Os avanços da IA (inteligência artificial) tem gerado debates calorosos nas indústrias de cinema e TV, tanto que fizeram Hollywood parar durante meses em 2023. Já há um reflexo disso no Brasil, na classe dos dubladores, que começaram a se movimentar pela regulamentação da tecnologia.
O movimento se dá por uma campanha chamada Dublagem Viva, que surge em um momento em que a IA consegue replicar vozes humanas de forma assustadoramente precisa, e alguns grandes distribuidores já começaram a trabalhar com empresas que usam essa tecnologia.
O dublador Sérgio Cantú (O Espetacular Homem-Aranha), que é um dos líderes da campanha, explicou o nível de risco que a não regulamentação da IA apresenta para a indústria de dublagem atualmente e, ouvimos dele que há fortes sinais de que o uso da tecnologia para replicar vozes não é algo muito distante de acontecer na indústria, muito pelo contrário.
"Olha, eu acredito que já esteja começando, [com] alguns projetos que não são dublados totalmente por inteligência artificial, mas que estão usando alguns recursos. A gente sabe que tem alguns estúdios de dublagem sendo procurados por empresas que oferecem serviços de inteligência artificial para baratear custos, chamar menos dubladores, mas não sei dizer exatamente quais seriam esses projetos e onde eles estão. Mas isso não está fugindo do radar, porque existem vários grandes distribuidores que já estão trabalhando com essas empresas de IA. Então, não vai tardar para que comessem a vir os primeiros projetos, e aí é muito importante que o público comece a se posicionar em relação a isso," nos contou Cantú.
Diante dessa situação, a campanha pretende fazer as pessoas entenderem que, há muito mais que os empregos da classe em jogo, porque os avanços da IA estão colocando o registro de nossa identidade e a qualidade do serviço em xeque.
"[A identidade brasileira] é um dos grandes motivos de a gente não deixar a IA dominar o mercado de dublagem, porque a gente coloca muito a nossa cara no que a gente está fazendo. Não é só uma questão de texto, é uma questão de interpretação também. Quantos filmes a gente não já salvou que o ator original, às vezes tinha uma interpretação não tão interessante, não tão engraçada, e quando [o trabalho] veio aqui, às vezes ficou muito melhor, sabe? Quantas pessoas não dizem: 'ah, não, esse filme aqui eu prefiro ver dublado do que legendado, porque a dublagem está mais legal, está mais engraçada?'," disse Cantú ao OVício.
Um exemplo claro do potencial da dublagem para transformar produções, está em A Nova Onda do Imperador (2000), filme que foi um grande fracasso nos EUA, mas é lembrado com carinho por muitos fãs brasileiros, por causa de sua dublagem completamente identificada com nosso cotidiano.
O Dublagem Viva defende que, "robotizar" a dublagem com inteligência artificial generativa - que não passa de uma acumuladora e catalogadora de informação e maneirismos, seria destruir o que faz a dublagem brasileira ser tão forte.
"Às vezes não é só questão de deixar mais engraçado, tem todo um lance da interpretação, de conseguir falar do nosso jeito. Às vezes uma cena romântica vai ter um efeito quando vai estar sendo falada em inglês, e vai ter outro efeito falada em português, não pelas palavras, mas pela emoção que a gente está colocando, pelo nosso tom de fala, pelo jeito que a gente costuma falar normalmente com os nossos amigos, com a nossa família, e a gente coloca isso nas produções. Então, a dublagem não é simplesmente uma tradução do que está vindo lá de fora, ela envolve adaptação, que vai desde o texto até a nossa interpretação," nos explicou Cantú.
Vale registrar que, embora o Dublagem Viva seja uma campanha brasileira, a busca pela regulamentação da IA, no entanto, não acontece apenas no Brasil. Artistas de países como Áustria, Bélgica, Benim, Canadá, Chile, Colômbia, França, Alemanha, Itália, Holanda, Nigéria, Polônia, Espanha, Suíça, Taiwan, Turquia e Estados Unidos estão juntos aos dubladores brasileiros no UVA (United Voice Artists).
O Dublagem Viva é um dos fundadores do UVA e, em debates com dubladores estrangeiros, os brasileiros já estão trabalhando em um projeto de lei para estabelecer os limites de uso de IA em dublagem no Brasil.
"Nós juntos estamos trabalhando nessa legislação, estamos levando isso para Brasília, sim. Temos um projeto de lei, que já está sendo desenhado, pensando nessa legislação, mas todo projeto de lei demora, então a gente já foi para Brasília algumas vezes e estamos de olho nisso, para ver esse processo consegue avançar, pois a gente precisa definir os limites dessa legislação que vai regulamentar a IA," revelou Cantú.
Os dubladores de todo o mundo consideram seu apoio algo fundamental, e você pode ajudá-los assinando um abaixo-assinado no Change e, claro, se posicionado ativamente nas redes sociais contra o uso de IA para produzir vozes na dublagem.
"Os fãs podem se posicionar ativamente nas redes, contrários ao uso de IA para fazer as dublagens. Muitos fãs conhecem a gente desde a infância e, cresceram ouvindo a nossa voz, com a nossa intepretação. Muitos trabalhos, na verdade, eles conheceram por causa da nossa interpretação. [...] É importante que o público comece a se posicionar em relação a isso, até para deixar muito claro para os grandes distribuidores que, esse tipo de prática não vai ser bem recebida aqui. O posicionamento do público nesse sentido é legal quando virem algum trabalho usando alguma outra voz, ou usando voz de algum dublador que já faleceu. Isso não é legal... Sabe? Isso, na realidade, está minando, cada vez mais o nosso trabalho," disse Cantú, convocando os fãs para a campanha.
Para fortalecer a campanha, muitos artistas brasileiros tem publicado vídeos em suas redes sociais
O Dublagem Viva, vale ressaltar, não é um movimento anti-IA. Os dubladores querem apenas garantir que a tecnologia seja uma ferramenta de criação e, não passe a ser entendida como uma criadora.
AVTA (Sindicato de Actores de Voz y Voice Talents de Madrid), OVU (Organización de Voces Unidas) e NAVA (National Association of Voice Actors) são alguns sindicatos internacionais que estão juntos com o UVA na luta pela regulamentação da IA.
POR:Marcilio
FONTE:Ovicio
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