quinta-feira, 28 de maio de 2020

Saitama Critica #15: O Sol da Meia-Noite



A volta de Jo Nesbø ao blog.

Algum tempo atrás, fiz a crítica do livro Sangue na Neve para o Família Marvel (que você pode conferir AQUI) e acabei, alguns meses depois, comprando o livro O Sol da Meia-Noite, que é uma espécie de continuação indireta do primeiro. Então, vamos falar um pouco do livro.

🌞EDIÇÃO FÍSICA🌞

Escrito por Jo Nesbø e lançado no Brasil pela Editora Record em 2018, O Sol da Meia-Noite tem 224 páginas em pólen soft e capa cartonada.

Não foram encontrados erros de ortografia ou digitação.

🌞CRÍTICA🌞

À sinopse: Ulf Hansen acabou de fugir de Oslo, capital da Noruega, onde é procurado pelo Pescador, o traficante mais poderoso da cidade, criminoso qual Ulf passou a perna e roubou uma quantia considerável em dinheiro. Ele cruzou a fronteira e chegou à uma cidadezinha litorânea do interior da Noruega, que faz divisa com o oceano ártico, disposto a não parar de se esconder. O que ele não contava é que se apegaria a Knut, um menino local e que também se apaixonaria perdidamente por sua mãe, Lea, uma mulher extremamente religiosa que espera pela volta do marido, que sumiu nas águas árticas.

Ao terminar de ler O Sol da Meia-Noite, fiquei, por alguns minutos, me indagando o porquê da reação morna de um certo número de leitores ao livro. Não que eu o tenha achado incrível ou que tenha mudado minha vida. É um livro que funciona e isso, ao menos em teoria, deveria ser o suficiente.

Sequências sofrem expectativas irreais. Temos pelos menos um punhado de exemplos disso na cultura pop e nem preciso citá-las. Tenho certeza que vocês lembrarão de pelo menos um ou dois casos de continuações “aquéns”. Mas ok, é mesmo preciso dar o mesmo tom, considerar pequenos defeitos como crassos e condenar pessoas por causa disso?

Eis que Jo Nesbø sofre desse mesmo estigma por parte de seus leitores. Criador de O Boneco de Neve, ele foi “obrigado” a criar obras cada vez mais contundentes e densas. Vejam bem: Não estamos falando aqui de uma C.J. Tudor que deu algo legal e depois um quase-plágio (se você não sabe do que estou falando, me pergunte nos comentários que responderei com prazer) e agora sente pressão a escrever algo mais autoral. Estamos falando das expectativas irreais diante de um escritor com notório talento e que precisa ter seu espaço para se exercer.

Se em Sangue na Neve, tínhamos um Olav Johansen como um poeta que só sabia matar e que se apaixona perdidamente, em O Sol da Meia-Noite temos um Ulf que não enxerga lirismo em nada, não sabe sequer matar sem sentir peso na consciência e que é péssimo em tomar decisões. Ao tomarmos essas comparações, Ulf é nitidamente inferior quanto protagonista quanto força bruta e assassina que resolve as dificuldades impostas pelo autor de forma definitiva ao apertar o gatilho. Mas isso o torna ruim?

Não.    

O sol da meia-noite que acontece no norte do planeta

 Ulf tem outras questões a lidar que o enriquecem de maneira sutil, mas palatável. Ele sofreu uma perda no passado, tem um passado com drogas e trafica de maneira pequena para sobreviver. Qualquer envolvimento com o vilão da história (que é o mesmo de Sangue na Neve) é por, primeiramente, negócios e depois, necessidade. Ao limitá-lo, Nesbø precisaria, a princípio, pensar em outras situações a serem trabalhadas, o que ele faz bem. Ao inserir o pragmatismo religioso do Laestadianismo (a grosso modo, semelhante ao Protestantismo mais conhecido, mas muito mais rústico e calcado primariamente no Velho Testamento), Nesbø coloca mais do que o questionamento religioso de Ulf, um ateu convicto, diante do diferente, mas em rota de colisão com Lea, a mulher por quem se apaixona, ainda que de uma maneira moral, porém indireta.

Aliar tudo isso ao bucolismo de Kåsund, subúrbio de Kautokeino, um município da Noruega, muito próximo da fronteira com a Lapônia também funciona eficazmente. Dentro disto há um adendo de estranheza, que dá título ao livro: O Sol da Meia-Noite. Como a região da Noruega fica ao norte do planeta, muito perto do Oceano Ártico, durante o solstício ocorre um pôr-do-Sol que nunca se completa fazendo que o dia aconteça mesmo durante à noite. Apesar deste caso ser mais figurativo, faz com que o leitor brasileiro que não tenha qualquer conhecimento sobre a região Norte do planeta perceba uma diferença não apenas cultural.

Deixando a ambientação e seus personagens de lado, a história continua no gênero policial, apesar de qualquer resquício de thriller ser quase totalmente abandonado. Nitidamente, Jo Nesbø procura, dentro deste segmento, fazer uma reflexão: A violência é tolerável até que ponto? Um homem de passado questionável não teria o direito de cansar dos tiros, das lutas e de tudo que acompanha esse tipo de coisa? E nisto, talvez, resida a maior “rusga” da obra com os leitores. Diferenciar radicalmente O Sol da Meia-Noite de Sangue na Neve em sua forma e conteúdo é ousado. Trazer uma trama mais trabalhada que diminui o papel de um revólver e exalta a possibilidade de reinício é perigoso para apresentar aos fãs que viram em Olav, do livro anterior, um personagem mais representativo do gênero. Sejamos honestos: Olav era simples e este era o grande prazer do livrom ou seja, qualquer complicação do protagonista estava na interpretação do leitor e não necessariamente exposta. Ulf é justamente o oposto. Um complexo de forma aberta, mas sem a sede de atirar de Olav. Ulf é um complexo que está farto de tudo, inclusive de si mesmo.

Tecnicamente, O Sol da Meia-Noite é uma obra boa, mas sem grandes surpresas. Com uma trama mais intimista, os plot twists são mais pessoalistas, então não é nada que a mova, porém, mexem internamente com o protagonista e seus coadjuvantes orbitais. Muito focado em apontamentos minimalistas e conceitos religiosos, o desenvolvimento é bom companheiro da dicotomia da ambientação. Há algumas piadas que soam involuntárias sobre inferno, fé e ateísmo que soam como humor negro e realmente funcionam não pelo riso (que não acontece), mas que permitem a leveza que uma história dessas dificilmente teria sem algo assim.

O autor Jo Nesbø

O grande
problema narrativo do livro está, sem dúvida alguma, no clímax e seu subsequente desfecho. É simplório, corrido e muito, mas muito incompleto. Toda a entrelinha é deixada de lado em nome de uma mensagem que cabe estruturalmente, porém, os caminhos fáceis deixam o saber de irrealidade. Seria demais falar detalhadamente por causa de spoilers, então deixo que a curiosidade eventualmente bata à porta a quem interessar.

Isto posto, O Sol da Meia-Noite é uma obra que sofre da injustiça de ter que dizer algo tão forte quanto seu antecessor, porém carrega uma mensagem própria. Com erros em seu final, ainda que busque dizer alguma coisa, dá a sensação de que Jo Nesbø está cansado da violência das suas obras e que um pouco de sorrisos não mata ninguém. Talvez ele esteja certo, mas textualmente, a forma executada da ideia empobrece o conceito.

Livro para ser lido sem grandes expectativas e talvez sem conhecimento prévio de Sangue na Neve, ainda assim, aconselhável a quem quer pensar um pouco mais do que o normal sobre a normatização de tiros, sangue e morte.

🌞NOTA: 7,5

Então é isso. 
Espero que tenham gostado. 
Abraços e boas leituras. 

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