quarta-feira, 3 de agosto de 2022

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE POLÊMICAS LGBTQIA+ POR UM LGBTQIA+


Há algum tempo que eu gostaria de escrever algumas palavras sobre as polêmicas LGBTQIA+ ocorridas no mundo nerd e com a notícia de que haverá um personagem gay nas histórias do Maurício de Souza, achei pertinente trazer à tona.

Sei que este é um assunto caro para muitas pessoas, para bem ou para mal aqui no blog, entretanto, peço para que leiam sem defesas e talvez cheguemos à uma boa conclusão. Este não é um texto “Leandro está certo e todo o resto errado”. É mais uma pequena análise de três casos emblemáticos e alguns paralelos com a realidade em que vivemos. Este texto vem para mostrar que existe um lado que muitos não conhecem e que seria interessante que analisassem por outro prisma. Portanto, este não é um texto ofensivo ou debochado. Busquei algo que diferenciasse o que tenho visto de alguns tristes posts por aí e de comentários ainda piores que andei vendo por aí.

Quando vi a notícia de que Robin “virou” bissexual, achei pertinente fazer um comentário, acredito que para o Rocket, à época, em OFF. Tim é um adolescente que está beirando a idade adulta. Sexualidade tanto pode ser formada desde cedo, como pode ser redescoberta com o passar dos anos. Não há cartilha que especifique que o que está definido, eterno estará. Infelizmente, existe uma disposição social para que a heterossexualidade seja mais bem vista do que LGBT’s. Eu já conheci casos de pessoas que se descobriram lésbicas depois dos 25 anos, já vi pessoas que são heteros orgulhas de si desde novas e conheço uma pessoa que dizia que ia casar com “menino” desde pequeno. Essa é uma jornada visivelmente particular e achei interessante que a HQ do Tim Drake pareça disposta a mostrar isso.

Há um ponto interessante nesta questão da particularidade é que ao colocarmos estas questões de forma pública, exista aqueles que veem a sexualidade alheia como um problema e isto mereça ser criticado. Eu sou de um tempo que pessoas LGBTQIA+ eram simplesmente rifadas de festas de família, de contextos sociais e só as víamos em casamentos ou velórios. Era desgostoso ter um filho “viado” e filha “sapatão”. Estes eram obrigados a se retirar e viver suas orientações no escuro.
                                                   
Sempre fiquei pensando em como é viver nessa escuridão e se é justo que isso aconteça com um semelhante. Gostar e amar é errado? Descobrir é errado? E Redescobrir? Sei que muitos podem pensar que a heterossexualidade é natural, mas é importante lembrar sua curta história: Enquanto o sexo para procriação existe desde que o mundo é mundo, a heterossexualidade só foi psiquiatricamente normatizada a partir de meados da década de 30, através do médico-psiquiatra Richard von Krafft-Ebing, pois até 1923 era considerado morbidez.

O que eu quero dizer com isso é que, independente de quantos gostem disto ou daquilo, estávamos no mesmo barco a menos de 100 anos atrás, onde os conceitos eram muito mais focado em “sexo procriativo” e “sexo não-procriativo”. Obviamente o assunto é bem mais complexo e não tenho interesse em trazer isso agora, porém, tenha em mente que quando as pessoas falam da heterossexualidade como construção social, este é um argumento válido de citar. Foi a partir desta normatização que esse tipo de coisa toma forma. Obviamente há pontos complementares como Cristianismo e a influência do Estoicismo na religião também. Tudo isto influenciou para que a “aceitação do destino” divino fosse implementada. Como eu falei, é complexo e mais do que comentários impensados de internet, é preciso que nos aprofundemos naquilo que cremos e ponderamos. Quando falamos por falar, a chance de nos precipitarmos é bem maior.

Quando falo da construção social, Robin é o primeiro que vem à tona. Afinal, é um jeito interessante de tocarmos no assunto de maneira leve e altamente indireta. É um personagem conhecido e que pode abrir o diálogo. E sei que as pessoas usaram a justificativa de “este personagem já existe e só virou LGBT por lacração”. Então o que podemos falar de John Kent? Um personagem relativamente novo, que foi apresentado no UDC ainda criança e depois de um tempo ausente no futuro, volta adolescente. E assim, assume ser bissexual. Talvez este seja o caso onde mais vi desinformação. Cheguei a ver um vídeo que parodiam o fato como se fosse o próprio Clark Kent a assumir uma nova orientação sexual e no início parecia que as pessoas iam acreditar mesmo nisso. Após um tempo, vi as pessoas dizerem “por que estão fazendo isso com alguém que era criança?” e depois “Criem personagens para serem isso”. Eu já deixei claro meu pensamento sobre isso aqui no blog em um comentário: Se o personagem já existia por muito tempo, não pode. Se o personagem é novo, não pode. Se o personagem é criado com extravagância (e já vou tocar neste ponto), é feio, se for discreto, é covarde. Nunca há um acerto e isso esconde preconceito. Talvez não seja o formato em que um personagem LGBTQIA+ surge, mas o fato de surgir.

E isto é perigoso. Então, segundo consta no que vejo por aí, um personagem LGBTQIA+ só pode existir se seguir preceitos heteros? Precisamos passar pelo crivo familiar, social e agora nerd? Devemos passar pela homofobia, agressão verbal e física, tomar cadeirada na cabeça (este caso foi real) e ainda pedirmos por favor para que sejamos representados? E se existirmos, é para sermos uma paródia? “Ah, tem que ser discreto”. Aposto que se Peter Parker estivesse até hoje apenas flertando suavemente com a Mary Jane (como foi por anos), haveriam cobranças dos fãs para que ele fosse menos “discreto” e até mesmo piadas jocosas sobre sua sexualidade. Posso aceitar que existam pessoas que não topem curtir personagens que se encarem com naturalidade, mas não topar não quer dizer que está errado. Esse morde-assopra é algo que me incomoda.

Assim, com estes apontamentos, vejamos o caso de Elliot Page. Algumas pessoas foram absolutamente contrárias com sua continuidade em Umbrella Academy, assim como criticaram as mudanças corporais resultantes da sua transição. Hoje homem trans, passou por assédio moral e sexual, foi obrigado a usar vestidos em estreias de filmes quando só queria se sentir mais confortável com uma calça, algo que refletia mais seus sentimentos em relação a si mesmo. Obviamente, quando você é pessoa pública, está exposto às críticas. Mas por vezes confundimos o ato de criticar com o de diminuir. Podemos não achar ele mais bonito, mas é agressivo ao afirmar que ele é “doente”. Concordo que exista esta questão sobre a transexualidade e a psiquiatria e que ela precisa ser levada em conta, mas isso é de foro íntimo e fora dos juízos da internet. E sinceramente, o que a pessoa faz de seu próprio corpo não é da conta de ninguém mais a não ser dela mesma e dos profissionais que a acompanham. Não é a internet revoltada que vai mudar isso.

                                                 

Acho o caso de Elliot bem emblemático por sofrer ataques do mundo nerd. Este mundo nerd que era marginalizado e tratado de maneira infantilizada por décadas a fio. Se você consegue chegar na sua escola com uma história em quadrinho e não ser ridicularizado por isso, parabéns. Viveu tempos melhores que os meus onde trocávamos HQ’s escondidos porque diziam que gibis eram coisas de crianças e chegávamos a sermos excluídos de grupos. É o mesmo grupo que aponta imoralidade de minorias. Não são todos, claro. Mas o oprimido virou opressor.

E por fim, gostaria de tratar do caso mais recente: O Homem-Aranha gay, conhecido como Web-Weaver. Um Peter Parker do multiverso que gosta de meninos. Admito que não entendi bem as críticas: Pode ter um Homem-Aranha robô, pode ter um Aranha-Hulk, Aranha-Lobisomem, Aranha-Assassino, um Homem-Aranha dublado pelo Nicholas Cage... mas desde que seja hetero. Não vi a mesma comoção raivosa com a Jessica Drew do universo Ultimate, que era assumidamente bissexual. Fico com a sensação que a sexualidade serve muito mais como fetichização do que aceitação.

Seja como for, Jeff Foxe, o roteirista responsável pelo personagem queer, admitiu que o mesmo é “destemidamente afeminado” e que sua existência não quer abranger todos os homossexuais. A ideia dele é mostrar um nicho específico com estereótipos claros. Apoio totalmente que essa ideia aconteça já que essas pessoas apenas são quem são.

                                           
Olhando este personagem, de roupa e aparente personalidade forte, é legal imaginar que existam LGBT’s que possam se identificar com isso, curtir a ideia e até mesmo se imaginar com poderes aracnídeos. Afinal de contas, todo mundo já foi criança. É um personagem novo, de um multiverso e que não será substituto de ninguém (para o conforto de alguns). Não vi o porquê de tanto alarde com um personagem impresso em celulose. Aliás, onde estavam as mentes responsáveis quando Frank Cho mostrava Wolverine catando uma Wanda Maximoff nua (e depois descobriríamos que podiam ser pai e filha)? Ou bradavam para a Marvel que Shanna, esposa do Ka-zar, deveria ter uma versão explícita do maravilhoso arco do Selo Marvel Max? 

Existe um lado bem positivo na representatividade em geral, que é chamar públicos novos. Assim como há o que se afaste, há quem se interesse. Como as industrias de entretenimento têm investido nisso há anos, é de se imaginar que há resultados positivos. Alguns dirão “ah, isso é Pink Money”. De fato, é. Precisa ser Pink Money. Mas quando é Blue Money (inventei o termo agora, não aplaudam), então é válido? O conceito de Pink Money é real e há casos em que é possível ver que não é bem-sucedido, porém é o poder de venda que decide e não a gritaria e histerismo. Fora isso, ninguém faz arte de graça, aplausos não pagam boletos e se o nicho está rentável, ok. Eu já fui idealista com isso e achava que a arte deveria ser feita, à princípio, por amor à arte. Depois percebi que Alex Ross, Kirby e Stan Lee só estariam inspirados se estivessem com as contas em dia. Então não acho válido usar o Pink Money, algo legítimo, como argumento porque acaba sendo uma indireta mais à inexistência do que à responsabilidade artística.

Sejamos justos: Todas orientações sexuais que abrangem a bandeira LGBTQIA+, independente de achismos aqui e ali, deveriam ser representadas. Não há mal nisso, não é problemático e sequer desrespeitoso. Nunca sou a favor de regalias, mas como minoria, compreendo que precisamos ser abarcados por oportunidades. Isso começa com normatização social. Sem medo de abrirmos uma página ou filme e enxergarmos um espelho nosso como objeto de humilhação, tampouco diminuídos por medo. Assim, podemos vislumbrar segurança no ir e vir e na laicidade necessária para que não sejamos vítimas da intolerância e do assédio. O nerd, ou parte desse grupo, como já viu isso ocorrer consigo próprio anos atrás quando minoria, deveria ser o primeiro a se dispor a auxiliar a sociedade a compreender que a convivência precisa ser pacífica, independente das opiniões. Diferença de visão de mundo não é justificativa para tornar isso um ataque. Mesmo os velados. Mesmo os deboches. Ninguém deveria ter medo por amar e a representação é parte dessa força em resistir a esse receio infelizmente muito fundado.

Isto posto, é mais uma reflexão e o máximo de “resposta” que eu, na minha posição de LGBTQIA+, estou disposto a dar. Eu adoraria um mundo onde a maioria não precisasse se impor sobre a minoria e a minoria não precisasse se equivaler desse método. Porém, creio que é possível, com mais informação e menos politização, chegar a um meio-termo. Não somos projetos, agendas ou agentes do fim da heterossexualidade. Se alguém busca fazer de nós algo assim, foquem suas energias à essa pessoa e não a nós, que temos dúvidas, angústias e alegrias, algumas delas vindas de momentinhos nerds tão raros. Queremos espaço porque, até onde sei, a chuva cai sobre o justo e o injusto. E no fim das contas, somos todos iguais... não somos?

Espero que tenham gostado. Gostaria que pensassem sobre isso.
Abs, Saitama.

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