terça-feira, 27 de abril de 2021

Cinescópio #7: Avatar


Hoje vamos falar sobre o maior arrecadador de bilheteria da história (até agora). E o que isto diz sobre sua qualidade? Nada. Mas o texto a seguir diz muito sobre ele.  

Título: Avatar
Ano: 2009
Diretor: James Cameron
Fotografia: Mauro Fiore
Trilha Sonora: James Horner
Elenco: Sam Worthington, Zoë Saldana, Stephen Lang, Sigourney Weaver, Giovanni Ribisi e Michelle Rodriguez

À sinopse: Jake Sully, um militar aposentado por invalidez, é convidado para tomar o lugar de seu falecido irmão gêmeo no Projeto Avatar. Este projeto visa auxiliar, de forma aparentemente humanista e sem perdas, a colonização do povo nativo de Pandora, os Na’vi, por uma empresa mineradora que busca obter a absurdamente valiosa pedra Unobtanium.

James Cameron, aqui, entrega o processo técnico mais plástico e limpo de sua carreira como diretor, mesmo em cenas mais carregadas de elementos visuais e sujeira. As câmeras se utilizam frequentemente de enquadramentos procedurais, sem se utilizar das famosas tremidas para dar ao espectador sensação de participação durante as cenas. Ele os separa bem dos personagens e permite os mesmos espectadores que se tornem testemunhas da jornada de Jake Sully. E isto, para o pretendido em Avatar, é bom, já que o filme é uma junção simbiótica maior de outros pontos que funcionam mais no papel de experiência cinematográfica visual e sonora do que qualquer outra coisa, dos quais falarei abaixo.

Para criar um universo marcante para quem assiste Avatar, Cameron usa de uma lógica que Michael Jackson aprendeu a partir de Thriller: Trilha Sonora, efeitos e ambientação são indissociáveis na produção de uma história. Talvez por isso o longa soe como um imenso videoclipe. As músicas de James Horner são cirúrgicas para causar apego, empatia, ranço, torcida, lamento e empolgação sem se preocupar em falar da história e sim dar ao espectador algum tipo de experimentação ao lado dos personagens. Estes são os sentimentos básicos que o diretor busca trazer ao reconhecimento cognitivo. Mesmo que se dedique a extremos e por vezes esse senso de grandiosidade fonográfico eventualmente enjoe com seus crescendo excessivos, a trilha sonora de Avatar é funcional na busca de proporcionar o que precisa: imersão.

Mas não apenas isso: A fotografia de Mauro Fiore, tão essencial quanto o CGI, brinca com a percepção visual na busca de causar sensações distintas e auxilia na narrativa. As cenas humanas do filme, com uma estética visual que não é marcante, porém diferente do resto do filme, contém seu peso industrialista e mercantilista que carrega tons pasteis num filtro suavemente mais dessaturado. Não por menos, essa paleta de cores quase morta tenta evocar o tom do primeiro Blade Runner, inclusive na Terra suavemente Steampunk. Quando as cores se encontram, raramente, quentes, as cenas sofrem do mesmo efeito. James Cameron busca, assim, enviesar o espectador ao tom invasivo da presença dos personagens terráqueos. Nós somos os alienígenas, nós carregamos a estranheza, por mais natural que ela nos seja, porque, no fundo, ela é antinatural. Para isso ele contrasta a vista neutralidade do tom frio com as cores vivas de Pandora e relacioná-las aos Na’vi, o que nos faz ser empáticos à “causa” dos nativos. Essa simpatia, obviamente, não se dá apenas a isso, mas é um ótimo exemplo de como as cores nos levam a percepções diferentes. À título de curiosidade, se as escolhas tivessem sido inversas, muito provavelmente teríamos nos humanos uma empatia maior e justificativas de sobra em relação às suas escolhas.

Falando do CGI, que é o foco principal do filme, eu vi em 4K e mesmo depois de 12 anos, é bom ver como o avanço de tecnologia de imagem, algo que normalmente deprecia filmes com efeitos antigos, aqui ainda valoriza, tirando dois pequenos momentos, a riqueza de detalhes das imagens. As expressões faciais continuam detalhadas e orgânicas. É fácil se aproximar da simplicidade primitiva dos Na’vi ao mesmo tempo que se compreende desde o início a complexa conexão que o mundo construído igualmente em computação gráfica com o qual eles têm ligação. Tudo é milimetricamente colocado em lugares estratégicos para te fazer sentir carinho pela flora, mas em contrapartida, a fauna é posta como algo ameaçadora em toda a sua extensão. A maneira com que Cameron escolhe dar enfoque a esses elementos para que sejam mais do que beleza, compondo parte da identidade visual da história, é visualmente expansiva e seria um crime não correlacionar uma coisa com outra.

Porém, em si mesmo, apenas o CGI, não é o suficiente para fazer do longa um bom filme, assim como as críticas à sua história não são o suficiente para diminuir a grandeza da obra. Ainda que o roteiro tenha alguns paralelos com outras obras como Pocahontas, por exemplo, isso não interfere no produto final da somatória de fatores que faz da experiência atenta algo único, mesmo que soe batido e lugar-comum muitas vezes, porém com outras camadas que auxiliam na boa construção geral da obra. E a título de comparação, Matrix tem inspiração específica no homônimo The Matrix, episódio de Além da Imaginação e nem por isso deixou de ser celebrado. O cinema é cheio de coincidências e, na maior parte das vezes, inspirações, nem por isso deixa de ser algo que mereça admirado ou celebrado, desde que tenha qualidades para tal.


Dito estas coisas, vamos para a o aprofundamento da narrativa: A história de Avatar tem um cunho humanista que, olhando de maneira primária, fala de desmatamento, genocídio indígena e o capitalismo interferindo diretamente numa exploração espacial. Vendo a conotação aprofundada do tema, temos as formas sutis de colonização – já outras com ameaças militaristas, nem tanto – , xenofobia, preconceito, mas acima de tudo, existe, por parte de James Cameron, um olhar metafórico e crítico à colonização americana, que, como todas as outras, foi cunhada com o sangue dos que estiveram nas terras antes de outros. No caso dos EUA, falamos especificamente dos Ameríndios nativos do que viria a ser a América do Norte, já que as primeiras tentativas dos colonos ingleses em desbravar as terras do vindouro EUA resultavam em guerras e massacres sofridos pelos seus oriundos. A luta de manter sua cultura diante das tentações do novo também acontece, porém de maneira menos acentuada, mas clara. Por isso aconselho um pequeno experimento: Retirem as legendas das conversas em Na’vi. Isto enriquece o senso de estranheza e traz à tona a impressão de não-pertencimento. O lado personalista de uma outra língua em prática fica tão terceirizado que é impossível se afastar dessa sensação. No geral, Avatar é pretensioso no sentido de intenção e, ainda assim, perdoável porque funciona tanto como entretenimento quanto na Estética de maneira separada. Acaba sendo autofágico e é importante que entretenimento massificado que busca se conectar de maneira mais profunda possua didatismo também nas mensagens, mesmo que sejam complexas. Quanto maior o público pretendido, mais formulaico é a apresentação do produto. E nisto o filme se insere perfeitamente para bem ou para mal, vai do gosto do freguês desde que se tenha embasamento para o lado que se enverede a crítica. 

Saindo do cunho técnico/filosófico, o elenco de Avatar faz um trabalho operante e sem grandes destaques e digo isto já que mesmo os atores que estavam como Na’vi atuaram ainda que houvesse a roupagem dos efeitos especiais. Zoë Saldaña é funcional como Neytiri e consegue ser expressiva mesmo sob as camadas de computação gráfica. Sua composição corporal contrasta bastante com outros personagens que usam avatares. Não que o resto do povo aborígene não o tenha também, mas ela, como co-protagonista, acaba se tornando a embaixadora dos pontos positivos neste sentido por ter muito mais tempo de tela que outros personagens. Ela faz um bom trabalho ao variar civilidade, transmissora de conhecimento e o lado de guerreira selvagem, transitando bem nas nuances entre cada uma destas característica. Saldaña se torna o ponto de partida interessantíssimo para o entendimento da espécie e é bom ver nela esta ponte entre espectador e filme em si, além da personificação do senso de dever com o querer que ela carrega o filme inteiro.

Sam Worthington faz bem o papel de cadeirante e ex-militar. O personagem dele é duro tanto no sentido de batalha quanto em personalidade. Não dá para exigir personagens militares carismáticos dentro de uma ficção a menos que a intenção seja deturpação, deboche ou comédia, algo que Avatar não é e não está disposto a ser. Aqui, o que acontece é o sentimento de deslocamento e o fato de se encontrar em algo que considere valer a pena. Talvez por isso Jake Sully passe muito mais expressão justamente ao estar em seu avatar, já que o mesmo signifique, à certa medida, liberdade inicialmente física.

Mas se a dupla principal está funcionando bem e demonstra química, há pouco a se elogiar do lado humano do filme: Sigourney Weaver, Stephen Lang e Giovanni Ribisi estão caricatos, com pouco a agregar no sentido interpretativo. Talvez o único que não me surpreenda nesta circunstância seja Ribisi, já que nunca o considerei um ator versátil e com trabalhos que me surpreendam pontualmente (O Primeiro Milhão continua sendo meu filme favorito dele). Tanto Lang quanto Weaver são cansativos e fica difícil de trabalhar com textos tão rasos como os deles, por isso é difícil dizer que eles fizeram milagre com suas falas porque eles não fizeram, já que o deboche que os personagens tem em seu retrato chega às vias do irreal. Se havia tom de crítica nisto, não funcionou dentro da seriedade indulgente que o filme se coloca. O que salva é que este ponto fica tão mascarado dentro do entretenimento, que é possível fazer vista grossa, o que não salva muito, mas é um alento. Até pensei também em falar da Michelle Rodriguez, mas ela faz aquele tipo de personagem desde sempre e o estilo canastrona dela combina com a personagem, então... até que diverte e está nítido que ela toca o f*da-se para qualquer tipo de nuance em seus trabalhos.


Mas provavelmente o ponto mais crítico do filme é a necessidade do roteiro em explicar tudo e como isso fica dividida por todos os personagens. Tudo é extremamente verbalizado, quase superestimado na grandiloquência piegas que soa enfadonha em diversas vezes. Seja narrativamente ou nas emoções que poderiam brincar um pouco mais com o espectador, a explicação não tarda. Os Off’s do protagonista já seriam de bom tom se todos os outros não tivessem algo a dizer ao mesmo, mas na verdade usam disso para ambientar a quem vê o filme. Está longe de ser algo ágil ou orgânico. Por vezes soa artificial. Ordens para deixar claro onde o filme vai ser levado, cenários fantásticos que são explicados pela lógica científica para dar mais familiaridade, olhares, problemas... com o passar do tempo, isso torna o andamento da história quase litúrgica, como um rito previsível de começo, meio e fim. Não é como se o filme em si tivesse grandes surpresas com uma trama, conforme dito acima, simplória, mas a previsibilidade estraga, o que é compensado pela ação e CGI. É tudo tão deslumbrante que a tentação de naturalizar os erros realmente acontece.

A grande questão de Avatar é que ainda é um filme que me deixa um pouco exaurido mesmo depois de todos estes anos. Talvez por trazer tantos elementos que tentem expurgar o máximo de seus componentes por tanto tempo, me faça entrar numa espécie de letargia intelectual. É tanta coisa em larga escala, com tantas reviravoltas e em sequência que vai fazendo a mente se acostumar e não ter mais o impacto devido dentro do microuniverso de Jake, tratando mais dos clímax em si. E mesmo que sejam narrativamente imbuídos, estes elementos vão dando a impressão de que funcionariam muito mais e de forma mais intensa em parâmetros menores, inclusive na mensagem e acontecimentos.

Isto posto, Avatar ainda é um filme divertido, com efeitos que prosseguem de ponta, mas que ainda precisa se provar depois de 12 anos (e consegue) até porque há continuações a caminho, entretanto, não há perfeição aqui. Gostar de Avatar não é o mesmo do que elogiá-lo quase em sua totalidade, caso contrário não seria crítica e sim aclamação (e toda aclamação é burra). É um filme que, sim, exagera em certas questões filosóficas na busca de mesclá-las ao entretenimento e tenta engrandecer-se de forma simplista, mas está longe de ter sido malsucedido já que Cameron tem essa pegada de falar de questões grandiosas de maneira a engrandecer o entretenimento de suas produções. Apesar disto, James Cameron faz de um mundo distante algo orgânico e vivo e palco para personagens de extenso potencial, com boa história e de mão firme. A aposta é alta, isso é evidente, e bate a meta, ainda que não seja uma meta tão grande no sentido de Estética e fique mais abarcada na experiência sensorial. Portanto, tendo lá sua validade óbvia, e sendo um marco no cinema, seja na bilheteria quanto em premiações – mais de 30 até onde pesquisei – e na recepção do público à época, o filme ainda merece ser olhado com atenção, desde que não se indulgencie demais as intenções do diretor e sua respectiva execução. Plástico, porém consumível.


NOTA: 7,5

Então é isso.
Espero que tenham gostado.
Abraços,
Saitama de R’lyeh  

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