Já que todo mundo fala de nazismo hoje em dia, faremos isso
também, só que do jeito certo.
Promessa feita, promessa cumprida. Vamos ao que interessa.
EDIÇÃO FÍSICA
O Homem do Castelo Alto é um livro escrito por Philip K.
Dick em 1962 e relançado pela Editora Aleph em 2019 contendo capa cartonada e
páginas em pólen soft. Uma obra fisicamente bem protocolar.
Não foram encontrados erros de ortografia e sim de digitação
na pág. 73 [“fi-ica”], Página 97 - filosófi-icas (Obrigado, Wagner).
CRÍTICA
AVISO: Este livro é bastante estudado em diversos meios,
portanto não vejam o texto abaixo como um veredito assertivo ou exato sobre todos os
contextos filosóficos que ele carrega. É apenas uma opinião técnica e estética
de um leitor técnico e estético. Portanto, que a crítica seja um início e não
um fim a cerca de sua possível leitura.
Por hábito, à sinopse: No ano de 1962, os Estados Unidos
vivem uma colonização alemã e japonesa após o fim da II Guerra Mundial, onde
ambos os países aliados do Eixo venceram. Dentro disto, pessoas comuns tentam
sobreviver num cenário econômico e social completamente sensível, difícil e
tenso.
Clássico de Philip K. Dick, O Homem Do Castelo Alto,
definitivamente, é uma obra que se pretende a alguma coisa interessante e numa
linguagem peculiar. É importante dizer que o termo de especulativa, antes de
mais nada, se propõe a falar sobre uma possibilidade calcada em fatos
históricos, científicos, sociais ou religiosos. Toda Distopia especula, isto é
fato. Mas nem toda a especulação se torna, de fato, uma distopia de qualidade.
Dito este pequeno contexto, vamos por partes:
Dick divide o livro em cinco pequenos núcleos de protagonistas:
1) Frank Frink e o núcleo do homem civil tentando viver sua vida cotidiana como judeu num EUA tomado pelos nazistas e japoneses;
2) Juliana Frink como a mulher que anseia por liberdade diante do autoritarismo italiano;
3) Robert Childan é o clássico exemplo de homem entre moralidade e capitalismo;
4) Sr. Tagomi como o vínculo japonês do livro;
Dick divide o livro em cinco pequenos núcleos de protagonistas:
1) Frank Frink e o núcleo do homem civil tentando viver sua vida cotidiana como judeu num EUA tomado pelos nazistas e japoneses;
2) Juliana Frink como a mulher que anseia por liberdade diante do autoritarismo italiano;
3) Robert Childan é o clássico exemplo de homem entre moralidade e capitalismo;
4) Sr. Tagomi como o vínculo japonês do livro;
5) Sr. Baynes é um homem enigmático que permeia conceitos de humanidade e empatia.
Por incrível que pareça, os personagens, apesar de serem
numerosos para uma história de trezentas e duas páginas, são a parte menos
importante quanto individualismo da obra. Não existe uma aproximação do leitor
com eles que seja racionalizada ou pelo emocional. Aqui, os protagonistas não
saem da segunda camada e qualquer vínculo fica um tanto impossibilitado por
causa das linhas contextuais que o livro trabalha. E em O Homem do Castelo
Alto, isso não chega a ser um defeito se houver um certo desprendimento e
entendimento que há coisas maiores que valem a pena ser esmiuçadas.
Como o livro se trata de uma distopia, o apanhado principal
é a apresentação do cenário histórico como exegese* (ver em Dicionário informal ao fim do texto). Dick vai a fundo na imagética
da obra de maneira não casual, ou seja, sem apresentar muitas descrições para o
leitor, mas trazendo sublinhas das situações que agregam ao momento da
humanidade apresentada. Dentro desta tecnicalidade, a narrativa é impecável e,
por que não dizer, perturbadora usando muito pouco. Isto pode ser atribuído às
palavras exatas que o autor as usa precisamente. Ele sabe alongar as
sentenças em momentos de relaxamento da história e, sabiamente, separa melhor a
ação quando necessário em frases curtas, de maneira que se obriga a escrever de
maneira mais objetiva. De início parece inútil citar uma coisa dessas mas há
toda uma metodologia atrás disso e que é mais do que funcional. E chamo de "funcional" porque, ao ler com mais atenção, os trechos se mostram bem divididos
e conseguem trazer as sensações necessárias à tona. Dos sentimentos mais
corriqueiros, à grandeza.
Por isso, sob a ótica de desenvolvimento, o livro é lento.
Os elementos naturalistas são pontuais, porém contundentes. Tanto o Determinismo
do Nazismo como peso no destino dos personagens, quanto seu engajamento
político e uma certa involução civilizatória auxiliam na ambientação, porém,
são utilizados à exaustão. O próprio devaneio tecnológico alemão que entra
em choque com o período dos anos 60 causam alguma estranheza, por mais que
existam justificativas que, como sempre, são entrelinhas. Este sentimento é mais pungente no que se tange planos espaciais dos quais soa muito mais como propaganda para uma sensação de Guerra Fria que há entre a Alemanha e o Japão. Ainda assim, na falta
de uma explicação melhor, é tudo propositadamente quase anacrônico sem realmente sê-lo.
Portanto, é possível perceber a quebra altamente
contemporânea dos limites da linguagem erudita e sua organicidade com o popular
quando O Homem Do Castelo Alto varia entre suas várias camadas mais complexas e
entra na narrativa simplificada quando necessário. Isto é visível tanto no
espelho dos personagens e nas similaridades metafóricas que vivem de acordo com
as situações, cada qual ao seu modo periférico, até o conceito metalinguístico
do livro ficcional “ O Gafanhoto Torna-se Pesado”, que vários dos protagonistas
conhecem durante o passar das páginas. Este livro dentro do livro funciona como
transposição e releitura da nossa própria estupefação ao perceber que o Nazismo
sendo vencedor. Na ficção do autor imaginário Hawthorne Abendsen a intenção é
chocar os personagens com uma distopia em que a Alemanha e seus aliados são
vergonhosamente derrotados. Eis um elo de ligação que funciona de maneira mais
aberta com o leitor: A incredulidade de fatos imaginários, mas que ao mesmo
tempo, ainda reverberam atuais e perigosos.
E isto liga-se à narrativa que, por se focar num realismo
micro diante do macro preocupado em esmiuçar a sociedade pós-guerra mais do que as personalidades individuais como um todo, permite-se abrir desenvolvimentos sem maiores
explicações, incluindo seus desfechos abertos e pontualmente reflexivos. Não
soa necessariamente errado, mas não parece completar num círculo. Não deixa de
ser um pedaço faltante. E nisto, um paralelo irônico: O I Ching – uma espécie
de sincretismo filosófico de cinco mil anos que foi transformado em interpretação de frases
sábias e que dita o destino de certos personagens de forma fanática a ponto de
sequer se sentirem aptos a tomarem decisões – sempre tão disposto a fechar
ideias erradas ou destinos específicos, acaba virando um contraponto
involuntário à certas liberdades narrativas de Dick. Destoa, porém, é possível
encarar isso dentro dos subtextos da obra.
Outro ponto que, apesar de específico, é marcante, é a
apropriação cultural. Seja nas bicitaxis que apenas chineses dirigem em plenos
EUA ou a ideia de tirar de totens americanos simbologias dos mesmos chineses
para se aproveitar da crença dos mais pobres são dois exemplos disso. Há também
o contexto mais extremos desta situação em outras duas vertentes: a
primeira é quando trata-se de negros, pois os que sobraram são escravos em
todas as escalas de existência que lida também com a subserviência à situação.
A segunda, e mais densa, é em como a Alemanha toma para si todo e qualquer
judeu no mundo, independente da nacionalidade. Não é apenas a teocracia
disfarçada de sociologia, mas também autocracia normatizada de que todo e qualquer judeu prossegue ad eternum um câncer existencial.
Mais uma questão profunda se dá ao apresentar tantos
subtextos como economia, sociedade, relações diplomáticas, tensões
governamentais e outros. Assim, o autor traz à baila a discussão do que é formado um
país. Seria de seus concidadãos? Seu comércio? A
aceitação de holocaustos continentais? A plutocracia (O rico que interfere no
poder para outros ricos, ou o rico que governa para seus pares) é o caminho
natural num governo ideologicamente afetado mesmo que este fosse nazista? O
livro não se relega a responder nada disso, porém, faz algo ainda mais complexo
e decide que o leitor precisa ter essas dúvidas e, talvez, se interessar em
pensar numa resposta.
O autor Philip K. Dick. 1928 - 1982 |
A catarse também é utilizada, mas como objeto religioso três
vezes. As situações são distintas, sendo uma voltada ao capitalismo e outras
duas como processos de descoberta interior. Também é possível entrar neste
mesmo contexto ao analisar o estudo de personagem quanto autor, o que linka com
o já citado Hawthorne Abendsen. É rápido, mas não obstante a dar o tom de toda
a ideia por trás dO Homem Do Castelo Alto, consegue trazer à tona Philip K.
Dick e sua ideia de autoralidade sobre uma ideia, assim como sua motivação.
Isto posto, O Homem Do Castelo Alto é um livro de semiótica* que se aprofunda com
simplicidade e é uma obra exigente de maior atenção. Mas é inegável que existe
um mundo perfeitamente palpável e com estética* pesada aqui e que não faz a
menor questão de explicar quase nada. Pouco otimista e demasiadamente
histórico, O Homem do Castelo Alto é quase litúrgico dentro de uma grande
mentira. Leitura crassa, porém, para poucos e instigante dentro das limitações
de cada um, ainda que tenha lá seus tropeços. Ao usar o nazismo, um medo
secular supremo, para falar de desigualdades e outros pecados humanitários, o
livro não apenas se propõe a apontar possibilidades, consegue ser atual e
provocativo a quem souber aproveitá-lo.
NOTA: 9,0
Então é isso. Espero que tenham gostado.
Abraços e boas leituras.
Saitama de R'lyeh
🔴Dicionário Informal
Exegese: Análise, interpretação, explicação detalhada de uma obra.
Semiótica: Modo de reflexão sistemática sobre signos e significados, tudo que carrega algum sentido e transmite a informação da obra.
Estética: Mecanismo estudado que proporciona efeito emocional em seu leitor com sua sensibilidade.
Teocracia: Sistema político baseado em religião.
Autocracia: Sistema político baseado no poder de decisão de apenas uma pessoa.
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