Hoje vamos falar sobre o maior arrecadador de bilheteria da história (até agora). E o que isto diz sobre sua qualidade? Nada. Mas o texto a seguir diz muito sobre ele.
À sinopse: Jake Sully, um militar aposentado por invalidez, é convidado para tomar o lugar de seu falecido irmão gêmeo no Projeto Avatar. Este projeto visa auxiliar, de forma aparentemente humanista e sem perdas, a colonização do povo nativo de Pandora, os Na’vi, por uma empresa mineradora que busca obter a absurdamente valiosa pedra Unobtanium.
James Cameron, aqui, entrega o processo técnico mais plástico e limpo de sua carreira como diretor, mesmo em cenas mais carregadas de elementos visuais e sujeira. As câmeras se utilizam frequentemente de enquadramentos procedurais, sem se utilizar das famosas tremidas para dar ao espectador sensação de participação durante as cenas. Ele os separa bem dos personagens e permite os mesmos espectadores que se tornem testemunhas da jornada de Jake Sully. E isto, para o pretendido em Avatar, é bom, já que o filme é uma junção simbiótica maior de outros pontos que funcionam mais no papel de experiência cinematográfica visual e sonora do que qualquer outra coisa, dos quais falarei abaixo.
Para criar um universo marcante para quem assiste Avatar, Cameron usa de uma lógica que Michael Jackson aprendeu a partir de Thriller: Trilha Sonora, efeitos e ambientação são indissociáveis na produção de uma história. Talvez por isso o longa soe como um imenso videoclipe. As músicas de James Horner são cirúrgicas para causar apego, empatia, ranço, torcida, lamento e empolgação sem se preocupar em falar da história e sim dar ao espectador algum tipo de experimentação ao lado dos personagens. Estes são os sentimentos básicos que o diretor busca trazer ao reconhecimento cognitivo. Mesmo que se dedique a extremos e por vezes esse senso de grandiosidade fonográfico eventualmente enjoe com seus crescendo excessivos, a trilha sonora de Avatar é funcional na busca de proporcionar o que precisa: imersão.
Mas não apenas isso: A fotografia de Mauro Fiore, tão essencial quanto o CGI, brinca com a percepção visual na busca de causar sensações distintas e auxilia na narrativa. As cenas humanas do filme, com uma estética visual que não é marcante, porém diferente do resto do filme, contém seu peso industrialista e mercantilista que carrega tons pasteis num filtro suavemente mais dessaturado. Não por menos, essa paleta de cores quase morta tenta evocar o tom do primeiro Blade Runner, inclusive na Terra suavemente Steampunk. Quando as cores se encontram, raramente, quentes, as cenas sofrem do mesmo efeito. James Cameron busca, assim, enviesar o espectador ao tom invasivo da presença dos personagens terráqueos. Nós somos os alienígenas, nós carregamos a estranheza, por mais natural que ela nos seja, porque, no fundo, ela é antinatural. Para isso ele contrasta a vista neutralidade do tom frio com as cores vivas de Pandora e relacioná-las aos Na’vi, o que nos faz ser empáticos à “causa” dos nativos. Essa simpatia, obviamente, não se dá apenas a isso, mas é um ótimo exemplo de como as cores nos levam a percepções diferentes. À título de curiosidade, se as escolhas tivessem sido inversas, muito provavelmente teríamos nos humanos uma empatia maior e justificativas de sobra em relação às suas escolhas.
Falando do CGI, que é o foco principal do filme, eu vi em 4K
e mesmo depois de 12 anos, é bom ver como o avanço de tecnologia de imagem,
algo que normalmente deprecia filmes com efeitos antigos, aqui ainda valoriza, tirando dois pequenos momentos, a riqueza
de detalhes das imagens. As expressões faciais continuam detalhadas e
orgânicas. É fácil se aproximar da simplicidade primitiva dos Na’vi ao mesmo
tempo que se compreende desde o início a complexa conexão que o mundo
construído igualmente em computação gráfica com o qual eles têm ligação. Tudo é
milimetricamente colocado em lugares estratégicos para te fazer sentir carinho
pela flora, mas em contrapartida, a fauna é posta como algo ameaçadora em toda
a sua extensão. A maneira com que Cameron escolhe dar enfoque a esses elementos
para que sejam mais do que beleza, compondo parte da identidade visual da
história, é visualmente expansiva e seria um crime não correlacionar uma coisa
com outra.
Saindo do cunho técnico/filosófico, o elenco de Avatar faz
um trabalho operante e sem grandes destaques e digo isto já que mesmo os atores
que estavam como Na’vi atuaram ainda que houvesse a roupagem dos efeitos
especiais. Zoë Saldaña é funcional como Neytiri e consegue ser expressiva mesmo
sob as camadas de computação gráfica. Sua composição corporal contrasta
bastante com outros personagens que usam avatares. Não que o resto do povo
aborígene não o tenha também, mas ela, como co-protagonista, acaba se tornando
a embaixadora dos pontos positivos neste sentido por ter muito mais tempo de
tela que outros personagens. Ela faz um bom trabalho ao variar civilidade, transmissora
de conhecimento e o lado de guerreira selvagem, transitando bem nas nuances
entre cada uma destas característica. Saldaña se torna o ponto de partida interessantíssimo para
o entendimento da espécie e é bom ver nela esta ponte entre espectador e filme
em si, além da personificação do senso de dever com o querer que ela carrega o filme inteiro.
Sam Worthington faz bem o papel de cadeirante e ex-militar. O personagem dele é duro tanto no sentido de batalha quanto em personalidade. Não dá para exigir personagens militares carismáticos dentro de uma ficção a menos que a intenção seja deturpação, deboche ou comédia, algo que Avatar não é e não está disposto a ser. Aqui, o que acontece é o sentimento de deslocamento e o fato de se encontrar em algo que considere valer a pena. Talvez por isso Jake Sully passe muito mais expressão justamente ao estar em seu avatar, já que o mesmo signifique, à certa medida, liberdade inicialmente física.
Mas se a dupla principal está funcionando bem e demonstra química, há pouco a se elogiar do lado humano do filme: Sigourney Weaver, Stephen Lang e Giovanni Ribisi estão caricatos, com pouco a agregar no sentido interpretativo. Talvez o único que não me surpreenda nesta circunstância seja Ribisi, já que nunca o considerei um ator versátil e com trabalhos que me surpreendam pontualmente (O Primeiro Milhão continua sendo meu filme favorito dele). Tanto Lang quanto Weaver são cansativos e fica difícil de trabalhar com textos tão rasos como os deles, por isso é difícil dizer que eles fizeram milagre com suas falas porque eles não fizeram, já que o deboche que os personagens tem em seu retrato chega às vias do irreal. Se havia tom de crítica nisto, não funcionou dentro da seriedade indulgente que o filme se coloca. O que salva é que este ponto fica tão mascarado dentro do entretenimento, que é possível fazer vista grossa, o que não salva muito, mas é um alento. Até pensei também em falar da Michelle Rodriguez, mas ela faz aquele tipo de personagem desde sempre e o estilo canastrona dela combina com a personagem, então... até que diverte e está nítido que ela toca o f*da-se para qualquer tipo de nuance em seus trabalhos.
A grande questão de Avatar é que ainda é um filme que me deixa um pouco exaurido mesmo depois de todos estes anos. Talvez por trazer tantos elementos que tentem expurgar o máximo de seus componentes por tanto tempo, me faça entrar numa espécie de letargia intelectual. É tanta coisa em larga escala, com tantas reviravoltas e em sequência que vai fazendo a mente se acostumar e não ter mais o impacto devido dentro do microuniverso de Jake, tratando mais dos clímax em si. E mesmo que sejam narrativamente imbuídos, estes elementos vão dando a impressão de que funcionariam muito mais e de forma mais intensa em parâmetros menores, inclusive na mensagem e acontecimentos.
Isto posto, Avatar ainda é um filme divertido, com efeitos que prosseguem de ponta, mas que ainda precisa se provar depois de 12 anos (e consegue) até porque há continuações a caminho, entretanto, não há perfeição aqui. Gostar de Avatar não é o mesmo do que elogiá-lo quase em sua totalidade, caso contrário não seria crítica e sim aclamação (e toda aclamação é burra). É um filme que, sim, exagera em certas questões filosóficas na busca de mesclá-las ao entretenimento e tenta engrandecer-se de forma simplista, mas está longe de ter sido malsucedido já que Cameron tem essa pegada de falar de questões grandiosas de maneira a engrandecer o entretenimento de suas produções. Apesar disto, James Cameron faz de um mundo distante algo orgânico e vivo e palco para personagens de extenso potencial, com boa história e de mão firme. A aposta é alta, isso é evidente, e bate a meta, ainda que não seja uma meta tão grande no sentido de Estética e fique mais abarcada na experiência sensorial. Portanto, tendo lá sua validade óbvia, e sendo um marco no cinema, seja na bilheteria quanto em premiações – mais de 30 até onde pesquisei – e na recepção do público à época, o filme ainda merece ser olhado com atenção, desde que não se indulgencie demais as intenções do diretor e sua respectiva execução. Plástico, porém consumível.
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