Alguns dias atrás estava pensando sobre o final de Homem Aranha: Sem Volta Para Casa. Foi um desfecho bem emotivo, é impossível negar. O lado emocional da triste decisão de Peter, a despedida dos amigos e sua subsequente solidão é algo que incomoda, ao mesmo tempo que serviu de alento aos fãs que se sentiram órfãos do Homem-Aranha das HQs e viram ali uma introdução otimista de algo mais fiel ao material original. Senti, importante dizer, a mesma coisa que muitos.
Então, percebi que ainda assim, tenho uma falta
de apego tremenda com este Peter Parker. Não tenho absolutamente nada contra o
Tom Holland, que é um bom ator e tem qualidades excelentes no papel. No que
tange interpretação, ele é, na minha opinião, superior à Maguire e a Garfield.
Então porque você está lendo este post se não estou problematizando com o ator?
Porque o problema não é ele.
Então decidi mostrar, tecnicamente e ponto a ponto, porque este Peter Parker é
fraco. E antes de qualquer coisa, deixo bem claro que este post é a minha
opinião, baseado em detalhes técnicos. Você pode gostar do Peter Parker do MCU
e tudo bem com isto.
Existe algo que quase todo mundo conhece chamado A jornada do Herói, que eu
prefiro mesmo é o nome A Origem do Monomito. São 12 passos variados e que foram
distinguidos por Josh Campbell depois de longos estudos no livro O Herói de Mil
Faces. O primeiro ponto que mostra a falha do Homem-Aranha do MCU é a falta de
um Chamado à Aventura que justifique um Peter Parker arriscar sua vida por
estranhos. Importante dizer que o Chamado não obriga que o início heroico tenha
fundamento em algo trágico, porém, esta escolha dentro do MCU, onde todos os
heróis principais tem um pé neste aspecto, um Parker sem este aprofundamento é
estranho.
A prática mostra que Peter Parker precisa estar ligado à tragédia para aprender
compreender a lição da enormidade de seus poderes. Assim, cria-se um
Homem-Aranha de moralidade fraca, estranhamente flexível (como se vê nos
filmes) e, como recompensa ao espectador, de obstinação forte. Não há elo ou
explicação. Isto não ajuda quem assiste a compreender a trajetória do
personagem.
Syd Field, que fez diversos livros sobre criação de roteiros, afirmou que A
Travessia do Limiar é o momento onde o protagonista sai de sua zona de conforto
e parte para uma nova parte da aventura dentro da aventura original. Seria esta
a aventura definitiva, ou o que definiria o mote do terceiro ato, onde temos o
clímax. Este acontecimento é bem comum em filmes e não é estranho que exista. O
problema na franquia Homem-Aranha do MCU é que este fato acontece sempre,
direta ou indiretamente, a Travessia é usada para escalonar erros do próprio
Peter Parker. Em De Volta Ao Lar, isto é usado como prenúncio, não como fator
principal, o que funciona. Mas em Longe de Casa e em Sem Volta Para Casa, as
motivações são sempre levadas ao extremo da problemática de Peter Parker em ser
um pouco mais responsável. O que me leva ao ponto seguinte.
Os Arquétipos servem para apontar características dos personagens e mostrar
como alguns deles evoluem com o passar do tempo. Em essência, Peter Parker é o
arquétipo do aprendiz. Por exemplo, ele poderia ter aprendido e utilizado as
lições aprendidas em Longe de Casa sobre vilões em Sem Volta Para Casa, mas
isto não ocorre. Muito pelo contrário, a inocência é potencializada. Este Peter
não é apenas ingênuo em demasia, mas burro. E isto, por si só, justifica a
antipatia de muitos pelo personagem pois mostra que ele passa pelos problemas
porque é incapaz de racionalizar e crescer. Esta é uma facilitação bem evidente
quando olhamos para os três filmes como uma coisa só: Enrolamos todo o
crescimento significativo do protagonista para o final do último filme. Então
durante as outras produções ficam fazendo um bate-e-volta entre crescimento e
involução narrativa. E infelizmente, depois disto, o próprio belo final de Sem
Volta Para Casa me parece forçado, afinal, ele amadureceu tanto assim? E todo o
resto? Não serviu? Precisaram levar ele ao extremo (morte da Tia) para que
fosse, finalmente, responsável de maneira duradoura? Não precisávamos de tantos
filmes para isso, mas claro, porque fazer em um o que você pode faturar em
três?
Falei do Arquétipo do Aprendiz acima, mas não falei do Arquétipo do Mestre.
Este personagem ensina algo duradouro e que beneficia o protagonista em sua
jornada. Em três filmes este papel foi dividido por nada mais do que CINCO
personagens: Tony Stark, Quentin Beck, Nick Fury, Dr. Estranho e Tia May. Em
todos estes casos não houve uma lição específica a ser aprendida por Peter.
Lembre-se que a frase “Com grandes poderes vem grandes responsabilidades” só
teve peso depois que o Aranha de Maguire a completou. Até então, era apenas uma
coisa solta na mente de Peter Parker. O próprio “É isso que a gente faz. Ajuda
as pessoas”, como tudo o que foi apresentado em outros filmes, só foi usado de
maneira responsável no final. Ou seja, precisamos de três Homens-Aranhas para
que finalmente duas lições fossem aprendidas. Por que os Arquétipos do Mestre
foram usados então?
Em Guerra Civil vimos um Peter Parker que vive sua vida de heroísmo isolado dos
outros heróis. No início de De Volta Ao Lar vimos um Peter Parker que vive sua
vida de heroísmo isolado dos outros heróis. Ao fim de Sem Volta Para Casa vimos
algo totalmente diferente como um Peter Parker que vive sua vida de heroísmo
isolado dos outros heróis. Onde está o erro? Se olharmos para o Arquétipo do
Excluído, vemos que ele é um personagem erroneamente deixado de lado e que tem
seu valor. AO ser deixado de lado pelos seus pares, ele prova seu valor e
consegue seu lugar ao lado do panteão. Apesar de Peter sempre ter suas
redenções (apenas no 3º ato de cada filme, importante frisar), sempre ficamos
com a sensação de que a maior parte dos problemas principais que ele está só
acontecem porque ele mesmo fez por onde. Pode parecer empolgante durante o
filme, mas soa cansativo quando olhamos a técnica usada por Jon Watts. Usar
arquétipos sem nunca usufruir das suas recompensas os tornam desconvidativos e
muito rasos. Quando Tony pega a roupa de volta, nós vemos que ele está certo em
fazê-lo. Quando Peter decide lutar contra Dr. Estranho e salvar vilões, nós
vemos que o personagem é incapaz de tomar atitudes pensadas sem auxílio. É só
ver como ele fica sem reação à frase “você me fez conjurar uma magia perigosa e
sequer pensou em tentar falar com eles antes?”. Watts prova, ponto a ponto, que
seu Peter é fraco.
Então o pensamento aqui é simples. A trajetória deveria ser ir de A a B e
permanecer no B, mas onde ela está se voltamos ao mesmo lugar quase sempre?
Existe os pontos trabalhados em obras: O Retorno com o Elixir, onde o
personagem retorna após o clímax com seu galardão e os valores da vitória. O
Caminho de Volta, onde há a sensação de vitória e aceitação. Outros pontos
deixados de lado como se jogados no roteiro, sem cuidado, fizessem o
homem-aranha ser o Homem-Aranha.
Isso piora mais ainda quando olhamos para todo o trajeto torto e sem
aprendizados de Peter num universo que borbulhava situações implorando para que
isso ocorresse. É como se três filmes culminassem apenas em duas frases de
efeito e uma cena dentro de um apartamento. Emotivo, como falei no início do
texto? Com certeza. E a intenção é justamente essa por pura e evidente falta de
escopo. É muito diferente de uma frase dita por Tony Stark no início de sua carreira de HdF e em seu final de jornada. Este Peter Parker é esvaziado e quando preenchido é feito de maneira
corrida, volátil e raramente cresce. Quando cresce, é apenas para contribuir
para a emoção do final. Muda-se tudo para que no final fique tudo do jeito que
está: Um personagem isolado e com lições aprendidas no fim do fim, que mostra que todos os seus amigos e família não contribuem para que ele seja o herói que conhecemos, muito pelo contrário: Apenas isolando-os do protagonista é que temos nele as referências necessárias. Até o Parker
de Garfield teve mais demonstrações de crescimento em Sem Volta Para Casa.
Isto posto, este Peter Parker deveria ser um objeto de mais críticas e estudo.
Como não criar um personagem? Apontei um caminho. Tirem suas próprias conclusões.
Deu até saudades do Nicholas Hammond.
Espero que tenham gostado.
Abraços, Saitama.
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