Não há como negar: desde que estreou em 2014, Five Nights at Freddy’s se tornou mais impactante do que qualquer um poderia imaginar. Idealizada com base em críticas a um jogo anterior feito por seu criador, Scott Cawthon (o que também o ajudou a superar a depressão causada por isso), a franquia sobre pizzarias, animatrônicos amaldiçoados e uma trama envolvendo mistérios sombrios rapidamente caiu na graça da internet, que até hoje formula inúmeras teorias. Logo vieram os materiais de merchading, livros, além de servir de fonte de inspiração para outros também se adentrarem para criar seus próprios mundos e mistérios igualmente populares, no verdadeiro auge do conhecido como Mascot Horror - como Bendy and the Ink Machine, Poppy Playtime, e Amanda the Adventurer, isso sem mencionar as próprias fangames, com algumas delas de fato até chegando a criar seu próprio cânone. Apesar disso, ainda havia um elefante na sala: um famigerado filme para os cinemas.
Já cheguei a comentar aqui que hoje, vivemos em uma época interessante para as adaptações de videogames. Se antes isso poderia ser um terreno quase que completamente hostil, certos sucessos cinematográficos (e televisivos) mostraram que Hollywood já tem uma idéia um pouco melhor do que fazer a respeito. Não perfeita, é claro, mas já mais otimista, inegavelmente. No caso de FNAF, o primeiro anúncio de um filme foi ainda em 2015, sobre envolvimento inicial da Warner Bros. Mas apesar de todo o apelo da série, esse projeto sempre teve dificuldades de sair do papel - e somente no último mês de outubro, 8 anos depois do primeiro anúncio, ele enfim chegou aos cinemas, agora sobre produção da Blumhouse, e sendo mais um caso de filme cuja diferença de opinião de público e crítica foi bem notável. Dito tudo isso, como alguém que sempre achou bom postar notícias sobre isso nos últimos tempos, eis que a minha pessoa conferiu o filme na última quinta-feira (2), até para falar de fato devidamente sobre. Também devo dizer que não haverá spoilers, ou pelo menos nada muito revelador, para você que ainda queira conferir.
Vamos começar pelo enredo. Mike Schmidt (Josh Hutcherson) é um cara problemático, com problemas de insônia, e que continua sendo assombrado pelo misterioso desaparecimento de seu irmão Garrett. Agora desempregado após o último problema que se meteu, e podendo perder a guarda de sua irmãzinha Abby (Piper Rubio) no processo, Mike acaba decidindo aceitar uma vaga oferecida por "Steve Raglan" (Matthew Lillard) um conselheiro de empregos, que lhe faz assim trabalhar como vigia noturno na famigerada Freddy Fazbear’s Pizza, uma pizzaria muito popular no passado, que agora se encontra fechada e jogada as traças. Mas como ele descobrirá, o fato do horário ser ruim, e o salário pior ainda, será o menor dos seus problemas, enquanto ele descobre que há algo muito mais estranho o aguardando naquele lugar. E talvez, até mesmo as respostas sobre o que realmente aconteceu com seu irmão.
Sobre a história, vou dividir isso em dois pontos. Primeiro: eu via muito, gente fazendo teoria (coisa mais normal do mundo, ainda com essa série), mas achando que "não, o filme vai explicar coisa do jogo, coisa tal, coisa lal", e gente, não. Eu sou um fã dessa franquia, ainda mais pela lore, mas se eu tivesse de dizer um dos motivos pra também isso gerar teoria, além do mistério, é porque também tem coisas que até hoje são meio confusas, que gera bate boca (e tem um pessoal desse fandom que exagera com isso), e coisas que ninguém sabe até hoje, pra que serve. Acho que o melhor exemplo disso, é a tal caixa do quarto jogo.
E basicamente, essa caixa não serviu pra porcaria nenhuma, porque até o próprio Scott Cawthon deixou pra lá isso, e ficou por isso mesmo. Outro detalhe que faz uns do fandom se estapearem: os livros. Os livros se passam em uma timeline diferente da dos jogos, porém existem muitos elementos nos livros que servem de complemento/explicação para os jogos - logo, podem ser considerados canônicos, enquanto outras coisas apenas são canônicas pra respectiva timeline dos livros. Porque sim, como se não bastasse, nem todos os livros se passam na mesma timeline. Só de ler isso você já imagina o cenário, tem gente que diz que tudo 100% dos livros são canônicos, o que não é o caso, mas da mesma forma, tem gente que não considera nada dos livros como canônico, o que também não é o caso. Eu já decidi explicar isso, porque é algo já familiar pra esse universo - e em uma adaptação, você já espera que mantenham certas coisas, mas que outras possam ser modificadas. O filme de FNAF dessa forma tem a própria timeline, o próprio cânone, ainda que mantenha coisas - o que inclui paralelos com os jogos.
Já o segundo ponto acho mais relevante para muitos aqui: "Riptor, eu só conheço o básico de FNAF, ou nem isso, eu vou entender o filme?" E sinceramente, sim. A história é bem simples: cara atormentado pelo passado, vai trabalhar em um local que intensifica esses tormentos (detalhe que são de fato cinco dias), e tudo gira em torno disso. Até como parte da imersão pretendida pelo primeiro jogo para o jogador se sentir ali, Mike era um personagem "em branco" (nem mesmo falar ele o fazia), algo que o filme consegue resolver bem. Como mencionado, há um motivo para ele querer aceitar trabalhar naquela pizzaria - e especialmente, um motivo para ainda querer voltar lá, mesmo depois de descobrir seus B.Os. Sua fixação alimentada pela culpa que ele ainda sente por seu irmão desaparecido é algo também refletido em sua relação com Abby, com momentos que ele parece indiferente e com total falta de ânimo para lidar com ela, e até mesmo tomando decisões precipitadas - ainda que no fundo, não seja bem isso que ele quisesse passar.
Por ironia ou não, o subtítulo brasileiro de 'Pesadelo sem Fim' se conecta muito com o ponto central da trama, já que Mike constantemente lida com seu sono como uma forma de tentar achar as respostas que precisa - ou talvez, aquilo que ele perdeu junto de seu irmão, e que ainda busca: sua inocência. Algo que ele não deve fazer sozinho, e como na prática ele deve não só achar, mas sim fazer se tornar real. É um arco satisfatório para o personagem, com Hutcherson e Rubio convencendo em suas interações entre irmãos - algo que também reflete muito do que é realmente a história de Five Nights at Freddy’s: a inocência perdida cedo demais.
Outra personagem com importância na história é Vanessa (Elizabeth Lail), uma policial que acaba servindo para dar certa informação e ajuda para Mike, ainda que ela tenha seus próprios segredos - incluindo um plot-twist muito importante. A atriz está operante, e dependendo dos rumos que possam ser tomados, acho que essa personagem pode ter potencial. Agora o Matthew Lillard é o melhor ator do filme - particularmente não senti exatamente falta dele ao longo do filme, mas eu concordo com alguns que ele poderia ter tido um pouco mais de tempo de tela. O cara desde Pânico tem um charme pra esse tipo de filme.
Apesar disso, o roteiro tem sim algumas coisas que podiam ser ajustadas. Como dito, a trama é simples, e de fato tenta ser dentro do possível, redonda. Por exemplo, o filme constrói um motivo crível pra Abby ir pra pizzaria com o Mike, ao invés de um "porque sim", mas há algumas coisas que escapam. Tipo numa parte com o Mike no sonho, acontece uma coisa lá, ele acorda, e tem um detalhe no braço dele, tipo "ah, então se isso, então também é isso", sabe, você até imagina a resposta pra cena, mas acho que o filme podia ter tentando dar uma explicação. Outro exemplo, até um pouco mais gritante, envolve a tal tia do Mike e da Abby, personagem total no modelo madrasta pé no saco, que cria até um plano todo pra ter a guarda da Abby (o que gera por consequência toda uma situação na pizzaria), mas ainda assim o filme mais pro final deixa por isso mesmo o que aconteceu com ela em uma certa cena. Tipo, até diz, mas fica tipo "ninguém gosta dessa velha, então ninguém quer saber". Tirando os 4 personagens que eu citei antes, todos os outros são os famosos personagens de situação, você nota que eles estão ali somente pra gerar situação relevante tal, e acabou. Ao menos não é nada que chegue a incomodar muito.
Mas é claro, não podíamos deixar de comentar dos grandes garotos propaganda do filme, e da própria série: os animatrônicos. Eles são simplesmente perfeitos, e a melhor coisa do filme por consequência. Criados pela Creature Shop do saudoso Jim Henson – o grande responsável pelos fantoches de Vila Sésamo e dos Muppets – eles não são só totalmente fiéis aos jogos, como transmitem um carisma imenso dos mesmos em suas expressões mecânicas, algo que provavelmente não teria o mesmo charme se fossem feitos de outra forma. Há sim certos momentos com inclusão de CGI, mas são em pontos apropriados e devidos, onde prevalece o uso de efeitos práticos ao redor deles.
A diretora Emma Tammi |
A direção também transmite bem as andadas dos bichos pelo local, com direito a clássica vista dos mesmos pelas câmeras. Isso inclusive é apenas um de vários tipos de referências diferentes espalhadas pelos cenários, que quem sabe até um fã mais atento possa perder, e que são encaixadas sem comprometer o andamento da trama. Tem referência aos jogos, tem referência aos livros, tem referência à teorias de fã, e até mesmo participações de alguns Youtubers que ajudaram a promover os jogos, com até mesmo um mural com fotos de alguns deles em uma cena específica. Como se não bastasse, a música dos créditos é nada mais, nada menos que uma música de fã, demonstrando que o envolvimento de Cawthon no filme foi realmente bem significante.
Mas afinal, o filme assusta? Bem, assustar talvez seja um termo meio 'forte'. É algo mais como "te peguei, eh!", do que um susto propriamente, até porque o filme se mostra positivamente mais interessado em seguir a linha de um suspense/thriller nesse sentido, do que o de um filme com jumpscares a cada dez minutos. Também há momentos de terrir - por mais que quando é pro filme ser sério, ele é, não ache que esse tenta ser um Invocação do Mal da vida. Eu diria, que está mais voltado pra Gremlins, por exemplo. E mesmo sendo PG13, esse filme tem uns momento gore - incluindo um rosto desfigurado. Inclusive eu tive o prazer de testemunhar por essas, uma mãe xingando o filho atrás de mim, falando que esse filme não era pra criança ver. E sim, minha senhora, FNAF não é pra criança - por mais que um monte delas toque o dane-se pra isso.
No fim das contas, apesar de alguns deslizes no caminho, Five Nights at Freddy’s termina o ano de 2023 para as adaptações de games num bom consenso: de fato, um ano bem proveitoso. Se aproveitando do carisma e mistério de seu universo, os fãs da saga estarão em casa - e ainda que parte da magia das referências possa ser perdida com os menos antenados, o resultado ainda pode ter potencial de entreter.
E visto as bilheterias já obtidas (no momento que este post foi publicado, o filme já havia arrecadado US$ 217 milhões), é bastante seguro dizer que ainda devemos ver esses animatrônicos nos cinemas por um tempo. Resta ver, assim como houve com os próprios jogos, quando é que isso também vai influenciar adaptações de outros games do mesmo estilo - se é que já não está influenciando.
Então é isso gente, espero que tenham gostado. Até a próxima!
Por: Riptor
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