quarta-feira, 29 de junho de 2022

7 HQs que marcaram minha vida e recomendo - Parte 1


Conforme o prometido, vou colocar aqui as HQs que me fizeram ver o gênero com outros olhos com o passar dos anos. Vou tentar dar motivos para elas serem boas e porque mereceriam uma lida de vocês. Não vou elaborar nada muito complexo, mas acredito que serei bem direto. É uma lista longe de ser underground, mas definitivamente, não é bem mainstream. Bom, rotulem como preferirem. 


SASQUATCH
 A LENDA DO PÉ-GRANDE

Roteiro: Steve Niles e Rob Zombie
Arte: Richard Corben

Esta história se trata sobre um rapaz que vê os pais sendo mortos por um Sasquatch quando criança em sua cidade natal, fica altamente perturbado com isso e retorna depois de adulto para se vingar da criatura que voltou a matar depois de anos em silêncio. 

Steve Niles fez 30 Dias de Noite. Rob Zombie é aquele músico pirado que adora se meter a fazer cinema e HQs. É muito bom ver ambos fazendo aquilo que eles gostam de fazer, mostrando horror. O que dá diferencial deste trabalho para mim é, primeiramente, o traço inacreditavelmente proficiente de Richard Corben, já falecido, que conseguiu dar mítica horrendo ao Pé-Grande. Nunca esta criatura pareceu ameaçadoramente real, fora que Corben foi, ao menos para mim, um dos maiores desenhistas que já mostrou seu talento. Cru, pesado, suavemente caricato e trazendo dinamismo. Poucos conseguiram isto em vida. Já o segundo ponto é como o Pé-Grande se torna um vilão de horror B. Lembra muito os filmes do gênero nos anos 80. Sem apego, sem simpatia, apenas preocupado em matar de maneira gutural suas vítimas. Quase mítico – ênfase no “quase” e isso tem um porquê ao final da história – e altamente desumanizado. Isso é um bom contraste com o emocional em frangalhos do protagonista. Trama simples, mas bem potencializada pelos envolvidos.


U.S. TIO SAM

Roteiro: Alex Ross, Steve Darnall
Arte: Alex Ross

Um homem chamado Sam anda sem destino pelas ruas, sem ter uma noção real de quem é. Isto muda violentamente quando ele é obrigado a confrontar erros do passado e encarar quem de fato se tornou com o passar dos anos.

De longe, a melhor história do Alex Ross por um motivo muito simples: É um dos únicos trabalhos do artista que ele deixa a Estética Totalitária de lado em quase toda a HQ e a mantém para momentos muito específicos. Explico: A imponência, a força, superioridade e moralidade visual típica desta vertente da arte é expulsa da vertente principal. O que sobra é um Alex Ross com ângulos humanizados, expressões mais inseguras e menos escondidas – como ele faz em grande parte de O Reino do Amanhã –, o que toda a trajetória de Sam mais imprevisível e menos fácil por conta de todo o contexto político altamente explícito. Provavelmente é a única vez que vi Ross preocupado em montar uma noção Davi vs Golias de um jeito relevante e sem apelar para a metáfora sobre ser ou não um herói. Vale muito a pena se você quiser ver o pessimismo americano dar as caras em torno de uma boa reflexão sobre o que faz de uma nação ser quem é.

 

WHITEOUT – MORTE NO GELO

Roteiro: Greg Rucka
Desenhos: Steve Lieber

Carrie Stetko é uma Policial Federal numa estação de pesquisa na Antártida onde é a única autoridade. Ali ela decidiu recomeçar e esquecer os erros do passado em paz, mas um assassinato muda tudo, a investigação se mostra difícil e a pressão de estar sozinha para decifrar um crime é enorme. E ainda piora bastante quando uma Agente Britância surge impetuosa e decidida a desvendar algo que Carrie se sente incompetente para solucionar.

Greg Rucka tem tato para histórias policiais e isso foi evidente em Gotham DPGC. Mas antes dele entrar no universo da polícia do Comissário Gordon, já havia mostras de seu talento desperto em Whitout. Não apenas desperto, mas superior em muitos pontos. A tensão sexual entre as protagonistas, a luta pelo poder e autoridade, a sensação de inferioridade pelos erros do passado, história intrincada até o osso sem ficar complicada e principalmente, uma das protagonistas mais interessantes do universo policianesco. Carrie é vívida, durona, mas ao mesmo tempo está quebrada, esgotada e esconde isso o quanto pode. Fora que as suas perdas dentro da história são pesadas. Em P&B, traço de Steve Lieber é lindo. O branco da neve se mistura com o branco da página e é usado para dar a sensação de deslocamento e confusão. Poucas vezes vi isso. Esta HQ gerou uma sequência com os mesmos artistas chamada Ponto de Fusão. Tem uma trama bem mais simples sobre riscos nucleares no ártico, mas com o mesmo peso do que a história anterior. Uma das minhas HQ policiais preferidas.

Ah, antes que eu me esqueça: Whitout gerou um filme homônimo alguns anos atrás com a Kate Beckinsale e chegou no Brasil com o vergonhoso título Terror Na Antártida. É um filme mediano. Bem covarde, mas até diverte. Mas é covarde.



COMO MATAR SEU NAMORADO
Roteiro: Grant Morrison
Arte: Philip Bond

Uma adolescente conhece um cara e esse cara quer causar pelo mundo mesmo que morra para isso. Ela também.

Poucas coisas que li na vida em HQs foram tão provocativas quanto Mate Seu Namorado. Grant Morrison cria uma história sem freios que fala sobre a descoberta da sexualidade, o desejo intrínseco do jovem em transgredir e dos riscos que se corre ao fazê-lo. Tudo isso de maneira divertida e com um traço simples. Apesar de ser um Road Trip clássico, as deturpações e perversões entre os pontos de partidas e chegadas funcionam como flutuações para manter a atenção do leitor. E funciona muito bem. Sabendo que algo assim não teria força para se tornar uma história longa, Morrison reduz o miolo para apenas 60 páginas que passam voando. É ágil, com uma linguagem direta e com nuances que chutam o pau da barraca quando percebidas (incluindo o incesto que eu vou deixar vocês descobrirem sozinhos). Como Matar Seu Namorado é Grant Morrison rindo, descendo a ladeira a 180 por hora rumo a um muro sabendo de seu destino. Épico.



JUIZ DREDD MEGAZINE ESPECIAL: DEMOCRACIA

Roteiro e arte: Vários artistas.

Os Juízes de Mega City 1 precisam lidar com um crescente apelo popular por eleições diretas. Mesmo repreendendo no início, Dredd percebe que o movimento orquestrado precisa ter seu espaço. Democrático? Pense duas vezes.

Tenho um baita orgulho de, em tempos de mídia física, ter lido a maior parte do material que saiu de Juiz Dredd no Brasil. MAS, CONTUDO, ENTRETANTO E TODAVIA se eu puder indicar apenas uma HQ dele para a leitura, é esta. Juiz Dredd Democracia levou anos para ter seu fim no Reino Unido (as HQs do Dredd se passam em tempo real, inclusive no envelhecimento dos personagens), foi objeto de estudo por muito tempo e teve um final incrivelmente real e triste. Aliás, Dredd sempre foi a crítica a certos segmentos ideológicos que clamam por um estado repressor que ignora os direitos básicos das pessoas em prol da paz social (algo que, ironicamente, nunca foi visto nas HQs do personagem). No Brasil a Editora Mythos fez um compilado interessante de pouco menos de 100 páginas, editando apenas o material que desse o entendimento para a trama principal. Denso, tenso, debochado e, principalmente, a demonstração plena de que Dredd c*ga para o que nós aprendemos a valorizar à duras penas. Simplesmente não há heróis aqui. Leia pelo menos uma vez na vida antes de morrer. Sério. Leia.



O INCRÍVEL CABEÇA DE PARAFUSO E OUTROS

 OBJETOS CURIOSOS


Roteiro e arte: Mike Mignola

Esta é uma HQ que tem de tudo: Aliens, seres sobrenaturais, histórias conceituais e o bom e velho steampunk de Mignola, mas desta vez elevado ao cubo. É uma obra costumeiramente esquecida do autor pelos leitores casuais, mas bem refinada. É o criador de Hellboy em seu estado mais puro e sem nenhuma firula. Destaque para a história inicial, com o “herói” Cabeça de Parafuso, que merecia muito mais do que um continho curto. Me marcou até mais do que Hellboy.



PANORAMA DO INFERNO


Roteiro e arte: Hideshi Hino

Um pintor decide criar sua obra-prima feita a sangue. Assim, enlouquecido pelo desejo, o personagem se aprofunda não apenas no inferno que vive, mas em sua família doentia.

Nunca se engane com o traço infantil de Hideshi Hino. Ele faz um horror pleno, sem medo e sem vergonha. Em Panorama do Inferno esta noção é tão mais chocante até mesmo do que Oninbu e os Vermes Infernais ou em O Garoto Verme (que é bem pesada, por sinal), mesmo tendo pouco menos de escopo do que A Serpente Vermelha. Panorama... é forte, nojento, violento, graficamente despudorada e de um gore de fazer inveja há muitos filmes por aí. E tudo isto em meio a sorrisos perturbadores e coisas piores. E apenas para que o autor pudesse exteriorizar seus sentimentos e lamentos sobre a arte e como ela fica destrutiva. É uma crítica contundente, com ares depressivos e com muito a dizer, mesmo que em meio haja sangue em excesso. Não é para qualquer um, mas se você quiser se testar um dia, recomendo profundamente. À sua maneira, é belíssima.

Então é isso. Espero que tenham gostado.
Abraços e boas leituras.
Saitama.

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