Dando prosseguimento à primeira parte (que você pode ler
AQUI) de HQ’s que ajudaram a me formar quanto leitor e marcaram minha vida, lhe
apresento a Parte II com mais sete obras interessantes. Escolha seu material de leitura. E aproveitem a área de comentários abaixo e reconheçam
como eu nunca demoro para entregar aquilo que prometo.
Roteiro: Juan Diaz Canales
Sinopse: Blacksad é um detetive particular que precisa sobreviver à própria desesperança enquanto investiga casos cotidianos e perigosos.
Honestamente, li Blacksad na época do lançamento e só havia disponível no Brasil duas edições. A primeira é intitulada Em Algum Lugar Nas Sombras e a segunda se chama Nação Ártica (e obrigado a Panini que só lançou estes dois). Ambas são simplesmente incríveis. O traço de Juanjo Guarnido é vívido, com animais antropomorfizados de maneira crível, cheio de nuances nas expressões faciais, posturas e com uma dose de caricatura que auxilia na imersão. Parece divertido à primeira vista (e é, muito), porém é no roteiro de Juan Diaz Canales que se esconde o verdadeiro trunfo que é a densidade a qual o personagem se insere com a melancolia e nos casos que vão se desenrolando sempre para decisões pesadas e momentos tensos. De ex-amores que morreram a metáforas de animais de pelagens brancas que se sentem superiores a animais de pelagens de tons mais escuro (É racismo que chama?) com direito à violência contra mulher e outros momentos pesados. Porém, a grande sacada é o alto grau de humanização do personagem e dos que o rodeiam. Poucas vezes uma HQ do gênero foi tão maravilhosa.
Algum tempo atrás, a Editora Sesi-SP fez a gentileza de lançar integralmente as histórias do personagem lançadas até hoje em um compêndio, que é a que ilustra este tópico. Uma das poucas HQ’s que quero deixar de herança para meus filhos. Pense no seu futuro também. Sério.
GULLIVERA
Roteiro e arte: Milo ManaraSinopse: Gullivera é uma moça solitária e extrovertida (quase sempre nua ou seminua) que cai numa aventura surreal onde tamanho não é documento.
Inspirado no clássico de Jonathan Swift, As Viagens de Gulliver, temos uma releitura para uma versão mais provocante, porém menos indecorosa que o normal, que é o mínimo que se espera do italianíssimo Milo Manara. Aliás, diferente de muitas que ele produziu, esta é uma obra bem leve, que usa alguns elementos que seriam explorados em na franquia Clic do autor: As situações fantásticas, a nudez como objeto de comédia e desfechos suaves. Ironicamente, é uma obra bem leve, sem pornografia e que usa o corpo da protagonista e sua nudez mais como deleite cômico do que como objetificação para o desejo (apesar de ter um pouco disso também). Não sendo para excitar, ele consegue trabalhar outros pontos: A comédia é boa de se ler e bem desenhada. Dá para ter algo diferente de Milo Manara? Dá, mas aqui é isto que teremos e funciona. Caso você não "possa" ver, peça para seu cachorro dar as impressões dele e você escreve aqui nos comentários. Eu sei como é porque quem me deu este texto foi o meu doginho (que se chama Hipotético).
OS LEÕES DE BAGDÁ
Arte: Niko Henrichon Roteiro: Brian K. Vaughn
Sinopse: Durante o primeiro ataque dos Estados Unidos ao Iraque de 2003, um zoológico é bombardeado e seus animais cativos são libertos. Dentre eles, quatro leões: Um macho, um filhote e duas fêmeas, que se aventuram por uma Bagdá destruída em busca de um lugar para ter paz e comida.
Se você nunca leu Os Leões de Bagdá, pare este post e vá agora. Se você já o leu, pare este post e leia novamente. A história é forte, gráfica, sem medo de ousar e de sair do lugar comum. O traço de Henrichon sabe estilizar e, quando necessário, abraçar o detalhismo. Os leões tem uma filosofia realista que varia do ceticismo, pessimismo, realismo trágico, idealismo e cansaço. Tem ação, drama, relações de poder e muita, mas muita tristeza que busca mostrar o retrato específico do caos durante uma guerra. Todos os animais são vívidos, com poucas expressões humanizadas, porém, funcionam com a carga forte no texto, algo que Vaughn já usava desde os primórdios de Y: O Último Homem e Ex-MAchina. Ainda que mainstream, é corajosa até o limite com um final que mostra que o abuso é mentiroso, se vitima diante da sociedade e ainda busca se justificar diante de seus pares como se a culpa fosse sempre dos outros. É algo para marcar sua vida de leitor. E merecia um filme em CGI para destroçar o coração de toda uma geração. Sério.
WE3
Arte: Frank QuitelyRoteiro: Grant Morrison
Sinopse: Três animaizinhos de estimação são sequestrados pelo governo que os tornam armas de guerras presas a armaduras cibernéticas. Mas um acontecimento os coloca em liberdade em busca de seus lares, seguidos de um rastro de destruição em prol do desejo de rever seus donos.
Se você nunca leu nada de Grant Morrison, aconselho fortemente. Se você nunca leu nada de Frank Quietly ou conhece apenas o Grandes Astros - Superman, por favor, vá se deleitar com o desenhista sem amarra alguma. WE3 é tocante, emocionante, contemplativo, artisticamente deslumbrante e extremamente violento. Ou seja: vale cada página. É uma das poucas HQ’s que indico para quem quer sair do nicho Marvel/DC/The Boy. Tudo é muito cinematográfico, com enquadramentos altamente diversificados e com personagens bem definidos. É fácil tomar lados e todo o caos gore que um cachorro, um coelho e um gato cibernéticos causam é altamente justificado a cada close up que você solta um “ãããããiin que fofo”. Uma das HQ’s mais maravilhosas que Morrison já entregou até hoje.
Arte: Tony Harris e Cully Hammer
Roteiro: Warren Ellis
Sinopse: Deanna Ransome é uma policial que acabou de terminar seu último trabalho disfarçada de membro de uma gangue. Com sua carreira prestes a ser jogada no lixo, ela aceita um derradeiro caso que vai testar sua sanidade. A questão é: Seria realmente Deanna sã?
Em uma época em que a Panini estava testando o mercado com histórias curtas da Top Cow, em sua maioria dispensável, Down me surpreendeu justamente por ser aparentemente dispensável, porém muito boa numa olhada mais atenta. Sem medo de ser violenta, ela funciona bem tanto no traço mais vigoroso de Tony Harris quanto no traço de videoclipe de um então iniciante Cully Hammer. Deanna consegue falar com o leitor enquanto mostra suas fragilidades, ao mesmo tempo que elas transitam pelos seus erros. E apesar de ser uma HQ até apressada em alguns momentos e com mais foco no psicológico demolido e propenso à violência da protagonista, Down – No submundo do crime é bem divertido e pode ser um bom demonstrativo sobre a velha frase “A ocasião faz o ladrão”, mesmo se tratando de uma policial.
Arte: Malcolm McLaren
Sinopse: Doll é uma recepcionista que acaba se tornando modelo do conceituado estilista Jean-Claude Celestine. Ao conhecer o mundo da moda, ela percebe que não é apenas seu benfeitor que é excêntrico, mas todo o novo mundo egocêntrico à sua volta que não faz o menor sentido. Cada vez mais afundada neste universo, Doll compreende que nem todo o glamour vai salvá-la de ser famosa.
Esta HQ originalmente é o roteiro de um filme nunca produzido por Moore e bem pouco comentada na bibliografia do Bruxo e até entendo o porquê, já que sua função é relembrar como a moda funcionava como objeto de choque para o mundinho lugar-comum que sempre habitamos. Isto funciona tanto externamente quando nos meandros do mundo fashion. Temos personagens femininos que parecem garotos, garotos que parecem garotas, os fascinados pela própria queda e os que se aproveitam de tudo isto para ascender na vida. Não é uma HQ que busque recompensar o leitor, na verdade sua única preocupação está no foco de contar uma história sem se prender aos gostos de quem a acompanha. Apesar da evidente metáfora com A Bela e A Fera, ela cria identidade própria e Moore se satisfaz em conceitos muito específicos ao não dar ares heroicos à sua protagonista fascinante e, ao mesmo tempo, irritante. É fácil torcer pela queda dela ao mesmo tempo que você quer ver até onde Doll pode chegar. Fashion Beast é profunda, provocativa, chocante à certa medida e toca um enorme “f*da-se” para suas expectativas. E isso a torna única. Adoro.
Arte e roteiro: Salvador Sanz
Sinopse: Depois de três artistas argentinos terem criado a escultura nunca moldada, a cor nunca vista e a música nunca ouvida, o apocalipse se instaura no mundo onde criaturas imponentes em cima de seus cavalos andam por uma Buenos Aires lavada à sangue por suas lâminas afiadas.
Faltava uma HQ de horror na lista? Agora não falta mais. Legião tem uma história simples de fundo complexo: O papel da arte como transgressora da sociedade e destruidora de conceitos. Obviamente esta metáfora é levada ao extremo com o início do fim, mas o que causa espanto mesmo é a arte de Salvador Sanz. Conheço-o de uma história chamada Noturno com desenhos hiper-realistas e detalhados, mas aqui o nível é elevado de um jeito que não dá pra explicar, inclusive no body horror que é explorado. É original, é gore, é sobrevivencialista, é assustadoramente pesado e com um final de enrijecer seu esfíncter por alguns dias. Eu amo essa HQ, tenho um afeto tremendo por ela e digo sem medo de errar: Se há um representante sul-americano digno do horror mundial, aqui está. Sim, o texto aqui é curtinho porque às vezes menos é mais e quero instigar alguns a lerem esta maravilha.
Então é isso. Leiam alguma coisa aí de cima e depois me digam o que acharam. Espero que gostem.
Bom ano novo a todos.
Saitama de R’lyeh
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