domingo, 24 de janeiro de 2021

Recomendação #8 - Wolfwalkers (2020)

 

Rostos Novos, Gosto Agradavelmente Familiar 

            

Desde que eu comecei esses posts de recomendação, eu gostei de priorizar justamente produções nem tão faladas como poderiam ser (isso que elas nem são tão antigas assim). A última que eu fiz com um projeto assim foi em setembro, e ultimamente (já nesse ano), eu acabei percebendo que esses casos podem acabar acontecendo com mais rapidez do que uma questão de 1 ano, 2 anos. As vezes, só é preciso alguns meses.


Esse pra mim é o caso de Wolfwalkers.


Tendo estreado no Festival de Toronto em setembro de 2020 (ele foi posteriormente apadrinhado pela Apple, que o lançou em sua plataforma de streaming em dezembro), Wolfwalkers seria uma espécie de parte de uma "trilogia" de filmes sobre o folclore irlandês comandadas pelo diretor Tomm Moore, que a iniciou em O Segredo dos Kells (2009, onde co-dirigiu com Nora Twomey) e a continuou em A Canção do Mar (2014), onde dirigiu de forma solo mesmo (em Wolf, Ross Stewart o fez companhia nesse sentido). 

Quando descobri isso, a idéia me lembrou de certa forma justamente uma obra que protagonizou um desses posts (no caso a BR Juro que Vi), ainda que ali eles fossem curtas. Também tenho de ressaltar que eu não vi os filmes anteriores desse projeto de Moore (talvez eles não entrem aqui no futuro?), então não espere algum tipo de "comparação" vindo da minha parte. Com isso dito, posso dizer que minhas impressões iniciais com o cineasta irlandês foram realmente positivas.


Se me lembro, eu já usei esse termo aqui, e eu gosto de o usar no FM com uma frequência considerável: o chamado "filme [você também pode colocar outra obra fora desse meio nisso] honesto". Ser honesto em sua proposta, e não querer "reinventar" a roda (que parece algo estranhamente cobrado hoje vindo de uns), é algo que eu acho justo de ser levado em consideração para certos projetos, porque as vezes é justamente ambições acima de seu alcance, que acabam atrapalhando o produto final. Wolfwalkers, assim como filmes como O Uivo e Paddington  principalmente, tem noção disso, e junto de uma dupla de diretores competentes, mostra ao que veio. E se o filme protagonizado pelo ursinho adorador de marmelada tem uma alma de Sessão da Tarde (no melhor sentido da palavra), a animação de Moore & Stewart tem gosto de Renascença Disney.  

Enfim, conforme eu já antecipei, por ter como base o folclore irlandês, o filme obviamente se passa na Irlanda (precisamente em 1650), onde acompanhamos a trama de Robyn, uma garotinha que claramente não quer simplesmente se encaixar no papel que a sociedade da época à dá, o que inclui o próprio pai, o caçador Bill. Ambos, por sua vez, são na verdade ingleses que se mudaram para lá, ao residirem em Kilkenny, para onde o pai de Robyn fora convocado pelo Lorde Protetor (um homem sem escrúpulos que age como o governante da cidade) e que dá ao mesmo a ordem de exterminar os lobos da floresta ao lado, em busca de expandir seus terrenos.


Robyn, até por seu estilo aventureiro, quer ir junto com o pai na missão, mas ele obviamente insiste que a filha fique em casa. Mas logo a garota (claro) usa sua esperteza para conseguir sair dali, o que acaba ocasionando em seu encontro com Mebh, uma Wolfwalker (que consegue não só se comunicar com os lobos, e vive com eles) como também conta com a habilidade de se tornar um, ao dormir. E apesar de todas as suas diferenças, a amizade que acaba se formando entre as duas fará com que Robyn não só tente ajudar sua nova amiga em meio aos perigos iminentes que se aproximam, como também fará a mesma descobrir algo dentro de si.

Com isso em mente, o centro do filme é justamente o desenvolvimento dessa relação entre as duas, que apesar das diferenças, acabam se mostrando mais parecidas do que pensam. Robyn tem um senso de aventura dentro de si, mas ainda precisa se provar realmente (enquanto que Mebh, até por suas habilidades), se mostra mais instintiva, algo que acaba servindo até como uma armadilha para ela mesma, para esconder sua insegurança. O constraste entre as duas é realmente bacana de se acompanhar, então simpatizar com as personagens acaba se tornando fácil.


Com isso dito, quando eu disse aqui que Wolfwalkers tem gosto da Disney Renascentista (e caso você por acaso não saiba, foi justamente nesse período que saíram várias animações que são ainda hoje algumas das melhores do estúdio), não é atoa. É realmente aquela história clássica, com personagens tendo que reinventar suas ideologias a partir de situações extremas de transformações (vide por exemplo A Pequena Sereia), ou A Bela e a Fera. 

O próprio antagonista da história, o tal Lorde Protetor, me fez entrar no time que se recordou do Governador Ratcliffe (vilão de Pocahontas) e no meu caso ainda, de Claude Frollo (de O Corcunda de Notre Dame), ao usar a "palavra de Deus" para justificar seus atos questionáveis. Moore & Stewart são outro caso de quem usa desses tipos de elementos (o que inclui o próprio "encaixamento" que a sociedade quer fazer por parte de Robyn), de forma natural na trama, sem querer injetar a força. O filme aborda essas camadas, mas acima de tudo, a simplicidade do real tema sempre está ali: se livrar de uma opressão, e como uma amizade pode ser o empurrão para tal. 

Já quanto à animação em si, ela é simplesmente impecável, em um daqueles casos que talvez não desse tão certo se não fosse em 2D. O tom aquarela comanda cenários ricos, aos detalhes menores (e a própria animação das 2 protagonistas é vivido), seja nos movimentos, ou nas expressões. Isso ainda se junta ao fato da direção claramente ser segura no que quer alcançar, com um dinamismo que sabe quando é hora de se exaltar, ou de se diminuir, ainda mais no sentimento de liberdade e jaulas que ilustram não apenas os acontecimentos da trama. Uma das cenas em particular, com os lobos correndo ao som da música “Running With The Wolves”, define esse sentimento.


No fim das contas, Wolfwalkers ilustra não só o gosto de busca por liberdade, como realmente, a busca por sua própria voz (e o faz), sem esquecer de seu gosto de clássico em um mundo realmente mágico de se olhar. Infelizmente, ainda que exaltado novamente pela crítica como os outros 2 filmes dessa trilogia pessoal de Tomm Moore, o destino dessa floresta soa ser realmente o de ser deixada meio de lado por não ter uma grande marca atrás da mesma. Com certeza vai estar no Oscar quanto à animações, mas sabemos que concorrer com a Pixar ali (agora com seu também ótimo Soul) dificilmente significa derrotar o lado da Disney.

Ainda assim, nunca vai deixar de ser mais uma bela amostra clara não só de que o 2D ainda pode fazer os olhos brilharem, como também mais uma de que animações não precisam ser meramente vazias de sentimentos.

Por: Riptor 

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