Há algum tempo que eu gostaria de escrever algumas palavras sobre as polêmicas LGBTQIA+ ocorridas no mundo nerd e com a notícia de que haverá um personagem gay nas histórias do Maurício de Souza, achei pertinente trazer à tona.
Sei que este é um assunto caro para muitas pessoas, para bem ou para mal aqui
no blog, entretanto, peço para que leiam sem defesas e talvez cheguemos à uma boa
conclusão. Este não é um texto “Leandro está certo e todo o resto errado”. É
mais uma pequena análise de três casos emblemáticos e alguns paralelos com a realidade
em que vivemos. Este texto vem para mostrar que existe um lado que muitos não
conhecem e que seria interessante que analisassem por outro prisma. Portanto, este
não é um texto ofensivo ou debochado. Busquei algo que diferenciasse o que
tenho visto de alguns tristes posts por aí e de comentários ainda piores que
andei vendo por aí.
Quando vi a notícia de que Robin “virou” bissexual, achei pertinente fazer um
comentário, acredito que para o Rocket, à época, em OFF. Tim é um adolescente
que está beirando a idade adulta. Sexualidade tanto pode ser formada desde
cedo, como pode ser redescoberta com o passar dos anos. Não há cartilha que
especifique que o que está definido, eterno estará. Infelizmente, existe uma
disposição social para que a heterossexualidade seja mais bem vista do que LGBT’s.
Eu já conheci casos de pessoas que se descobriram lésbicas depois dos 25 anos,
já vi pessoas que são heteros orgulhas de si desde novas e conheço uma pessoa
que dizia que ia casar com “menino” desde pequeno. Essa é uma jornada visivelmente
particular e achei interessante que a HQ do Tim Drake pareça disposta a mostrar
isso.
Há um ponto interessante nesta questão da particularidade é que ao colocarmos
estas questões de forma pública, exista aqueles que veem a sexualidade alheia
como um problema e isto mereça ser criticado. Eu sou de um tempo que pessoas
LGBTQIA+ eram simplesmente rifadas de festas de família, de contextos sociais e
só as víamos em casamentos ou velórios. Era desgostoso ter um filho “viado” e
filha “sapatão”. Estes eram obrigados a se retirar e viver suas orientações no
escuro.
Sempre fiquei pensando em como é viver nessa escuridão e se é justo que isso
aconteça com um semelhante. Gostar e amar é errado? Descobrir é errado? E Redescobrir?
Sei que muitos podem pensar que a heterossexualidade é natural, mas é
importante lembrar sua curta história: Enquanto o sexo para procriação existe
desde que o mundo é mundo, a heterossexualidade só foi psiquiatricamente
normatizada a partir de meados da década de 30, através do médico-psiquiatra
Richard von Krafft-Ebing, pois até 1923 era considerado morbidez.
O que eu quero dizer com isso é que, independente de quantos gostem disto ou
daquilo, estávamos no mesmo barco a menos de 100 anos atrás, onde os conceitos
eram muito mais focado em “sexo procriativo” e “sexo não-procriativo”. Obviamente
o assunto é bem mais complexo e não tenho interesse em trazer isso agora,
porém, tenha em mente que quando as pessoas falam da heterossexualidade como
construção social, este é um argumento válido de citar. Foi a partir desta
normatização que esse tipo de coisa toma forma. Obviamente há pontos complementares
como Cristianismo e a influência do Estoicismo na religião também. Tudo isto
influenciou para que a “aceitação do destino” divino fosse implementada. Como
eu falei, é complexo e mais do que comentários impensados de internet, é
preciso que nos aprofundemos naquilo que cremos e ponderamos. Quando falamos
por falar, a chance de nos precipitarmos é bem maior.
Quando falo da construção social, Robin é o primeiro que vem à tona. Afinal, é
um jeito interessante de tocarmos no assunto de maneira leve e altamente
indireta. É um personagem conhecido e que pode abrir o diálogo. E sei que as
pessoas usaram a justificativa de “este personagem já existe e só virou LGBT
por lacração”. Então o que podemos falar de John Kent? Um personagem
relativamente novo, que foi apresentado no UDC ainda criança e depois de um
tempo ausente no futuro, volta adolescente. E assim, assume ser bissexual. Talvez
este seja o caso onde mais vi desinformação. Cheguei a ver um vídeo que
parodiam o fato como se fosse o próprio Clark Kent a assumir uma nova
orientação sexual e no início parecia que as pessoas iam acreditar mesmo nisso.
Após um tempo, vi as pessoas dizerem “por que estão fazendo isso com alguém que
era criança?” e depois “Criem personagens para serem isso”. Eu já deixei claro
meu pensamento sobre isso aqui no blog em um comentário: Se o personagem já
existia por muito tempo, não pode. Se o personagem é novo, não pode. Se o
personagem é criado com extravagância (e já vou tocar neste ponto), é feio, se for
discreto, é covarde. Nunca há um acerto e isso esconde preconceito. Talvez não
seja o formato em que um personagem LGBTQIA+ surge, mas o fato de surgir.
E isto é perigoso. Então, segundo consta no que vejo por aí, um personagem
LGBTQIA+ só pode existir se seguir preceitos heteros? Precisamos passar pelo
crivo familiar, social e agora nerd? Devemos passar pela homofobia, agressão
verbal e física, tomar cadeirada na cabeça (este caso foi real) e ainda pedirmos
por favor para que sejamos representados? E se existirmos, é para sermos uma
paródia? “Ah, tem que ser discreto”. Aposto que se Peter Parker estivesse até
hoje apenas flertando suavemente com a Mary Jane (como foi por anos), haveriam
cobranças dos fãs para que ele fosse menos “discreto” e até mesmo piadas
jocosas sobre sua sexualidade. Posso aceitar que existam pessoas que não topem curtir
personagens que se encarem com naturalidade, mas não topar não quer dizer que
está errado. Esse morde-assopra é algo que me incomoda.
Assim, com estes apontamentos, vejamos o caso de Elliot Page. Algumas pessoas
foram absolutamente contrárias com sua continuidade em Umbrella Academy, assim
como criticaram as mudanças corporais resultantes da sua transição. Hoje homem
trans, passou por assédio moral e sexual, foi obrigado a usar vestidos em estreias
de filmes quando só queria se sentir mais confortável com uma calça, algo que
refletia mais seus sentimentos em relação a si mesmo. Obviamente, quando você é
pessoa pública, está exposto às críticas. Mas por vezes confundimos o ato de
criticar com o de diminuir. Podemos não achar ele mais bonito, mas é agressivo ao
afirmar que ele é “doente”. Concordo que exista esta questão sobre a transexualidade e a psiquiatria e que ela
precisa ser levada em conta, mas isso é de foro íntimo e fora dos juízos da internet.
E sinceramente, o que a pessoa faz de seu próprio corpo não é da conta de
ninguém mais a não ser dela mesma e dos profissionais que a acompanham. Não é a internet revoltada que vai mudar
isso.
Acho o caso de Elliot bem emblemático por sofrer ataques do mundo nerd. Este
mundo nerd que era marginalizado e tratado de maneira infantilizada por décadas
a fio. Se você consegue chegar na sua escola com uma história em quadrinho e
não ser ridicularizado por isso, parabéns. Viveu tempos melhores que os meus
onde trocávamos HQ’s escondidos porque diziam que gibis eram coisas de crianças
e chegávamos a sermos excluídos de grupos. É o mesmo grupo que aponta
imoralidade de minorias. Não são todos, claro. Mas o oprimido virou opressor.
E por fim, gostaria de tratar do caso mais recente: O Homem-Aranha gay,
conhecido como Web-Weaver. Um Peter Parker do multiverso que gosta de meninos.
Admito que não entendi bem as críticas: Pode ter um Homem-Aranha robô, pode ter
um Aranha-Hulk, Aranha-Lobisomem, Aranha-Assassino, um Homem-Aranha dublado
pelo Nicholas Cage... mas desde que seja hetero. Não vi a mesma comoção raivosa
com a Jessica Drew do universo Ultimate, que era assumidamente bissexual. Fico
com a sensação que a sexualidade serve muito mais como fetichização do que
aceitação.
Seja como for, Jeff Foxe, o roteirista responsável pelo personagem queer,
admitiu que o mesmo é “destemidamente afeminado” e que sua existência não quer abranger
todos os homossexuais. A ideia dele é mostrar um nicho específico com estereótipos
claros. Apoio totalmente que essa ideia aconteça já que essas pessoas apenas
são quem são.
Olhando este personagem, de roupa e aparente personalidade forte, é legal imaginar que existam LGBT’s que possam se identificar com isso, curtir a ideia e até mesmo se imaginar com poderes aracnídeos. Afinal de contas, todo mundo já foi criança. É um personagem novo, de um multiverso e que não será substituto de ninguém (para o conforto de alguns). Não vi o porquê de tanto alarde com um personagem impresso em celulose. Aliás, onde estavam as mentes responsáveis quando Frank Cho mostrava Wolverine catando uma Wanda Maximoff nua (e depois descobriríamos que podiam ser pai e filha)? Ou bradavam para a Marvel que Shanna, esposa do Ka-zar, deveria ter uma versão explícita do maravilhoso arco do Selo Marvel Max?
Existe um lado bem positivo na representatividade em geral, que é chamar públicos novos. Assim como há o que se afaste, há quem se interesse. Como as industrias de entretenimento têm investido nisso há anos, é de se imaginar que há resultados positivos. Alguns dirão “ah, isso é Pink Money”. De fato, é. Precisa ser Pink Money. Mas quando é Blue Money (inventei o termo agora, não aplaudam), então é válido? O conceito de Pink Money é real e há casos em que é possível ver que não é bem-sucedido, porém é o poder de venda que decide e não a gritaria e histerismo. Fora isso, ninguém faz arte de graça, aplausos não pagam boletos e se o nicho está rentável, ok. Eu já fui idealista com isso e achava que a arte deveria ser feita, à princípio, por amor à arte. Depois percebi que Alex Ross, Kirby e Stan Lee só estariam inspirados se estivessem com as contas em dia. Então não acho válido usar o Pink Money, algo legítimo, como argumento porque acaba sendo uma indireta mais à inexistência do que à responsabilidade artística.
Sejamos justos: Todas orientações sexuais que abrangem a bandeira LGBTQIA+, independente de achismos aqui e ali, deveriam ser representadas. Não há mal nisso, não é problemático e sequer desrespeitoso. Nunca sou a favor de regalias, mas como minoria, compreendo que precisamos ser abarcados por oportunidades. Isso começa com normatização social. Sem medo de abrirmos uma página ou filme e enxergarmos um espelho nosso como objeto de humilhação, tampouco diminuídos por medo. Assim, podemos vislumbrar segurança no ir e vir e na laicidade necessária para que não sejamos vítimas da intolerância e do assédio. O nerd, ou parte desse grupo, como já viu isso ocorrer consigo próprio anos atrás quando minoria, deveria ser o primeiro a se dispor a auxiliar a sociedade a compreender que a convivência precisa ser pacífica, independente das opiniões. Diferença de visão de mundo não é justificativa para tornar isso um ataque. Mesmo os velados. Mesmo os deboches. Ninguém deveria ter medo por amar e a representação é parte dessa força em resistir a esse receio infelizmente muito fundado.
Isto posto, é mais uma reflexão e o máximo de “resposta” que eu, na minha posição de LGBTQIA+, estou disposto a dar. Eu adoraria um mundo onde a maioria não precisasse se impor sobre a minoria e a minoria não precisasse se equivaler desse método. Porém, creio que é possível, com mais informação e menos politização, chegar a um meio-termo. Não somos projetos, agendas ou agentes do fim da heterossexualidade. Se alguém busca fazer de nós algo assim, foquem suas energias à essa pessoa e não a nós, que temos dúvidas, angústias e alegrias, algumas delas vindas de momentinhos nerds tão raros. Queremos espaço porque, até onde sei, a chuva cai sobre o justo e o injusto. E no fim das contas, somos todos iguais... não somos?
Espero que tenham gostado. Gostaria que pensassem sobre isso.
Abs, Saitama.
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