retiros intermitentes, assumo, e sempre com acenos às voltas. Nunca gostei desse tal de adeus e não vejo sentido quando há um espaço saudável para exercer uma conversa sobre o mundo nerd (às vezes até sobre vida real) em deixá-lo para trás.

Pude iniciar esse exercício no LdH, posteriormente no INC, onde pela primeira vez fui moderador. Lembro-me de ter iniciado minha primeira resenha sobre livros lá porque alguém tinha atrasado o flood. Salvo engano, foi sobre O Homem de Giz, da C.J. Tudor. A partir daí não parei mais. Fosse lá ou no Utopia Nerd, estava escrevendo sobre livros.

Engraçado que acabei entrando no Família Marvel primeiro como comentarista para antagonizar um dos seus moderadores logo depois que vazou um print dele ameaçando uma usuária do Disqus de bater nela por não ter aceitado suas investidas. O rapaz, como todo bom covarde, se escondeu atrás de um perfil e ao ser descoberto seu rosto, fugiu. Aliás, me orgulho de ter sido a pessoa que o descobriu aquela cara feia. Depois disso o Marcilio me chamou para ser moderador e aceitei. Junto vieram alguns órfãos do INC e que não estavam se adequando 100% ao Utopia, o que é plenamente normal. Eu mesmo não consegui, apesar de sempre ter respeitado aquele espaço. É bom ver que alguns hoje comentam com tanta naturalidade aqui que acabam esquecendo que fui eu quem os trouxe através de convites para floods. E acho isso plenamente normal. Os anos passam e ninguém é obrigado a lembrar de nada. Se me viram como algum tipo de liderança a ponto de acreditar nas minhas palavras para que considerassem o espaço adequado, que assim fosse. E gosto mesmo de ver que de alguma forma, me tornei um observador disso, independentemente de qualquer crítica que eu tenha a uma coisa ou outra.

Mas vamos lá: você não quer ler retrospectivas de um cara com seus quase 38 anos. Enquanto este texto está sendo feito, a internet vai à loucura com mais um teaser da Marvel. Desta vez, dOs Eternos. Então a chance deste texto passar meio batido é grande. Ainda assim, permita-me tentar e ser um pouco expositivo.

Desde o ano passado tenho questionado algumas coisas relacionadas ao mundo geek. Algumas eu coloquei no meu último texto ao qual deixei claro desde o início que era com verdades particulares e intimistas, algo que pelo visto, ainda é capaz de incomodar pessoas. E isto é ótimo sob certa ótica. Ao mesmo tempo que percebo que vou me esquecendo de certas coisas, percebo que não sou esquecido. Porém, estou contando com o esquecimento neste momento. É isto que desejo: O Ostracismo (em Maiúsculo mesmo).

O período de 2020 foi particularmente incômodo. Não é apenas as mortes por COVID ou pelo medo de pegar uma doença silenciosa, nem mesmo pelo fato de que mais do que nunca tenho a educação de duas crianças dependentes de mim. Percebi atrasado, obviamente, que a Internet se tornou um ambiente tóxico para uma conversa discordante ou um debate saudável. Percebi também que os ataques são rasteiros e que se utilizam de espaços ditos democráticos que desejam a morte de seus desafetos. Isto me pegou no contrapé. Quase caí, admito. Levei alguns dias para levantar disso e usar de uma máscara de Lovecraft pela milésima vez e fingir que estava tudo bem e renovado. Eu cheguei no meu limite ali, apesar de toda a educação em OFF.

Em partes isso é graças ao Transtorno Borderline. Tudo tem Peso 10 ao que deveria ter Peso 1, 2 no máximo. Mas isso não é culpa de ninguém, nem minha. A gente não escolhe qual é o problema que a nossa cabeça vai apresentar. De perto ninguém é normal, dizem. Para minha sorte, parte da loucura que carrego é percebida sem close-ups. E é esta mesma questão que me faz tomar atitudes questionáveis e isto se reflete no universo nerd. Gosto de pensar que sou um Melvin Udall de sinal trocado: sentimental demais e com propensão ao erro naturalmente. “Melhor É Impossível”, fica uma última recomendação de filme para todos. Aquilo é perfeito.

Acontece que algum tempo atrás tive um novo revés: Descobri um vício. Como todo viciado, esperei apoio e me encontrei, na prática, ainda mais relegado ao esquecimento real, não este da internet que se resolve fechando a tela do computador. Este foi o que mais doeu e caí, só que, desta vez, não consegui usar a máscara de Saitama de R’lyeh. Então, para que a máscara? Todos aqui, talvez a maioria, conheçam minha cara da época do canal de críticas literárias ou dos textos do Formiga Elétrica. Não dá para fingir que não tenho um nome. Meu rosto, conforme já dito mais acima, não tem a vantagem de estar atrás de uma tela incólume. Eu escolhi isso, sem dúvidas. Dos ônus aos bônus, posso dizer que abracei todos eles.

E este vício, que é algo que me reservo ao direito de não o nomear aqui, me consome ao acordar pensando nele, saciá-lo de forma a sentir muito pouco de prazer nisso e depois querer de novo e de novo. É um câncer que te faz sentir cada vez menos alegria e energia. Se estou de pé, fazendo o que eu preciso, é porque tenho filhos. Para além disso, qualquer Porto-Seguro já se foi. Sou eu comigo mesmo. Ainda assim, cansa justamente porque a sensação de solidão sobre algo que ninguém entende – o quer entender – mexe e te faz questionar sua relevância.

Relevância esta qual estendo ao Disqus, internet e à minha participação no FM. Meus posts sempre foram bem, frequentemente alcançando 1º lugar seja aqui ou no Formiga Elétrica, o que não é importante para mim, mas mostrou ser importante como material informativo, mesmo irrelevante em sua essência. As postagens, de certa forma, são sintomáticas à uma relevância que eventualmente desconheço, porém, se limitam a um meio que pouco ou nada me interessam mais. Não quero falar de livros ou de filmes para tapinhas nas costas, muito menos para contribuir com um comodismo. Para ser honesto, nem mesmo falar sobre filmes e livros eu quero mais. Quase tudo é sem gosto, admito, como comida de hospital. Por isso mesmo vejo esta saída como o elefante que vai ficando para trás da manada, mas aqui não é necessariamente apenas pela velhice, mas pela escolha de querer. Me esqueçam. Deixem-me ser devorado pelos leões da vida, mas não os covardes de internet que escondem seus rostos atrás de perfis. A estes, elegantemente, dedico meu dedo do meio.

E isto é o mais engraçado: Quiseram de mim as minhas escolhas, mas me exigiram subserviência. Me quiseram de Olavete, mas ainda bem, fui muito mais Mainardi. Busquei escrever com independência e com uma certa acidez, sem baixar a cabeça para o que esperaram mesmo quando precisei tomar decisões impopulares. Fui muito mais estadista do que muitos jamais serão num eventual e hipotético papel de moderador. Chutei a todos e não poupei ninguém, nem a mim mesmo. Fui crítico até diante do espelho e não me arrependo. Se aprendi com meus erros, ainda que tardiamente, foi por jamais esquecer do que fiz. Vão se ferrar extremistas, o mods é meu.

Por isso, aceito as pechas que me colocaram nos últimos tempos, não por rebaixamento, mas por saber quem sou e sem pretensões. Não fui herói da minha história, mas sim protagonista. Me importo? Absolutamente. Mas a maior mudança se deu por algo realmente relevante que aconteceu alguns dias atrás: Comecei a precisar usar meus óculos o tempo todo ou minha vista fica cansada, lacrimo e as minhas escleras ficam avermelhadas. Ver os anos passando diante dos meus olhos ganhou um novo significado. Envelhecer é algo ao qual não estou preparado, muito menos sabendo que tenho tantas responsabilidades como meu filho mais velho por exemplo: Quando eu morrer, ele com autismo moderado, como fica? Meu corpo já não responde a tudo como eu queria e não sei como lidar com isso.

Por isso me rebelo contra meu corpo, contra as imbecilidades que li e as que cultivo em mim, contra a minha cabeça. Se permaneço é por não aceitar que as verdades naturais prevaleçam.

Mas admito que perdi esta batalha.

Rebeldia não é sinônimo de nada, no fim das contas. Estou cansado e quero enfrentar a minha realidade com um pouco de dignidade. A mesma que, em alguns momentos, me negaram e que eu mesmo neguei a quem amei. Isto é causa e consequência. O mundo real precisa da minha atenção. EU preciso da minha atenção. Sem debater com ninguém, sem fazer textos, sem ter de me preocupar de ter ao meu perfil todo o fardo de uma plataforma de comentários. Estar longe disso é mais do que ter um pouco mais de paz e sim buscar coisas das quais sinto que hoje ser moderador me nega. E aqui fica um pequeno segredo compartilhado: Mesmo cansado, na merda, deprimido, esgotado eu estava aqui. Mesmo sem comentar. Vi cada comentário arrumei o que precisava, fiz o que pude e recebi muito pouco de volta. Fui taxado, colocado para trás e desmerecido. E por isso, também, me retiro. Ser uma pessoa cansada também passa pelo o que vi acontecer e não apenas comigo. Ser um observador tem lá suas desvantagens.

Então, vou me ater, uma última vez, à literatura. Douglas Adams aqui é uma bela inspiração. Talvez Richard Mathesson fosse um pouco mais adequado pela misantropia intrínseca em Eu Sou a Lenda, a qual me encarrega a vida ultimamente, mas a despedida faz necessária algo um pouco mais reflexivo. A despedida dos golfinhos é providencial em diversas camadas. É um adeus, mas acima de tudo, uma metáfora do que não dura para sempre e o tchau, muitas vezes, é apenas uma canção debochada que poucos entendem. Sou duplamente abençoado por ter feito esta caminhada e por poder chegar ao seu final conseguindo me despedir. Isto é algo que nem todos poderão. Por isso, registro textualmente que me abstenho de meus textos sobre livros ou filmes e faço isso em paz, ciente de que fiz todo o meu melhor.

E se me cabe dizer algo de construtivo nesta despedida, seguem dois pequenos conselhos:

 

1) Gostem do que quiserem, apoiem quem quiserem, mas mantenham o respeito pelo espaço do outro. Se embasem, conheçam o que defendem e olhem bem COMO defendem. Não se afeiçoem pelo extremismo, tampouco se rendam aos argumentos fáceis. Busquem coisas novas. Aqui no blog sempre haverá um milhão de coisas e dicas que deixei para vocês, assim como outros lugares na internet, afinal, não sou o Santo-Graal da verdade, isto eu reservo aos “cidadãos de bem” que vão tentar defecar regra na cabeça de vocês. Saiam do lugar comum. Tentem, tentem e tentem.

2) Se renovem. Nada vive para sobreviver estagnado no mesmo lugar. Cedo ou tarde isto cobra o preço.


E não se preocupem. Sei que não segui estes conselhos à risca. Mas provem que são melhores do que eu. Gerações que vem têm sempre um prazer na busca inexequível em fazer isso com os que vão. 

Então, é isso. Obrigado a todos que de alguma maneira permaneceram comigo nesses quase cinco anos mesmo que mal nos falemos. Agradeço ao Marcílio pela oportunidade de auxiliar a moderação do FM por tanto tempo e me permitir escrever tudo com a força, potência e palavras pesadas, muitas vezes. Vida que segue de alguma forma. Para alguns mais, para outros menos, ainda assim, cuidem-se ou a autoestrada do universo vem sem dó.


Adeus, adeus e obrigado por todos os peixes.

Abraços, 

Leandro Lorusso  





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