sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Beastars - Esse Zootopia tá Diferente!

 


Histórias com animais antropomórficos é algo que já se tornou rotineiro de ser visto há décadas em diferentes mídias, especialmente envolvendo animações (e é claro que com animes), não seria diferente. As vezes servindo como alívio cômico, como Oolong de Dragon Ball, ou de fato tendo uma participação mais importante, como os Sapos do Monte Myoboku em Naruto. Então, que tal um focado justamente nisso? 


Bem, é o que vamos ver dessa vez com Beastars. O anime foi ao ar originalmente em 2019 (sendo distribuído pela Netflix), ao ser baseado na obra de Paru Itagaki, que já havia entrado em evidência por seu trabalho. Uma curiosidade é que a mesma é filha de outro mangaká, Keisuke Itagaki, conhecido por ter criado a série Baki.

Na trama, como você já poderia imaginar, somos apresentados à uma sociedade de animais antropomórficos, repartida entre predadores e herbívoros, onde acompanhamos Legoshi, um lobo adolescente atualmente estudante na Cherryton Academy, uma escola que também é compartilhada entre diferentes espécies. Um local normalmente tranquilo, apesar das tensões eventuais entre os estudantes, mas que acaba se transformando no palco de um assassinato de um aluno, na forma da alpaca Tem, um amigo próximo de Legoshi. Naturalmente, o suspeito de ter feito isso é um carnívoro. 


Como se não bastasse, o jovem ainda acaba criando uma relação muito próxima (após um primeiro encontro, no mínimo tenso) com Haru, uma coelha anã do qual o mesmo nutre sentimentos maiores do que apenas uma amizade, o que gera um cenário complexo para todas essas questões. Poderia algo assim dar certo? E claro: afinal, quem matou Tem? 

Antes de mais nada, tenho de dizer que quando possível, não acho muito necessário fazer comparações com determinadas obras no mínimo parecidas, em algum ponto, mas vamos tirar o elefante da sala: é difícil você não olhar pra Beastars, e não se lembrar de Zootopia. O mangá de Itagaki começou a ser publicado na Shōnen Jump em 2016, mesmo ano em que a animação vencedora do Oscar da Walt Disney chegou aos cinemas. E de fato, há semelhanças entre as obras: uma (claro), sociedade de animais humanóides, um de seus protagonistas sendo uma espécie de 'cão selvagem' (um lobo do lado, uma raposa do outro), uma coelha com importância na história, e um problema envolvendo carnívoros, que mexe com o cenário dessa sociedade compartilhada. Você se brincar já até pode já ter ouvido falar de Beastars, como 'Zootopia em anime''Zootopia Otaku' e coisas do tipo, e eu mesmo estou incluído nisso. 

A grande questão, naturalmente, é como o tema central de ambas as histórias é explorado. Eu adoro Zootopia, e o filme explora bem suas questões de preconceito, mas ainda dentro de um cenário de uma animação da Disney que, claro, ainda precisa funcionar com todos os públicos, em especial crianças. Já Beastars, o cenário já pode ir bem mais pra baixo...em alguns casos, literalmente. Ainda que o cenário do próprio assassinato seja apresentado no anime logo de cara, a história no início ainda parece que vai ser 'de boa' (ainda há o próprio espaço para o humor, por exemplo), mas logo as coisas ficam bem mais tensas, sangrentas, e umas outras coisas também, se é que você me entende. Mesmo que a sociedade aqui seja apresentada como uma que convive "em paz", o mundo do anime é bem mais cru & de fato "animalesco", do que o apresentado na animação do Mickey. Questões como se alimentar & instinto estão sempre martelando na história, como um paralelo com a própria sociedade humana, de várias faces, e algumas realmente perturbadoras. Os animais de Beastars são de fato animais, seja perdendo o controle com sangue, seja aflorando seus sentimentos de fuga. 


Existem regras para serem seguidas. Mas quando elas não são, em meio à sentimentos de pena e cautela, aquele mundo não parece querer esconder que esse tipo de acontecimento não é tão "anormal" assim. Um mundo sujo, mas crível. Destaque em especial para a parte envolvendo o Mercado Negro (explorado na 2° temporada), onde residem carnívoros que não se acostumaram com as regras de convivência com herbívoros, com um até parecendo que saiu de uma cracolândia, após provavelmente residir por ali por tanto tempo. 

Mas um mundo interessante, também pede bons personagens, e isso também é entregue, a começar pelo próprio protagonista, Legoshi. Mesmo sendo um lobo, o jovem sofre com uma grande falta de auto-aceitação, já que ele não parece conseguir se visualizar como um carnívoro deveria, ou mesmo "se impôr mais". Retraído e, se possível, de poucas palavras, o personagem ainda se demonstra altruísta, enquanto segue tentando seguir o que acha certo (como tentar decifrar a própria morte brutal de seu amigo), ou mesmo entender seus reais sentimentos por Haru. Sinceramente, eu simpatizei mais do que eu imaginava com ele, porque eu me vi ali. Acredite, eu também sou meio retraído, por mais que não pareça por aqui. Quem nunca não se sentiu o "estranho" no meio de outros, afinal. Ou mesmo perto de alguém, mais específico. Também temos a própria Haru, simpática e aparentemente frágil por seus problemas, mas que também tem seus momentos de atitude (além de protagonizar uma cena), que mostra que aquele rostinho não é tão inocente não, e Louis, um pomposo & arrogante cervo líder do grupo de teatro da escola (além de ser visto como o próximo 'Beastar'), que acaba ficando intrigado com Legoshi e sua natureza, e se tornando um personagem interessante ao longo da história, com seus próprios demônios. Menção honrosa ainda a Gohin, um panda que Legoshi conhece no Mercado Negro, e que mesmo que de início não estivesse muito interessado, acaba ajudando o herói em sua jornada de autocontrole. 

Falando agora da animação em si, é válido notar que diferente dos outros animes que comentei aqui, Beastars foi feito todo em CGI. E anime em CGI é aquilo né, se você faz nas coxas, vai ficar mal feito mesmo, plástico, e principalmente vazio. Felizmente, o estúdio responsável (Orange), já é acostumado a trabalhar com projetos do tipo, como Godzilla Singular Point, e o vindouro remake de Trigun Stampede. Tudo foi feito devidamente nesse quesito, sem momentos que poderiam rolar dos seus olhos sangrarem de desgosto, porque alguém da produção decidiu baratear o processo de animação. A trilha sonora é boa (ainda que os destaques fiquem mesmo para as intros, com a da 1° temporada sendo em stop-motion ainda por cima) e encerramentos, mas funcionam para o que a história pede. E a dublagem é ótima, sem nada a reclamar (destaque para Fábio Lucindo na voz do próprio Legoshi), transmitindo bem a (quase sempre presente) serenidade do personagem.

No fim das contas, Beastars é um anime que sabe se aproveitar de uma ambientação até mesmo batida, para brincar um pouco com ela com seus próprios brinquedos, com uma  temporada de estreia sólida, e uma seguinte que consegue levar isso adiante (ainda que eu tenha ficado um pouco surpreso que uma parte da trama já tenha se resolvido), ao invés de ter sido levada para os finalmentes em sua já confirmada 3° e última temporada, mas são detalhes. Afinal, o que poderia ser apenas uma jornada de auto-descoberta de um adolescente, acaba também sendo acobertada para se transformar em uma história de mistério, tensões, e do que realmente prevalece em um mundo tão questionável. E tudo isso acontece, em especial com um clube de teatro de uma escola, como palco. 


De certa forma, todos ali já estão atuando.



Então é isso gente, espero que tenham gostado. Até a próxima!

Por: Riptor

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