quarta-feira, 16 de março de 2022

Cinescópio 9# - Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola

TÍTULO: Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola
ANO: 2017
DIREÇÃO: Fabrício Bittar
ROTEIRO: Fabrício Bittar, Danilo Gentili e André Catarinacho
ELENCO: Danilo Gentili, Bruno Munhoz, Daniel Pimentel, Raul Gazola, Rogério Skylab, Moacir Franco, Carlos Villagrán, Joanna Fomm, Fabio Porchat.


SINOPSE:
Pedro e Bernardo são dois alunos de uma escola-modelo e precisam achar o dono de um diário anárquico para que um deles possa tirar 10 na prova final sem precisar estudar ou s
erá reprovado.

CRÍTICA

Devido à toda polêmica criada nos últimos dias por conta de acusações e tentativas de cancelamentos ao comediante Danilo Gentili e Fabio Porchat, por curiosidade resolvi assistir ao filme Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola, de 2017. A ideia nem era escrever um texto, mas achei de bom tom tentar. Pois bem, o resultado sobre o que achei está abaixo será o mais isento possível. Sem politização e polarização e todo o mal que disso advém.

Baseado no livro homônimo de
Danilo Gentili, é importante dizer que a censura de 14 anos (enquanto escrevo este texto, já saiu a notícia que a censura foi aumentada para 18), ao menos na minha opinião, é baixa para o nível de piadas que ali estão inseridas. Fica muito claro que, apesar do filme acompanhar a história de dois adolescentes, a obra dirigida por Fabrício Bittar tende a se dirigir a um público que viveu um período escolar diferente do atual, onde havia certa tolerância com o erro. Não por menos, apesar de se passar na atualidade, usa-se elementos dos anos 80 e 90 dentro tanto na narrativa quanto na tecnicidade. É um pouco anacrônico, mas admito que essa escolha tem lá seu charme.

                       

Bittar, ciente da proposta simplista da obra, faz uso de enquadramentos comuns e sem nenhum tipo de invencionice. Isto tem método, já que dado ao humor pedestre e, por vezes, escatológico, apresentado, não sobra espaço para criar sequências mirabolantes. A câmera é quase sempre fixa e só anda quando precisa ser parte da piada. Inclusive há uma cena muito boa na apresentação do personagem do Danilo Gentili, onde é feita em Dolly, um tipo de enquadramento onde a câmera fica no trilho e que é muito comum, aqui acaba sendo feita raramente, com algumas exceções. Quase todo o resto do longa é feito em planos estáticos que visam muito mais emular o conhecidíssimo Curtindo A Vida Adoidado, com Matthew Broderick. Close em quadros, relógios de parede e alunos, câmeras dentro de carros, planos americanos para diálogos amigáveis, mas com primeiro plano entre um personagem e outro quando há tensão ou antagonismo, além de quebra de quarta parede – esta última, apesar de ser engraçada, destoa. Há o tom ébrio que auxilia numa suave evocação vintage. Até no tempo de duração o filme se baseia no de 86. Se o Como se tornar... tem 1h45m, é porque Curtindo a vida... tem 1h43m.

Talvez o grande
problema aqui esteja na necessidade de criar muitos tons dentro de um filme com pouco desenvolvimento e de proposta rasa. Sabendo disso, o filme se vale de muitas situações vazias para tapar buracos de roteiro. Inclusive, a tal cena com o Fabio Porchat se encaixa dentro disto que acabei de citar. Parece um corte à parte, muito mais para mostrar o ator do que como algo integral à história. O próprio filme evita naturalizar a pedofilia, mas tira sarro da situação. Não é algo que vai te fazer levantar da cadeira e gravar um vídeo indignado para o twitter, mas pode te fazer rir ou não. A cena da festa é bem mais impressionante no quesito choque. O roteiro não apenas arrisca como atira para todos os lados. Esta necessidade de atingir a todos, seja com sexualidade, bullying ou escatologia vai alcançar você em algum ponto, mas não em tudo justamente por causa da tentativa constante de impressionar, o que acaba perdendo força com o passar de 2/3 do filme.

Mas se posso falar sobre algo que
realmente funciona, é a edição. Absolutamente cirúrgica e malandra, não seria exagero afirmar que é ela quem faz boa parte das piadas serem engraçadas. Essa agilidade nas transições diminuem o tempo de raciocínio e prioriza o sensorial. Eu ri muito mais pelas edições do que pela piada em si. Funciona bastante e não cansa mesmo em quase duas horas de filme. Tecnicamente é um filme bem redundante, mas bem ciente disso e usa saídas bem específicas para tirar a atenção disso. O que não é ruim. Trapalhões faziam isso em seus longas, inclusive no Uma Escola Atrapalhada, onde a evolução de personagens era quase zero e tudo funcionava como um imenso videoclipe de uma hora e meia.

Para falarmos de Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola num sentido mais amplo, vamos situar com um pouco mais de exatidão a intenção do filme: Divertir a quem já conhece o estilo de humor do Danilo Gentili. Para quem já leu algum texto meu sobre os Especiais de Natal do Porta dos Fundos, sabe que já comentei sobre o público-alvo. Se você não gosta de Porta dos Fundos, não vai gostar de seus Especiais de Natal. Se você não gosta do Danilo Gentili, não vai gostar dos seus filmes. Deste longa especificamente, onde o estilo de entretenimento é amplificado para o humor rasteiro, é ainda mais segmentado. Ou você vai assistir sabendo onde está se metendo, ou vai ficar chocado. Comédias non-sense não são para todo mundo e é um gosto adquirido. Reclamar do humor deste filme, sabendo destas informações, é como reclamar de câmera lenta do Zack Snyder.


Então, é importante citar como esse
humor tem sua importância num cinema mais antigo. Para não aprofundar demais, vou citar a icônica cena do Apertem os Cintos... O Piloto Sumiu!(Classificação Livre), onde o piloto grisalho flerta com perguntas sexuais para um menino com menos de dez anos. Ou o incrível A Eleição(PG15), onde o personagem de Matthew Broderick se masturba após ouvir a voz da sua aluna (menor de idade) em sua memória. Ou até mesmo toda piada que a sexualidade jocosa vista na franquia de American Pie(PG15). E o que dizer da falta de limite de Jackass(PG13) e Vovô Sem-Vergonha(PG15)? Esse tipo de comédia sempre houve e sempre vai existir e o jovem sempre vai ter acesso a ela, quer a gente queira ou não. O que, honestamente, não faz de Como se tornar... um filme bom. Não que seja um filme imprestável, mas seu destaque positivo não está em Gentili ou no protagonismo protocolar dos então atores-mirins Bruno Munhoz e Daniel Pimentel. O melhor de elemento humano deste filme está em seus coadjuvantes: Moacir Franco, Joanna Fomm e até mesmo um inspirado Rogério Skylab roubam a cena quando aparecem, mesmo que sejam apenas escadas para o trio principal. Este mesmo trio que acaba sendo ofuscado por um hilário Carlos Villagrán, conhecido no Brasil como o eterno intérprete do Quico. Suas piadas funcionam, sua presença é muito forte em cena e mesmo quando o filme se presta a fazer metalinguagem com seu papel em Chaves, o que é obviamente um humor limitado, funciona bem muito mais pelo timming do ator do que pelo roteiro. Sim, é engraçado ouvir mais de dez vezes a mesma frase proferida por ele, ou como aguda a voz para fazer trejeitos. A hipocrisia do personagem é bem orgânica ao idealismo que carrega.


Porchat, mesmo sempre interpretando de forma unidimensional como se tudo fosse um sketch, passa a sensação de alguém que está à espreita. A fala é calma e mansa e também se vale do conhecimento da própria capacidade para fazer de si uma piada, mesmo que para alguns espectadores seja algo moralmente perigoso.

Danilo Gentili tem uma atuação cheia de altos e baixos, talvez por Como se tornar... ter sido seu primeiro filme com coprotagonismo e exigir algo mais do que atuar, já que seu personagem tem a difícil tarefa de deturpar o conceito do Arquétipo do Mestre. Ruim? Não. Limitado? Com certeza. Ainda mais quando analisado sob a ótica de que o personagem se torna um Macguffin. Na teoria é interessante, mas na prática pouca relevância tem. Serve muito mais como estímulo narrativo e catalisador/provocador do que outra coisa mas ao menos, num filme que não se leva a sério e nisso abre-se uma brecha boa para satirizar o Realismo. Não é 100% eficiente, mas funcional em vários momentos.  

Isto posto,
Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola é um filme muito ciente de si, com entretenimento questionável, mas é arte. Arte não é apenas A24 ou Wes Anderson. Arte é tudo (menos Adam Sandler). Ela às vezes pode ser tosca e provocativa, revoltante também. Ainda assim, precisa ter o mínimo de apuro e sensibilidade para ser bem feita, algo que falta aqui. A cadência é instável, falta ritmo interpretativo aos personagens principais mas com boas técnicas que ajudam a não sentirmos tanto essa deficiência. É engraçado enquanto evoca descobertas da adolescência e, ao mesmo tempo, abraça a galhofagem do que era a escola nos anos 90. Com certeza não tenho boas lembranças de tudo o que vivi lá, mas é bom ver que ao menos posso rir de mim mesmo.

 

NOTA: 5,3

Abraços, Saitama.

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