- .......
- Mas então, como eu estava falando, aquele dia eu não esqueço MESMO. Ah, sim, eu fui imprudente naquela idade, felizmente eu aprendi a me comportar depois daquilo.
- ........
- Fernanda?
- .........
- ...Fernanda
- Ah, sim, eu tô ouvindo, dizia ela. Tanto Fernanda quanto seu pai se encontravam almoçando em casa, enquanto o mesmo seguia seu costume de conversar naquele momento. Até por isso, não era difícil que ele notasse uma mudança no ambiente.
- ......
- .........
- Ah, você sabe que eu nunca fui invasivo sobre algumas questões suas, não é mesmo? Até porque, sempre tivemos uma boa comunicação, ressaltou o Sr. Walther. Fernanda respondeu com um gesto positivo com a cabeça.
- Eu tô falando isso, porque...., tentava dizer o mesmo. Fernanda naquele momento continuava com um tom cabisbaixo, mexendo e remexendo a comida presente em seu prato, antes de um olhar preocupado se direcionar a seu pai, ao ouvir aquelas palavras. Alguns dias já haviam se passado, desde aquele evento.
- ....Tá tudo bem, filha?
- Porque não estaria?, dizia ela. O tom de sua voz, sem encanto aparente. Isso também refletia em seu rosto, com olheiras um pouco aparentes, acentuando uma sensação de cansaço. Seus ombros estavam curvados para frente, como se um peso estivesse descansando sobre eles. A cabeça, ligeiramente inclinada, como se o pescoço estivesse cansado de sustentar pensamentos.
- Você parece desanimada. Para não dizer, triste.
- ......Não é nada, respondeu ela, olhando levemente para baixo. Diante de tal resposta, o pai de Fernanda insistiu.
- É que não me parece isso.
- Como assim não parece?
- Eu não sei, você não é assim.
- Assim como?!
- .......
- ........
- ....Se eu ignorasse a minha intuição, que tipo de pai eu seria?
- .......
- Sabe...eu sei que você é muito capaz, filha. Eu tenho orgulho disso. E por isso mesmo, as vezes, precisar de um apoio não é um sinal de ser menos nisso.
Naquele momento, Fernanda olhou para seu pai. Seu olhar parecia apreensivo, ao mesmo tempo que seus olhos pareciam fixados em um vazio à sua frente. Um olhar distante, como se atravessasse algo invisível, sem realmente estar presente. Seus ouvidos, por outro lado, prestaram atenção naquilo que ouvira.
- ......Eu, só não quero te preocupar com essas coisas.
- Pais se preocupam até quando não precisam, respondeu Walther, com um sorriso amigável. Fernanda podia sentir a energia que ele estava querendo passar.
- ....Eu tô cansada. Os últimos dias foram cansativos. Mentalmente exaustivos, dizia ela, ao botar as mãos no rosto por um leve momento. Ela solta um suspiro, como se fosse uma tentativa quase involuntária de aliviar a pressão interna.
- Todo mundo passa por isso as vezes. As vezes mais do que gostaríamos. Mas o importante é saber que essas sensações são passageiras.
- As vezes elas são, persistentes.
Walther pausou sua fala por um momento. Aquela conversa o fez lembrar de outra questão.
- ......
- Pai, eu...
- Faz algum tempo que o Pedro não vem aqui, não é?
- ...........
- Isso tem a haver com ele?
Fernanda podia responder com uma negativa, mas dessa vez nenhuma palavra saia da sua boca. Ela poderia não poder dizer a grande questão, mas seu corpo já não poderia fingir sua relação com o ponto levantado por seu pai.
[Sorriso sutil] - Acho que eu entendi agora. Eu não sei o que aconteceu, mas....é normal, filha. Todo casal tem momentos assim, eu e a sua mãe por exemplo! E mesmo assim, nós nunca deixamos de nos gostar depois de tudo.
- ....Nós...
- Precisavam de um tempo?
Fernanda não sabia como responder a pergunta de seu pai. Seu rosto, normalmente expressivo, continha uma tristeza contida. Seus lábios, antes suavemente curvados, agora estavam ligeiramente tensos, sem energia para esboçar um sorriso. Ainda assim, com um pouco de esforço, ela falaria mais uma vez.
- .....É, um tempo. Um tempo...., respondia a mesma. Um leve tremor era sentido em seus dedos, uma espécie de tensão emocional que a impedia de relaxar.
- Olha filha, eu consigo ver que o Pedro realmente gosta de você. E você, dele. Acho que você sabe disso mais do que eu, não é? Então...
Naquele momento, Walther segurou a mão da mesma, enquanto ela demonstrava certa surpresa.
- As coisas entre vocês vão se resolver. Quando é pra ser, o mundo sempre dá um empurrãozinho.
- ....[Fernanda pensou em falar], mas ao invés disso, ela decide abraçar o pai, que retribui o ato.
- .....Desculpa por te preocupar...
- Tá tudo bem, mocinha. Isso sempre passa, e as coisas boas, sempre ficam.
- Sempre ficam...., repetia ele. Naquele momento, algumas lágrimas caiam do rosto da garota, enquanto continuava abraçada ao pai. Pois mesmo no que parecia uma conversa de resolução, internamente, ela ainda se sentia ali, presa a um sentimento - esperando por algo que nunca chegaria.
- ...Eu, acho que vou pro meu quarto agora.
- Ok, acho que você está precisando mesmo descansar a cabeça. Eu vou ter de sair para comprar algumas coisas. Mas se precisar, é só me ligar, tudo bem?
- Não se preocupe, dizia ela. Apesar de tudo, a mesma ainda tentou expressar um sorriso para o pai, por mais difícil que essa expressão pudesse ser agora para ela.
- 🙂 A gente conversa mais tarde.
- Claro, dizia ela, antes de começar a se dirigir para o seu quarto.
- [Suspiro]...jovens e suas dúvidas. Bem, acho que posso ir assim mesmo, dizia. O mesmo então apenas pegou o que lhe faltava, antes de se dirigir para a porta para sair. Ele só não contava com uma surpresa que o aguardava do lado de fora.
- Oh, Melissa, que surpresa.
- É bom vê-lo, Sr. Walther 😁
- Igualmente.
- ...Ah, a Fernanda está?
- Sim. Apesar que eu não sei se totalmente bem.
- ...Ela me pareceu um pouco pra baixo ultimamente. Vejo que não fui só eu que percebi. Até por isso, eu achei que fazer uma visita poderia ajudar ela a..se animar um pouco.
- [Sorriso] Jovens as vezes se entendem melhor com jovens. Visto como vocês duas são amigas, acho que ela vai querer te escutar. Ela está no quarto dela.
- Certo, obrigada.
- Acredite, eu que agradeço, dizia Walther, antes de sair e fechar a porta. Melissa, por sua vez, se dirigiu até o quarto de sua amiga - mesmo não sabendo exatamente o que diria a seguir.
- .....
- .......
- ....[Melissa já havia entrado no quarto, mas ainda assim, fez questão de tocar na porta]
- Pode entrar pai, o senhor...
- ....[Um pequeno sorriso podia ser visto nesse momento por parte da visita] enquanto olhava para o olhar de surpresa de sua colega.
- ...Melissa, que coisa.
- Oi Fê. Eu tô atrapalhando alguma coisa?
- Ah não, imagina. Apenas...não estava te esperando, dizia Fernanda, antes de se sentar novamente na cadeira que possuía.
- É que eu pensei que poderia ser bom te fazer uma visita. Você parecia....quer dizer, você está pra baixo, eu sei que você tá pra baixo, depois de......
- .....
- .....Você sabe.
- Eu sei. Não estou conseguindo esconder isso nem do meu pai, mas não é como se eu pudesse apenas dizer pra ele o que realmente aconteceu.
- Claro. E mesmo excluindo esse ponto...acho que a ficha de ninguém ainda caiu pra tudo isso.
- Não é como se fosse fácil. Deveria?
- Claro que não, com...
- Não precisa se explicar tanto.
- .....
- ...Você veio aqui dar o seu apoio. Até porque antes, deve ter achado que era melhor não, talvez?
- ...Eu não sei exatamente se uma situação assim teria realmente um momento pior ou melhor, mas...talvez eu tenha achado que sim.
- Pertinente. Eu diria que possa ter sido.
Ao ouvir isso, Melissa demonstrou novamente um pequeno sorriso. Apesar de seu propósito com aquela visita, não é como se ela mesma não sentisse que aquele momento também seria tão pertinente quanto para ela mesma, ainda tentando lidar com tudo isso a seu próprio modo.
- Você sabe que eu também tive uma história com o Pedro. Mesmo quando ele não sabia o que dizer, ele sempre sabia como demonstrar que se importava. E isso por si só já era um apoio.
Acredite, eu sei com o que você está lidando.
- [Um pequeno sorriso se apresenta naquele momento]...
- Claro. Claro que sabe. De preferência no centro de algo do tipo, eu presumo.
- Ah, eu admito que não entendi muito bem o que você quis dizer com isso, mas 🙂 se te aj...
- Você não deve ser tão tapada assim.
- ...Do que você tá..
- Você quer comparar a sua situação com a minha? Você acha que é a mesma coisa?
- Olha, eu não tô falando aqui que é a mesma coisa, óbvio que não é, mas eu sei que isso é difícil, sei que você tá sofrendo, e esse sentimento, eu também entendo.
- Será mesmo?
- Fernanda eu não sei o que você tá querendo insinuar com isso, eu tô vendo que você tá alterada, eu não tô aqui pra te julgar, se você quiser desabafar comigo, saiba que você pod...
- Ah ótimo, ótimo. Já que você tá tão prestativa, pra que fugir do que eu tô falando, vamos falar sobre isso.
- Fernanda eu não tô fugindo de nada, de novo, você claramente tá alterada, se você quiser eu desço pra cozinha, te pego um copo de água, e a gen..
- Não preciso de porra de água, e agora você que vai ouvir.
- ....
- Você queria muito seguir o seu objetivo, não é mesmo? Mesmo que precisasse ir realmente embora daqui. Tão decidida, que nem quis pensar que poderia acontecer outra coisa.
- ...Quando eu terminei com ele, foi a decisão mais difícil da minha vida. Não tente suavizar isso.
- E você não tenta dramatizar demais.
- Você tá percebendo o nível do que você tá falando? Você acha que foi fácil pra mim? Você acha que é uma escolha que alguém faz e que..
- Você mesma respondeu agora. Você ESCOLHEU ir embora, eu não tive porra de escolha nenhuma.
- ....
- E como se não bastasse, depois de aproveitar a chance de ir embora, de mudar, ainda voltou tempos depois, achando que estaria tudo exatamente como você deixou. Te esperando.
- .....
- Mas não estava, não é? Você nem pensou nisso, que era só voltar quando lhe desse na telha, e pronto!
- Talvez nisso esteja certa, mas não dá forma que você tá falando!
- Ah é? Então como seria, fala aí pra eu..
- Já pensou em porque eu pensei assim? Porquê eu me acho? Porquê o mundo gira em torno de mim? Não é por causa de nada disso, droga! Eu realmente tentei seguir em frente, sem deixar de amar ele, e...talvez não tenha pensado no resto, antes de entender que o Pedro também tinha o direito de fazer as escolhas dele nesse meio tempo. Isso por acaso é egoísmo pra você?
Nesse momento, Fernanda olhava para ela com um olhar desconfiado e dorido, a voz tremendo de raiva e rancor. - Pode até não ser a mesma coisa pra você, mas eu não tive isso, eu não tive escolha nenhuma, ele…ele foi arrancado de mim!
- E é por isso mesmo que eu vim aqui, tentar te ajudar a passar por isso também.
- Você por acaso tem idéia do que é perder alguém desse jeito?! Você acha que eu queria que ele morresse? Que fosse como foi?!
- Nessas horas não existe dor mais ou menos digna, Fernanda, eu não estou te dizendo o que sentir ou como lidar com isso. Eu só...quero te ajudar, porque você acha tão difícil pensar dessa forma?
- E como você acha que pode me ajudar?
- Com certeza não é usando os outros de saco de pancada emocion..
- A...
Nesse momento, com a raiva já tendo tomado conta dela, Fernanda dá um passo para mais perto de Melissa, a agarrando com força pelo pescoço. A cena é tensa, enquanto ela também empurra a colega contra uma das paredes de seu quarto.
- Não me venha com essa merda de sermão na minha casa, tá entendendo?!
Melissa fica em choque por um instante diante do momento, sua mão tocando a de sua colega (mas depois de sua voz agora tremendo) ela não sabe se deve tentar se afastar ou permanecer firme.
- ...Fern..anda, solta...por favor me solta....a...
A resposta que Melissa recebe se restringe a um olhar, como se estivesse tentando se controlar, mas o momento ainda faz Fernanda apertar um pouco mais, a raiva misturada com dor.
- Você não entende nem a metade…nem UM TERÇO do que estou passando...então que tal parar com essa merda de me dizer como "lidar" com algo, que você não tem esse direito!
Melissa não tinha muitas opções agora. Com os olhos umedecidos, a voz baixa, e a mão tremendo, ela colocou sua outra mão sobre a dela, ainda segurando o pescoço, tentando manter o controle.
- Ah...eu sei que você...não é assim.
- ...
- Eu sei...que é muita dor pra segurar sozinha. Não é preciso...muito, pra entender isso. Só...me faz um favor...
- Favor? O que? Parar de...
- Só não deixa isso...te consumir, por favor.
- ..........
- ..Ah (nesse momento, a respiração de Melissa já era mais abafada) por conta do aperto em seu pescoço. - ....Eu não viria aqui, se eu não...me importasse.
- ..........(Ela olha para baixo por um instante)
- ....Eu..
- ....
- ...Não quero perder outro amigo.
- .....(Nesse momento, o olhar de Fernanda começa a se suavizar) apesar da raiva ainda permear seus sentimentos. Sua mente se encontra caótica, mas uma lágrima escapa de seu olho. No fim, ela lentamente solta o pescoço da amiga, como se tudo aquilo fosse mais uma luta interna, do que qualquer desentendimento real.
- [Suspiro]....eu não sei...porque eu falei essas coisas de você...
- ....
- É que...[ela começa tremer levemente, a raiva acumulada tentando se precipitar] eu não sei como...
- ...😟
- ...Lidar com isso. Ao menos...da forma que foi [algumas lágrimas descem dos seus olhos]. Eu vi..se eu tivesse chegado mais rápido, eu...
- ....
- [As lágrimas se intensificam] Ele morreu por minha ca..
- Não termina de falar.
- .....
- Se tem uma coisa que ele jamais deixaria acontecer, é você se sentir culpada por isso. A culpa não foi sua. Tudo...pelo visto aconteceu muito rápido....e de forma organizada. Não havia como prever isso.
- ......[Fernanda abaixou a cabeça] enquanto as lágrimas continuavam. Ela fez um movimento positivo, concordando com o que Melissa estava dizendo, apesar de tudo, antes de se sentar no chão.
- [Suspiro]
- .......
- .....Não é como se eu achasse que seria fácil vir aqui lidar com isso.
- .....[Fernanda vira o olhar sutilmente] ao observar a colega.
- ....E isso diz muito. Não acha?
- ....Como o que?
- O afeto. E como...ele sempre arruma um jeito de você fazer ele transparecer. De algumas formas mais complicadas do que outras.
- .....É.
Nesse momento, Melissa dá um passo mais próximo, abraçando a amiga com delicadeza, o tom agora mais suave.
- .....Melhor isso do que o meu pescoço.
- [Sorriso tímido]
- ....[Sorriso].
Um suspiro pesado é ouvido pelo lado de Fernanda. Ela encosta sua cabeça no ombro da colega, deixando agora algumas lágrimas já mais tímidas ainda caírem.
- ....Eu não sei se isso pode ser chamado de "melhor", ou...só um alívio momentâneo.
- Talvez um pouco de cada. Lidar com isso com mais alguém acaba sendo mais...eh, fácil não, mas...acho que você entende.
- Sim. Eu agradeço por isso.
- Eu também.
- .....
- Eu...ainda assim....sinto que vamos ter de fazer algo a respeito disso.
- .....Você quer dizer...
- Foi organizado, isso a gente consegue perceber. A questão é quem foi o cabeça por trás disso - e ninguém faz algo assim sem pensar no que vem depois.
- Eu acho que cheguei a ver...não, eu vi no dia quem era. Foi tudo muito rápido.
- Aquele que mostraram na TV?
- Sim. Eu só fui no impulso quando ele...não deu pra prestar muita atenção na hora. Mas, eu certamente não vi aquele antes.
- Ou talvez não.
- O que você quis dizer com isso?
- Quem fez isso não queria ser apenas a capa de site de notícias da semana, sem ninguém nem sabendo de quem se trata. Esses tipos de criminosos costumam ser mais...exibicionistas.
- ...Faz sentido.
- A não ser...que uma coisa afete outra com isso.
- Você até que é boa nisso.
- [Sorriso ameno] eu tento, declarou Melissa, ao esticar a mão para levantar a amiga. - E é ainda mais por isso que essa situação não vai se resolver com a polícia. Ainda mais sem ele...eu sei que pode ser perigoso.
- ....
- [Suspiro] mas eu não vou deixar acharem que o que ele fez não serviu pra nada. Que ele não conseguiu mudar as coisas...nem que fosse um pouco. Porque quando eu olho lá pra fora...eu consigo ver que ele conseguiu.
- [Sorriso tímido] é em momentos assim que eu consigo ver porque vocês tinham dado certo antes. E eu também não vou deixar.
- [Sorriso] acho que o mesmo pra você. Atitude.
- Olhando assim, acho que sim. Ele mesmo aprendeu isso dessa forma....um pouco.
- [Riso] ele perderia um pouco do charme se tivesse aprendido totalmente.
- [Riso tímido].
- ......
[Fernanda] - Mas então...o que a gente faz agora?
- Toda pergunta tem uma resposta. Mas algumas respostas só são obtidas com outras perguntas. É o nosso primeiro passo.
Nesse momento, Melissa se despediu de Fernanda, decidida a começar o que mencionou. Antes que ela saísse do quarto, no entanto, a voz de sua colega a fez parar por um momento.
- E Melissa.
- Sim?
- Eu não te garanto que eu vou me conter quando a gente achar quem fez isso.
- No fundo, não é como se eu não entendesse. Mas nós duas sabemos que ele não iria querer que você fizesse isso.
- Eu sei. O ódio, pode te mover até extremos muito fácil.
- Algo me diz que estou propensa a ser amiga de gente assim.
- ...Tá falando do cara com o alienígena?
- [Riso tímido] É, o cara com o alienígena. Se cuida.
- Você também.
Melissa então se retirou de fato para fora da casa, deixando Fernanda sozinha. Ela ainda precisava processar tudo que havia acontecido, mesmo com algumas questões ainda permeando sua cabeça. Mas esse momento ainda seria interrompido por mais uma questão, ao ver seu celular começar a tocar.
- Alô?
- Fernanda, como vai?
- Ah, na medida do possível, Dona Maria. É bom falar com a senhora.
- Eu digo a mesma coisa...eu estou ligando porquê...o Pedro não voltou pra casa. E isso já faz alguns dias.
- ......
- Ele nunca sumiu desse jeito, e eu estou realmente preocupada. Eu pensei que você poderia ter visto ele ou algo assim.
- ....Infelizmente não, Dona Maria. Eu...também estou preocupada, com isso.
- Ah, entendo. Eu preferi não perguntar para o seu pai sobre isso, porque eu sei que ele também se preocuparia demais, e já tem de lidar com muita coisa.
- A senhora...já tentou contatar a polícia?
- Fiz isso ontem, está na mão do meu bom Deus agora. Eu espero que ele volte bem, e não tenha sido nada demais. Depois das coisas que saíram na televisão, ninguém parece saber o que vai acontecer nessa cidade.
- ......Eu...aposto que vai...ficar tudo bem, sim.
- Oh, eu consigo notar na sua voz, eu espero também não estar te preocupando em excesso com isso.
- Ah não se preocupe, Dona Maria. Também estranhei isso, é claro...e estranho seria se não nos preocupassemos, não é? Eu apenas prefiro acreditar sempre no melhor.
- Você está mais do que certa em pensar assim, Fernanda. E se tem alguém que eu sei que se preocupa com ele talvez até mais que eu mesma, esse alguém certamente é você.
[Ela tenta demonstrar um sorriso tímido enquanto fala ao celular] - ...A senhora é um amor.
- Caso me falem algo, eu farei questão de ligar. Fique bem.
- Você também.
- ........[Suspiro].....
- ......Pode se esconder, desgraçado. Mas quando a gente achar quem fez isso, EU....vou impedir....que você ache, que o seu plano deu certo. Seja lá quem seja.
[Suspiro] - .....Isso.....unicamente isso.
- Eu que agradeço o espaço oferecido pelo seu programa. Quem não gostaria de estar aqui?
[J.J. Jaime] - Eu conheço algumas pessoas que não, talvez rs. "Esse tipo sempre começa assim...", pensava para si mesmo. Por fora, Jaime ainda terminou sua pergunta com um tom respeitoso, quase reverente. Seu entrevistado sorri, antes mesmo de responder. Um sorriso calmo, seguro, e treinado.
- Antes de mais nada, eu gostaria de dizer algo muito simples — como cidadão. São Paulo passou por dias difíceis. Dias de medo, de incerteza…dias de silêncio.
Ele faz uma curta pausa nesse momento. Não dramática demais. O suficiente para deixar um nome ecoar, mesmo sem ser dito.
- Momentos como esses nos dizem muito mais sobre algumas coisas, do que gostaríamos de ouvir. Mas não devemos escolher qual verdade nos serve, e sim aquela em que realmente vivemos.
[Michael] - ....., pensava ele, ao assistir a televisão naquele momento. Ele parecia de certa forma inquieto com aquelas falas - um incômodo do qual ele já levava dentro de si desde o dia em que aconteceu.
- Nunca soubemos quem era o Homem-Aranha. Legalmente, um problema? Talvez. Na prática, fez alguma diferença?
[Michael] - .....
- Ele era um cidadão como qualquer outro dessa cidade. E mesmo que usando uma máscara, quantas vidas ele salvou? Quantas vidas, ele inspirou? As pessoas de nossa cidade aprenderam a se sentir mais seguras com o apoio de um cidadão como elas, mesmo que ele fosse um vigilante. Não desmerecendo nossos policiais, mas...é histórico, não acham? Símbolos nascem desse jeito. E não atoa, suas perdas são igualmente sentidas. Cicatrizes que seguem sangrando, em todos.
[Michael] - ....Aonde ele quer chegar com isso?
[J.J. Jaime] - ...Mas é preciso haver um depois, não é?
- Quando uma cidade perde seus símbolos, meu caro. Ela não pode perder sua esperança junto. Porque é isso que ele com certeza falaria, se estivesse aqui. E é assim que continuamos o que ele nos motivou a continuar fazendo: acreditar em um amanhã melhor.
[Michael] - .....
[J.J. Jaime] "Hum, até que demorou..." - E isso pode incluir os investimentos do senhor, presumo.
[Riso tímido] - Dizendo assim, parece até que só decidi vir ao seu programa, Jaime, para me autopromover em cima de uma tragédia.
- Ah, eu não disse iss...
- Não se preocupe, eu sei disso, por mais que possa haver colegas da sua profissão que possam talvez pensar desse jeito, ou mesmo alguém do seu público. Quer dizer, todos nós já vimos casos assim nesse país, eu entendo essa desconfiança, ele diz, inclinando levemente a cabeça. Mesmo para J.J., conhecido por ter respostas pertinentes e rápidas em casos assim, o silêncio acabou sendo a sua escolha nesse momento. Seu entrevistado, parecia saber bem como reagir a tudo.
[Michael] - [Suspiro] porque eu ainda estou assistindo isso....
- Minha empresa sempre demonstrou uma presença significativa em suas áreas de atuação já fazem uns bons anos. Não apareceu agora. Nós investimos em tecnologia urbana, em pesquisa médica, e até começamos a trabalhar com energia limpa, muito antes dessa crise. Ele cruza as mãos, uma postura aberta, confiável ao olhos da câmera. - E enquanto alguns escândalos eram expostos agindo nas sombras, nós sempre escolhemos trabalhar à luz do dia.
- Muitos certamente ainda se recordam daquele último incidente caótico envolvendo Carlos Kasady. Fizemos questão de ser uma das empresas que prestaram apoio ao governo para auxiliar na reconstrução das áreas atingidas na época, com alguns de nossos drones de teste auxiliando equipes de emergência, bem como nossos laboratórios cedendo recursos para hospitais públicos. Não por obrigação, mas por compromisso. E nenhum de nós teria conseguido se o Homem-Aranha não tivesse o derrotado antes, não é?
[Michael] - Ah....
Nesse momento, a câmera se fecha em seu rosto. O tom fica mais pessoal.
- Essa cidade merece realmente aprender a lógica que seu símbolo caído já sabia, e que todos no fundo já sabíamos e sabemos como funciona. Não dar passos para trás só porque as coisas ficaram difíceis. Nossos cidadãos merecem pessoas que entendam que progresso não é apenas discurso…é também ação, ele diz sorrindo novamente, agora com um brilho quase inspirador nos olhos.
- Aproveito esse humilde espaço em seu programa, Jaime, para reafirmar meu compromisso e da minha empresa para com quem também reside na mesma terra. Ditos super-vilões ainda são apenas criminosos, com objetivos de criminosos. Eu acredito em uma cidade que não dependa de milagres, para garantir que nossas famílias possam acreditar que amanhã poderá ser um dia melhor. Uma cidade que confie na ciência. Uma cidade que confie na ordem.
O programa começa a se aproximar do fim de seu horário. Jaime até tenta intervir, mas o entrevistado segue, como quem já dominou o espaço de fala que lhe foi dado:
- Uma cidade, que não vai precisar ter de esperar que por acaso apareça um novo vigilante do nada para nos fazer lembrar do que já sabemos que é do nosso direito, como cidadãos de bem - porque teremos estruturas fortes o bastante para não precisar de qualquer um deles.
Um silêncio breve entra em cena. Calculado. É nesse momento, que ele de fato conclui sua fala, com uma voz firme:
- Pois se há algo que nós da Oscorp Sciences, e que eu incluso, Nélson Osborn, acreditamos cegamente. São nessas palavras. Pois se há realmente algo que o mundo exige…isso é evolução. Obrigado pela atenção de todos.
- ....E assim vamos encerrando mais um programa, nos vemos na semana que vem [os créditos sobem].
Quando os tempos ficam nebulosos, ninguém sabe pra onde deve olhar. A maioria das pessoas está propensa a precisar de um norte direcionado. Algo facilmente manipulado, nas mãos de alguém que saiba se vender. Ele está vendendo o sonho, isso é o que ele está fazendo. E as pessoas...ah, as pessoas vão comprar. Como compraram antes. Mas há sempre algo a mais para se entender nesse jogo.
Cada gesto calculado. Cada palavra cuidadosamente escolhida. Ele não está ali por altruísmo. Não é sobre crianças ou famílias...é sobre ele. É sobre imagem. E isso sempre exige uma troca. E da mesma forma que ele mexeu as suas peças, há sempre quem possa mexer as suas próprias.
Ele está subindo, sim. Mas está subindo numa escada feita de acordos, feita de mentiras. E as escadas feitas de mentiras...podem ser bem frágeis. Ele não é Deus.
Ele acha que é imbatível, não? Que a mídia vai o proteger. Que vão cantar as suas vitórias, mostrar suas fotos sorrindo...mas todo mundo esquece o que acontece nos bastidores. Essas mesmas pessoas que ele ilude não fazem a menor idéia do que ele já teve de fazer para se manter no topo, não é mesmo? Acham que é só mais um cara 'bem-intencionado'...as pessoas naturalmente adoram heróis, gostam de acreditar em perfeição. Ele manipula o público, constrói essa imagem, vende sua história...tudo com o objetivo de fazer seu nome brilhar.
A mídia, as câmeras, os aplausos. Quando você vive em uma bolha de mentiras...a realidade se mostra muito mais dolorosa quando ela estoura. A maré da onde você está agora nem sempre joga a seu favor, ou pode ser comprada, muito menos silenciada. Você não é o herói desta história, Osborn. E é por isso mesmo que digo que, quando há uma queda assim, para alguém que realmente o seja.
O melhor lugar para se estar, é sempre onde ninguém pode te ver cair.
Continua
Por: Riptor







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