Stephen King fast-food.
E finalmente acabei Tripulação de Esqueletos. Normalmente faria uma introdução
verborrágica sobre o assunto, mas não. Preciso expurgar este livro de mim.
Preciso ler coisas novas. Preciso tirar Stephen King da minha vida pelos próximos
meses. É o que farei nas próximas linhas e espero que gostem.
EDIÇÃO FÍSICA
Publicado por Stephen King em 1985, a edição lida é pela Suma de Letras, de
2016, com 623 páginas. Com capa cartonada e seu miolo é de pólen soft.
Foram encontrados quatro erros de concordância, mas nada que interfira a
leitura de maneira geral. Também no conto A Balsa onde Randy foi digitado como
Rudy.
CRÍTICA
Este livro não tem uma sinopse fixa. São 22 contos dos mais variados gêneros.
Terror, horror, suspense, comédia e drama. A quantidade de páginas também é
errática. O Nevoeiro é o conto mais longo, com quase 150 páginas, mas a maioria
contém 20. Há os de 5, 10 e até 60 páginas. Há um conto/poema de duas páginas.
Como podem ver, é errático e inconstante. Com isso, agradar ou não ao leitor é
extremamente subjetivo mas, porém, é inegável o cansaço que o livro cause ao
abrir mão da uniformidade de gênero e estruturalista. Falarei disso mais à
frente.
Conforme eu citei mais acima, são muitos contos. Eu não vou
passar a sinopse de cada um mas vou falar sutilmente de pontos que me agradem
ou não aqui e ali. Claro que vou falar de O Nevoeiro e de mais alguns também. Abaixo, a imagem do sumário do livro.
Antes de mais nada, importante dizer: Stephen King é um
autor que tem um estilo próprio com sua verborragia e desenvolvimento
detalhista. Já falei anteriormente e repito: IT figura como uma das melhores
obras de horror que já li até hoje e tem mais de 1100 páginas. Um escritor
assim que acaba escrevendo contos, por mais que sejam de períodos que variam
entre 1969 e 1985, há uma quebra tremenda para quem conhecer mais o seu estilo
alongado. No meu caso, como já conheço alguns dos vícios de King como finais
aquéns, longas descrições, foco no psicológico, afirmo que a linguagem dos
contos – que muitas vezes abrem mão de tudo isso – torna o Mestre uma leitura
fast-food, quase abraçando leitores iniciantes que não sabem muito sobre ele.
Talvez estas palavras acima soem erradas. Há um bom material de SK no livro
mesmo com estas limitações. Apesar de O Nevoeiro ser um ótimo exemplo desta
destreza, A Excursão como início de uma utopia, Caim Rebelado que abraça o
processo de desenvolvimento da catarse sobre assassinatos, A Festa de Casamento
sobre preconceito e fim da inocência, A Balsa e a ameaça do isolamento por
causa de uma mancha na água de um lago, O Processador de Palavras dos Deuses e
sua deturpação de um Deus Ex-Machina, Vovó e sua tensão crescente de uma
criança com a metáfora sobre a 3ª idade e Sobrevivente que brinca com drogas e
autofagia, são contos que servem não apenas como alento, mas também de escopo
para que o livro se mantenha um patamar acima.
A maioria dos contos do livro são alongadas Apresentações (uma história é
composta de Apresentação, Conflito, Clímax e Desfecho) e desfechos brutos.
Alguns destes não funcionam como finais pela já citada inabilidade de Stephen
King em apresentar fins satisfatórios. Se em histórias longas ele peca pela
pressa ao terminar uma história, aqui ele o erro consiste na tentativa de
tornar os Desfechos em impactos narrativos. Poucas vezes os plot twists
funcionam bem e, na maioria, nada agregam mesmo que a história não seja boa. Um
Mundo de Praia, por exemplo, é uma história que começa ruim e termina do mesmo
modo. Apesar de ser um tema pouco explorado por King, a exploração espacial,
poderia ser facilmente limada do livro pela falta conteúdo. Aqui há Tigres e
Macaco são terríveis por serem contos inócuos. Em Para Owen é um exemplo de
nada com coisa alguma. Stephen King erra brutalmente no único poema de todo o
livro, sendo muito mais focado em render as páginas do que algo a ser dito.
Chamo este de “único” poema porque Paranoico: Um Canto é apenas um conto
disfarçado de poema e seria injusto chamá-lo como tal.
O Nevoeiro |
Estes não são os únicos exemplos de coisas ruins do livro. O Homem que Não Apertava Mãos é desfocado e tenta tratar de muitos assuntos num conto só. Leiteiro nº2 é terrivelmente desprovido de estética ou qualidade da natureza social.
Mas talvez os piores mesmo sejam O Atalho da Sra. Todd e A Balada do Projétil
Flexível. São longos demais e nitidamente sofrem pelo desfoque narrativo que às
vezes acomete King. Isto já foi sentido nas críticas de CELULAR e O APANHADOR
DE SONHOS, mas ao menos ambos tiveram os erros diluídos em obras compridas e
com o mínimo de proposta. Fazer estes mesmos problemas aparecerem em um livro
de contos é apenas compactar as deficiências e torná-las visíveis mais
facilmente.
Dentre estes, há os meios-termos. O Braço de Mar, A Imagem
do Ceifeiro, Nona, O Caminhão do Tio Otto. Se eles trazem consigo a (segundo o
próprio King, sua) “Elefantíase Literária”, conseguem ter bons momentos de
tensão e carregar nas incertezas.
A partir deste rápido apanhado, preciso dizer que variar tanto entre gêneros
pode ser um tiro no pé, ainda mais se levar em consideração de que o livro se
vende “pelo pavor de criaturas abomináveis e por um terror abominável de gelar
o sangue”, segundo sua contracapa. Esses extremos que o livro não lhe apresenta
são bastante cansativos se você embarca sem saber. Estas variáveis abruptas
tiram muito da imersão, tornando a leitura distante e sem o mínimo de apego.
Avaliando com um pouco de frieza, talvez Tripulação...
seja faltoso no próprio conceito ao se levar a sério demais e esquecendo de
se tratar como um livro que trabalhe, sob determinada ótica, do início de
Stephen King apresentando suas virtudes e problemas.
A Balsa |
Algumas notas soltas sobre o livro que são importantes de destacar: O gore não é objeto de estudo como outras obras apresentam, mas marcam presença de forma bem eficaz. Em O Nevoeiro, mesmo sendo pontualíssima, a violência gráfica funciona como hipérbole da tensão que é trabalhada ao longo do conto. Isso vale para outros contos também, mas não citarei quais a fim de evitar spoilers. Alguns contos tratam muito bem da terceira idade. O Braço de Mar e Vovó têm pontos de vista diferentes sobre o assunto, mas conseguem passar uma realidade pungente com a vida de pessoas idosas em suas limitações. E terceiro e último ponto, o único erro de Stephen King numa história durante o livro todo é colocar Billy, de cinco anos – filho de David em O Nevoeiro – mais uma vez como uma criança que pensa, age e fala como uma de dez anos. Este problema já aconteceu na leitura de O Cemitério com uma Ellie Creed da mesma idade e capaz de criar subterfúgios filosóficos geniais sobre vida e morte. Ainda que esta última obra seja cronologicamente posterior a Tripulação de Esqueletos, é sempre estranho ver crianças agindo com este grau de complexidade quando elas deveriam ser um pouco mais limitadas pela questão da idade e inexperiência.
Isto posto, Tripulação de Esqueletos é um livro
relativamente bom, com imperfeições grotescas mas capaz de divertir quem
conheça pouco ou nada de Stephen King, até mesmo quem queira algo de leitura descompromissada. Se já existe leitura prévia do autor, é
uma obra que não fará a menor falta no todo, focando apenas nos detalhes e
curiosidades mórbidas. Recheada de erros e acertos, o livro está longe de ser
ruim, mas consegue ser, eventualmente, maçante e limitado. Ainda assim, existem
grandiosos acertos que, se não aliviam a sensação de fim ao acabar de lê-lo,
transmitem a sensação que ainda há o que ser dito ali com King em seu estado
bruto.
NOTA: 7,0
Então é isso. Espero que tenham gostado.
Boas leituras e até a próxima.
Saitama.
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