domingo, 28 de fevereiro de 2021

Como a Violência realmente Afeta um Filme de God of War

 


* O Texto a Seguir reflete Unicamente a Opinião de quem o Escreve 


Desde que se iniciou em 2005, a franquia God of War já havia conseguido naquele ano mesmo, chamar também a atenção de Hollywood (algo que só demonstrou o nível de popularidade de uma então recém-lançada marca de videogames), que teve então um roteiro completo para um filme escrito por David Self (Estrada Para Perdição) e enviado à um diretor não especificado na Universal Studios. Isso nas palavras do próprio David Jaffe, criador da série. No entanto, ele chegou a declarar: "É duvidoso que o filme seja feito". E ele não errou.


5 anos então se passaram, e Jaffe novamente se pronunciou sobre o projeto, ao dizer que "o roteiro saiu há um ano e meio para Daniel Craig, mas ele recusou", e com outro ator já tendo sido escalado como Kratos. "Esta nova pessoa é muito boa, se isso acabar sendo verdade". Em 2012, o The Hollywood Reporter então informara que Patrick Melton e Marcus Dunstan (O Colecionador de Corpos) foram contratados para adaptar a saga, do qual eles acreditavam que poderia se tornar uma franquia de filmes. E bem, quase 10 anos já se passaram desde então, e o projeto (já com certeza morto), nunca definiu um diretor, não teve nenhum ator confirmado, e nem mesmo uma data de lançamento foi definida...mas o roteiro foi "entregue". 

Desde então, houveram apenas pequenos rumores aqui ou ali, além da declaração do diretor Steven S. DeKnight, que afirmou que gostaria de dirigir uma adaptação da série, ao dizer até ter conversado com a Sony para fazer do projeto ainda Rated-R (para maiores de 16-18 anos). Até um ator em mente, na forma de Dave Bautista, DeKnight já pensara, mas isso nunca chegou a ganhar um escopo realmente substancial.


É bem verdade que adaptações de jogos viveram por muito tempo em um período de trevas quase completo. Obras como o infame Super Mario Bros., Double Dragon, a franquia original quase inteira de Resident Evil (vai, o primeiro se salva se comparado ao resto), Strett Fighter, e House of the Dead (na verdade qualquer adaptação de jogo que Uwe Boll tenha dirigido) fazem qualquer conhecedor dessa indústria ficar com os ossos estalando de desgosto. Em tempos mais recentes, por outro lado, a coisa já deu algum avanço (até mesmo os filmes decepcionantes nesse sentido, como Assassin's Creed), não chegam a ruindade que muitos tiveram de fazer seus olhos verem, e uma verdadeira grande leva de projetos do tipo recentemente, foram anunciados. Quanto à Sony especificamente, tivemos ainda a formação da PlayStation Productions, projetada justamente para criação de adaptações de franquias da marca para o cinema e TV, vide a série de The Last of Us para a HBO, ou mesmo o por muito tempo problemático filme de Uncharted, que se arrasta para ser finalmente lançado. 

A situação desse último é bem similar ao tal filme de God of War: uma então marca nova de games que fez um sucesso tão grande que, com isso, logo teve um projeto cinematográfico anunciado pouco depois do lançamento de seu jogo de origem. No caso, um filme de Uncharted foi anunciado originalmente em 2008, 1 ano depois do lançamento do primeiro game da saga da Naughty Dog. Se uma produção tão problemática poderá ver a luz do dia (e levando em conta que pelo menos 10 adaptações de marcas da PlayStation estão oficialmente em desenvolvimento), parece questão de tempo para que God of War acabe, realmente, engatando algo do tipo, dessa vez como algo de prioridade para a Sony. Afinal, é uma franquia igualmente popular, e Kratos já se tornou um dos mascotes da marca de consoles da companhia desde que surgiu no PlayStation 2.


Mas, olhando por um lado introduzido no próprio último jogo da série (responsável justamente por reformular muitos de seus conceitos), será que essa possível adaptação, que muitos no lugar da Sony apostariam provavelmente mesmo em um filme durante as desventuras originais de Kratos...não acabaria retirando o constraste (pelo menos como ele deveria ser mesmo) que o game de 2018 trouxe para o próprio protagonista? E qual seria ele?


Violência. Mas não apenas porque "deveria ser assim, porque é assim".


Violência é uma das palavras chave de God of War. Em especial, da saga original. Todos conhecem o começo dela: um guerreiro espartano que, em um ato de desespero durante uma dura batalha, oferece sua vida ao Deus da Guerra (Ares), ganha assim as chamadas Lâminas do Caos, e passa a servir fielmente o mesmo, até que mata (sem perceber) sua própria esposa e filha, no que era um plano do próprio Ares para deixa-lo mais forte e sem "pontos fracos". A jornada do primeiro game é assim uma realmente pura jornada de vingança contra um Deus (do qual o próprio Kratos acaba tomando seu lugar), após "conclui-la". Mas no fim das contas, ela acaba virando uma contra o mundo inteiro do Olimpo, que subestimou a maior das verdades dessa franquia.

Não há nada mais perigoso que um homem que não tem mais nada a perder. E Kratos disparou aos 4 ventos os limites do que essa frase poderia significar nos jogos seguintes. 


Não que os Deuses do Olimpo não merecessem o que receberam, afinal a franquia sempre mostrou as figuras mitológicas como não sendo bem aquilo que seus adoradores humanos gostariam que fossem (mesmo com Kratos por exemplo sendo por um tempo o Deus da Guerra oficial no lugar de Ares), a panelinha dali sempre o evitava, fazendo com que ele se apegasse mais aos seus entusiastas espartanos em si. Ainda assim, se antes vingança puramente era o que motivava de fato o personagem, a partir dali, alimentar um ódio cada vez mais desesperado por destruição que nunca saiu dele mesmo após acabar com Ares, se encaixaria de fato melhor. E também, o que define principalmente God of War III: ÓDIO, & CAOS.

Kratos assim mata Poseidon. Arranca a cabeça de Hélio com as mãos. Esquarteja Helios. Transforma a cara de Hércules em carne moída, entre outras atrocidades sangrentas ao extremo, até resolver enfim as contas com o "papai" Zeus (leia isso como surrando o mesmo até a tela do PlayStation 3 mostrar só vermelho), enquanto o mundo sente as consequências diretas desse apocalipse grego. Após tudo isso, até para ainda molhar os planos de Atena de reconstituir tudo, Kratos usa a Lâmina do Olimpo e empala ele mesmo, no que parecia ser um ato que marcaria seu fim. Mas, sabemos que não foi o caso mesmo naquele jogo, já que ao olhar de volta para o lugar onde ele caiu após esses atos, seu corpo simplesmente some, enquanto uma trilha de sangue segue até a ponta de um penhasco, e deixando em aberto o paradeiro (e situação) do personagem após esses eventos.


Como já dito: não que os Deuses do Olimpo não merecessem o que receberam de Kratos (Zeus mesmo deu ao personagem motivos claros para continuar fazendo aquilo). Mas, talvez ele mesmo nunca quis admitir que alimentar seu ódio primordial da forma mais sangrenta e brutal possível (leia isso ainda antes como oferecendo vantagens demais para os espartanos durante as batalhas), para então depois colocar isso em nome de uma já falsa frase de "TEREI MINHA VINGANÇA", fosse tudo que ele poderia fazer antes de realmente, se vingar (como ele originalmente pretendia) do responsável por tudo aquilo: ele mesmo. Não é a toa, que se dependesse dele, ele tinha morrido mesmo. Talvez se fosse com outra pessoa, aquele cena da espada no terceiro jogo, já teria acontecido bem antes.

Sempre foi deixado claro que Kratos nunca foi de fato um "herói" nessa história toda. Ele nunca se sentiu realmente vingado pela morte da família, e uma jornada de um ódio de violência imensurável que precisava ser liberado, foi sua bússola imoral antes dele chegar no ponto que ele sempre soube que chegaria: nele mesmo. Se Zeus decidiu acabar com ele no meio do caminho (falhando miseravelmente nisso), e com Kratos tendo com isso uma nova vingança para cumprir, são no fim das contas "detalhes a parte". A jornada de Kratos na trilogia original, sempre foi estacionada nos 2 primeiros estágios do luto: negação, e principalmente, raiva. Seu ódio foi uma forma de defesa contra ele mesmo, e para não olhar pra trás, até decidir fazer isso, ao fim do terceiro jogo (afinal se ele já mutilou o Olimpo inteiro), não há para onde fugir: ele é o que sobrou. A revolta, nunca lhe trouxe alívio.


Talvez até por isso, ao iniciar GoW III, quando Kratos diz:

"Minha vingança termina agora


Ele nem estivesse se referindo aos deuses do Olimpo, no fim das contas. Kratos sempre foi o monstro que nunca derrotou, que nunca matou, que nunca conseguiu mutilar. Logo, sua raiva e violência tinha que ser transferida para outro lugar. Bastava, motivar um motivo para isso (nos planos dele, se intrometer demais em guerras espartanas), e como acabou sendo por outros motivos, se vingar do Olimpo inteiro. E como ele não morreu, eis que veio o que deve ter sido a parte mais dura, que não poderia ser resolvida com ódio & violência: aceitar viver, de fato, com a verdade.

E é interessante olhar assim, quando o público se reencontrou com o personagem no God of War de 2018. Kratos não apenas agora vive em uma outra mitologia, usando agora um machado, tendo deixado uma barba crescer (sem falar do fato de ter um filho), na forma de Atreus. Kratos parou de tentar fugir de si mesmo, ainda que seu passado violento seja um fantasma que ele tenta esquecer, ao invés de usa-lo como justificativa para outra "vingança". Aquele guerreiro "f*d*-se todo mundo" não existe mais.


Isso não só acontece graças ao amadurecimento do personagem, como pelo fato de Kratos já ter conseguido formar uma nova vida (e por consequência), ele tem em Atreus novamente algo que ele realmente se importa, e que ele não quer perder de novo. Não é a toa que por muito tempo, ele escondeu seu passado do filho, ainda que o game de 2018 mostre que era um ciclo que ele precisava completar, se quisesse estar de fato em paz com sua vida passada, e chegando ao estágio de aceitação (& até ainda para evitar), que Atreus trilhasse os mesmos erros dele. "Mesmo os bons líderes tomam decisões erradas. Os melhores líderes assumem a responsabilidade por elas", diz Kratos durante um dos momentos do jogo. Agora com uma voz mais calma, e não com aquela, que já transpirava ódio.


Isso não significou, claro, que Kratos se tornou menos perigoso diante de um obstáculo. Apesar disso, sua nova mentalidade também se demonstra na própria violência demonstrada no último jogo: se o Kratos de God of War III por exemplo abriria a barriga de um Centauro sem pensar 2 vezes, para todos os órgãos do bicho se espalharem pelo chão.

Kratos do God of War de PS4 se possível, prefere o "trabalho limpo" de finalizar um Troll, ao só quebrar o pescoço dele, ou se for pra ter mais sangue, meter uma na cabeça (1:12).

Apesar dele ainda fazer coisas mais drásticas tipo isso, claro (0:34).


A violência continua ali, o game de 2018 conta com sua cota de momentos realmente brutais, mas é claramente uma violência não tão "espirrada" digamos assim, se comparado ao que ela já foi um dia na franquia, o que representa justamente o estágio atual do protagonista. Ele sabe que a raiva pode cega-lo, tanto é que a usa mesmo quando um extremo como Baldur aparece diante dele (e visto que o subtítulo da sequência será justamente Ragnarok), isso deve obviamente, se intensificar


Mas a irônia está até aí: se foi Kratos quem acabou trazendo o fim dos Deuses do Olimpo, foram justamente os Deuses Nórdicos que irão trazer o deles, ao terem ido atrás de quem estava quieto, querendo apenas viver sua vida. Porque se dependesse desse Kratos, as coisas continuariam do jeito que estavam mesmo (e como não foi o caso), desaforo pra casa, sabemos que ele não tem histórico de levar.


Isso seria Realmente transmitido para um Filme? 

E assim voltamos ao ponto que iniciou esse post. E sinceramente? A resposta é não. A importância desse constraste de violência, especialmente para a fase atual da franquia (que com o sucesso de um possível filme, acabaria resultando claro numa série de longas que, eventualmente), chegaria na parte nórdica, sofreria limitações, justamente para que God of War pudesse se adaptar às leis do cinema. Ou você faz um filme com grande orçamento (mais do que necessário para passar todo o clima épico que a saga sempre transpirou), ou você trabalha com um orçamento mais modesto, para poder ter uma faixa etária alta, também necessária para uma adaptação da franquia funcionar. 


Você pode até dizer que a adaptação de 300 estava no mesmo barco, e ainda conseguiu fazer isso que eu estou falando (e sim, é um filme foda), mas Leônidas nunca teve de enfrentar realmente DEUSES, criaturas mitológicas ou algo do gênero. Um filme de God of War com um orçamento realmente apropriado acabaria se tornando um novo Fúria de Titãs, porque entre um ou outro, dificilmente a Sony olharia com mais inclinação para um filme +18 com um orçamento que não fosse, modesto (por motivos óbvios). E mais uma vez, você poderia me dizer que o filme ainda poderia trabalhar bem o protagonista e sua história ainda assim. E eu respondo: quem sabe até poderia (mas na hora de vermos o constraste especificamente nessa franquia), ele não seria tão explícito (ou no fim das contas, substancial) para esta jornada, como foi nos jogos.  

Nas adaptações de quadrinhos, até por causa do estouro de Deadpool, se ficou popular realmente pensar em como uma faixa etária alta pode abrir possibilidades, ainda que também tenham surgido quem quis seguir onda não por necessidade, mas sim por modismo. O último Hellboy, ou mesmo Aves de Rapina (este último que nem é um filme ruim), não precisavam ser para maiores. Enquanto isso, The Batman ou mesmo o próximo Blade, não precisam ser realmente nessa linha para serem bons, como uns tanto gostariam que fossem, porque os personagens ainda funcionam sem isso (como eu digo: Blade não nasceu no Marvel MAX), como alguns adoram tentar passar, e sim é um personagem com quase 50 anos de história.


Além do mais, quando se usa uma faixa etária alta, se espera que seja para se trabalhar realmente algo a mais que necessite disso, e se não for pra isso, é melhor realmente não fazer assim. Já no caso de um filme de God of War, se precisaria mesmo disso não só simplesmente porque "é legal ver o Kratos distripando os bichos" (e é legal mesmo, quem disse que não?!), mas sim porque a trama realmente pede que seja assim. Ao menos parece que a Sony entende isso, felizmente: "É engraçado porque quando me sentei com o pessoal da PlayStation, uma das primeiras coisas que nós dois dissemos foi que precisava ser Rated, porque eu sempre usei o exemplo de Conan, o Bárbaro", declarou Steven DeKnight em uma entrevista sobre seu interesse em se envolver em uma adaptação, quando entrou em contato com a empresa. "Não acho que haja uma maneira de contar essa história como PG-13, nem deveria ser. Então, sim, sem dúvida, classificado para maiores".


Ao mesmo tempo, um Kratos de baixo orçamento também não é bem algo que alguém aqui deve querer ver, imagino. Se eu já estou com ressalvas por conta de certos detalhes no trailer de Mortal Kombat, que ainda é uma franquia que se pode trabalhar no cinema mais tranquilamente, imagine com God of War.

Isso quer dizer que não se poderia haver realmente uma adaptação live-action total de God of War? A resposta também, é não. O universo televisivo atual, dependendo de quem esteja por trás, pode investir naturalmente em uma idéia que potencialmente seria arriscada no cinema (um projeto caro e ainda assim sendo R), e sair no lucro. Na época da última temporada de Game of Thrones, por exemplo, ainda que sem dados oficiais sobre o quanto exatamente foi investido, estimativas mostram que um valor de US$ 650 milhões, nivelado por baixo, teria sido o valor considerado o mínimo que a HBO desembolsou ao longo dos 10 anos que produziu as oito temporadas de um programa que ainda que mostrasse grandes dragões detalhados, também ficou conhecido por mortes e cenas brutais. E plataformas de streaming também estão mostrando cada vez mais que investir mais do que seria permitido nesse tipo de produto, já não é sonhar. 


Com isso, God of War poderia muito bem virar, assim, uma série que pudesse não só explorar o necessário, como aprofundar justamente todo o significado que a violência teve (ou acabou até ganhando a mais), com o último jogo. Claro, desde que quem apadrinhasse esse projeto, estivesse disposto mesmo a gastar nele. Isso claro falando de live-action, já que um projeto animado a lá Castlevania, também seria uma ótima alternativa de fazer algo mais barato, mas ainda bem feito. Também é válido mencionar como o próprio Cory Barlog (diretor do último jogo) já se mostrou aberto justamente à ideia de uma série live-action da franquia.

De qualquer forma, uma coisa é fato: com a expansão da idéia de adaptar suas franquias PlayStation para outras mídias, a Sony inevitavelmente mexerá novamente com God of War. Só esperamos, que seja da forma que deve ser.

Por: Riptor

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