A idéia de franquias de personagens distintos existindo no mesmo mundo, está longe de ser de fato nova, diferente do que até estúdios querem passar. Hora, os Monstros Clássicos da Universal já faziam isso anos antes do Nick Fury sequer ser criado nos quadrinhos. No entanto, é inegável que a "evolução" natural disso, acabou mostrando sua face em 2008, com o início do Universo Cinematográfico Marvel, com o primeiro filme do Homem de Ferro.
E da mesma forma que o conceito de um universo compartilhado não era de fato novidade pra ninguém, o mesmo podia ser dito da cena pós-créditos. Apesar disso, a mesma também ganhou um significado maior no novo escopo dessa atualizada idéia (e mais do que um mero indicativo do que poderia ocorrer no próximo filme do personagem titular), a de HdF já jogou no ar uma tal de "Iniciativa Vingadores". Quem sabe até mesmo quem tinha conhecimento das coisas, poderia se questionar se isso era realmente sério, ou apenas um momento para o fã captar à referência.
No fim das contas, realmente foi BEM mais que isso
Mesmo sem seus personagens mais populares por muito tempo quanto à cinema, o MCU/UCM conseguiu fazer até mesmo os personagens menos badalados serem estouros de bilheteria, enquanto montava um quebra-cabeças que começou a fazer quem ia ver um desses filmes, esperar até depois dos créditos iniciais. A construção ao longo disso criou realmente animação no público (algo essencial para qualquer grande franquia que tem tamanhas ambições), e por consequência, engajamento enquanto sempre o público questionava, qual seria afinal, o próximo passo da saga multi-bilionária comandada por Kevin Feige & sua "gangue". E como diria o ditado do "nada se cria, tudo mundo se inspira", obviamente pudemos ver brotar outros ditos universos compartilhados. Comandados, na maioria deles, por olhos dislumbrados...talvez, até demais.
Como dito, "nada se cria, tudo mundo se inspira", e quando essa coisa pode render pra você milhões por ano, porque não entrar na brincadeira. A grande questão, é justamente quantos sobraram do que acabou se tornando um grande jogo de queimada, do qual a Marvel Studios sempre ficou ali, ilesa. Se lembra do tal 'Dark Universe' anunciado à uns anos atrás? Fruto de uma Universal que já vinha vivendo uma época de tentativas frustradas de refazer seus monstros, e que tentou 2 vezes, em um espaço de 3 anos, iniciar um universo compartilhado? Ou mesmo os antigos planos da Sony para a franquia do Homem-Aranha de Andrew Garfield, com direito à filmes anuais? Paramount & Hasbro pensando em gerar até 12 possíveis derivados de Transformers? Além do próprio (& original plano) do Universo Estendido DC. Caraca, até aquele Rei Arthur do Charlie Hunnam, era visto com tanto otimismo, que a Warner já cogitava criar toda uma franquia do tipo, em cima dele.
O resultado final, quase sempre foi o mesmo (em mais grave grau), ou em cicatrizes consideráveis: o tão desejado universo compartilhado, ficou apenas no papel, não apenas por qualquer falta de planejamento de fato convincente para isso, mas também por filmes claramente feitos para se preocuparem mais em criar deixas, que foram apenas...deixas. O Dark Universe morreu de vez após o lançamento desastroso de A Múmia (sendo então ressuscitado para ser supervisionado em parte pela Blumhouse, além da própria Universal), agora com uma abordagem mais tátil, e adequada, do que a encarnação anterior. Basicamente, o que a Universal já havia feito à muitos anos atrás. Já a franquia TASM logo sucumbiu menos de 1 ano após o segundo filme, diante da versão do Cabeça de Teia vivida por Tom Holland (ainda que a Sony ainda tente fazer seus próprios projetos), enquanto que a Warner engoliu à seco o gosto amargo de Rei Arthur, e fazendo com que o 'DCEU' (ou o que sobrou dele) sofra até hoje as consequências das refilmagens de Liga da Justiça. Um universo cada vez mais focado em núcleos, do que no todo, e ainda sendo difícil saber qual é o rumo afinal dessa franquia. E ahh, claro, a Paramount aproveitou para rebootar Transformers com Bumblebee, o que definitivamente foi uma boa idéia.
Para quem sobreviveu dessa Maneira, ao menos Tiveram alguns Frutos de Fato
A grande verdade é que criar um Universo Compartilhado é de fato difícil, demorado (mas que em contrapartida), pode ser mais satisfatório ao fim da estrada para o próprio estúdio, e principalmente para quem o consome. Ainda que também não seja 100%, o MCU sempre seguiu essa filosofia, e os resultados até hoje estão sendo colhidos por seus envolvidos, após períodos menos glamurosos. Mas, é justo dizer que houve mesmo mais alguém que sobreviveu à tal "queimada", além do imunizado (e que é o ponto que você provavelmente queria), que eu chegasse.
O MonsterVerse
É inegável que a franquia de Monstros Gigantes (ou Titãs, se preferir), encabeçada pela Legendary e (ironicamente) pela Warner (com uma olhada da Toho, é claro), também foi mais uma daquelas anunciadas com alto vislumbre no horizonte. E também é fato, que ela também passou por um momento que foi meio dolorido (leia isso como o desempenho no mínimo decepcionante de Godzilla: Rei dos Monstros), nas bilheterias. Mas, no fim das contas, houve o que se devia fazer: fazer você esperar com ânimo pela taça principal (e se orgulhar disso), ao longo de 3 filmes anteriores. Sim, não foram uns 5 como o MCU fez antes do primeiro Vingadores, mas como vimos aqui, já foi mais do que outras tentativas juntas.
E o nome da taça principal, obviamente é assim Godzilla vs Kong
Eu particularmente gosto de todos os filmes anteriores dessa abordagem da Legendary, mas é inegável que eles, ao menos dessa versão do Godzilla, tiveram um pouco de "chiado" de certas pessoas. O Godzilla de 2014, até muito pelo "cinzento" que permeia nas lutas do Síndico (e em Rei dos Monstros de forma maior), a presença do arco humano, algo compartilhado por ambos como crítica. Estilos diferentes, em busca do que foi, de fato, encontrado em sua maior carga até agora, em seu último lançamento: no fim das contas, o estilo a se seguir.
O Godzilla de Gareth Edwards se aproximava mais de um filme de catástrofe (que por acaso tinha o monstro título como causa), ou pelo menos, envolvido no meio disso. Apesar dos pesares que você leitor talvez possa ter com esse filme, acho inegável que o mesmo ao menos trouxe ao Monstro Atômico o que ele não tinha até então em Hollywood, até por conta do histórico envolvendo aquela aberração do Roland Emmerich, do qual nem a Toho considera um 'Godzilla' de fato: dignidade, e seriedade de que você poderia levar essa versão à sério. Kong: A Ilha da Caveira, por outro lado, tinha uma missão diferente: fazer os filmes do Gorila sairem corretamente da "zona de conforto" de não precisar seguir o clássico de 1933 à risca novamente, após aquela fórmula ter sido justamente o que deu à franquia outro bom filme com o ótimo remake de Peter Jackson em 2005, após um período meio estranho que surgiu na série, antes desse. O que Jordan Vogt-Roberts faria então? Um Apocalypse Now com o King Kong. Como não pensaram nisso?!
A reformulação em ambos deu seus frutos: a leva inicial do MonsterVerse fez quase US$ 1,1 bilhão nas bilheterias, um desempenho realmente impressionante dentro do quadro de tentativas de se criar um universo compartilhado, ao ter a Marvel Studios como parâmetro. O Rei dos Monstros de Michael Dougherty já seguia assim essa filosofia de uma franquia que estava mostrando presença, e abraçando o lado mais caótico da coisa...ainda que também tenha se mostrando um divisor de águas com os críticos, o que se refletiu no saldo financeiro final: US$ 385,9 milhões. Os envolvidos não ficaram no prejuízo ou algo do tipo, mas ficou aquele gostinho meio amargo, quando você lembra que o filme era uma das principais apostas da Warner para 2019.
Os envolvidos logo começaram a se movimentar, com a Warner movendo Godzilla vs Kong em 8 meses, de 13 de março de 2020, para 20 de novembro, e com muitos acreditando que o atraso ocorreu como resultado do compromisso de garantir o sucesso do projeto. O filme ainda viria a ser adiado novamente para maio de 2021, só para depois ser adiantado, para março (vulgo mês passado), agora como parte de uma inicialmente polêmica estratégia do estúdio de lançar simultaneamente seus longas tanto nos cinemas, quanto na sua nova plataforma de streaming, na forma do HBO Max. E não podemos esquecer, que uma parte do público olhava com desconfiança do filme, quando se deparava com o nome de Adam Wingard na direção, que assumia seu primeiro projeto desde que comandou um dos grandes erros da humanidade, chamado Death Note da Netflix, em 2017.
Felizmente, o filme entregue deixa muito claro seu compromisso. Godzilla vs Kong não só ressalta a redenção de Wingard com o grande público que o conheceu apenas por seu pior projeto, como também, mostra que certos escorregões só matam franquias, porque seus envolvidos nunca tiveram realmente confiança, nos próprios produtos.
Existe um termo que alguns aqui já viram eu dizer, que eu chamo de filme honesto (apesar que você pode usar o mesmo também para séries), ou jogos, por exemplo. No caso aqui, é um filme que não tem vergonha de assumir sua natureza (por mais simples que seja), e entregando isso de uma forma realmente agradável. Veja o caso de Bad Boys Para Sempre (o terceiro de uma franquia que nunca agradou a crítica ao menos), mas que mesmo assim...recebeu boas críticas, e virou até o maior sucesso da série. Porque ele foi mais bem recebido que os filmes anteriores comandados por Michael Bay? Sim, porque chutaram o Michael Bay o filme não deixou de ser o que a franquia sempre foi, mas agora feito sem os manerismos que até uma porcentagem do público, já estava meio que de saco cheio.
Godzilla vs Kong segue exatamente essa linha. Você quer assistir o Godzilla trocando sarrafo com o King Kong? Pois bem rapaz, essa que É a história, o que mais tiver aqui, é bônus. Rei dos Monstros inegavelmente deu o primeiro passo para fazer o MonsterVerse abraçar mais a mitologia e alma dos filmes de monstros da Toho, e GvK aprimora isso, agora com um salto. Mesmo sendo o menor filme da franquia em tempos de duração (ele mal chega à 2 horas), Godzilla vs Kong mal começa, e já te relembra o porque você veio ver este filme. Quando rolam os créditos iniciais então (que até relembram de cenas dos filmes passados), à música, em conjunto com o estilo que o próprio logo é passado na tela, já te faz pensar se você está assistindo à um filme clássico da Toho.
O Diretor Adam Wingard
Chega a ser realmente engraçado (& satisfatório) como o filme ressalta, mesmo em seus poucos momentos com foco "mais humano", no que realmente movimenta o ótimo ritmo direto ao ponto da produção: Godzilla e Kong ressaltando, com dentes, rugidos e saliva pra fora, a forma primordial de resolver problemas. Adam Wingard tem totalmente ciência que o importante para os protagonistas monstruosos, já foi estabelecido nos filmes anteriores: temos um Godzilla que já conseguiu seu posto de Rei dos Monstros, e um Kong (agora maior e mais velho) que já temos uma ideia do que é capaz de fazer não apenas com força bruta, mas com o cérebro. O diretor realmente pode, assim, construir seu filme em torno apenas do inevitável confronto entre ambos, que já vem até de gerações anteriores aos mesmos.
Já os humanos, estão ali apenas para dar uma ou outra coisa para fazer a trama continuar rodando, e com exceção da realmente simpática Jia (Kaylee Hottle, uma garotinha que se comunica com Kong através de linguagem de sinais), todos os outros do elenco são bem apagados na hora de aparecer, e não conseguem esconder que seus personagens são apenas peças que precisavam estar no roteiro de qualquer jeito. Fiquei surpreso que até a Millie Bobby Brown colocaram nessa categoria (o personagem do Julian Dennison só serve pra uma cena), e o conspiracionista de monstros do Brian Tyree Henry até tem uns momentos legais, mas fica nisso.
Só tenho de concordar com um vídeo que vi sobre o filme quanto à esse ponto, que o personagem do Shun Oguri ao menos, esse sim devia ter sido mais bem usado. Eu não pretendo dar spoiler expressivo do filme aqui, mas nesse caso eu sou obrigado a dar esse pequeno que eu ainda vou dar daquele jeito amenizado, então se você quiser pular essa parte de qualquer forma, tudo bem.
* SPOILERS
O personagem do Oguri é filho do Ishirō Serizawa, aquele cientista lá (o melhor personagem humano dessa franquia) que é aliado do Godzilla, tanto que ele morreu no filme anterior, só pra conseguir detonar a ogiva pra dar aquele UP no Síndico, pra ele voltar a peita o King Ghidorah. O filho dele por outro lado, que ajudou a construir AQUELA COISA LÁ, podiam ter feito realmente algo legal em cima, pra ver o contraponto de como o Ishirō realmente confiava no que o Godzilla representava, enquanto que o filho não porque perdeu o pai por isso, mas jogaram essa oportunidade no LIXO. Não é a toa que o núcleo humano de Ilha da Caveira continua sendo o melhor desse universo.
* FIM dos SPOILERS
Mas voltemos para falar precisamente do maior destaque do filme, para a nossa alegria: a porradaria LENDÁRIA de monstro. Sem apelar para muitos cortes (oi, Michael Bay), e principalmente com tudo sempre estando bem visível (mesmo em cenas noturnas), Adam Wingard entrega com seu Godzilla vs Kong, doses de adrenalina que duram o suficiente para que você possa sentir cada golpe de seus combatentes, enquanto eles dão o seu melhor para poder dizer quem é o campeão. E é válido destacar que ao contrário de filmes parecidos sobre confrontos (vide Capitão América: Guerra Civil ou Batman vs Superman), realmente há um vencedor nesse aqui.
Esse pessoal Saberia tirar Bigodes com CGI
Além disso, outro ponto que se conecta diretamente para o sucesso dessa parte (e por consequência, para o do filme em si), são os efeitos visuais. O MonsterVerse sempre teve um grande capricho nesse sentido, e aqui isso chega no seu auge. Mais do que apenas realistas (seja com os detalhes de pelo de Kong, seja no corpo ou mesmo em sua face), ou de Godzilla, ambos são realmente muito expressivos. Um momento em especial para este último, é quando ele demonstra claramente estar gostando de seu novo quebra pau (não só é hilário), como demonstra justamente o que o público está sentindo ao ver a obra.
No fim das contas, Godzilla vs Kong é aquilo que todos queriam, e aquilo que, realmente, deveria ser: um novo confronto entre 2 dos monstros mais icônicos do cinema, quase 60 anos depois da primeira vez que isso aconteceu, no tempo que Kaijus ainda eram pessoas fantasiadas. Mas que debaixo do alto orçamento hollywoodiano, ainda possui exatamente o fez que esses personagens serem tão queridos: a mais honesta, diversão escapista. Adam Wingard deixa assim às más impressões de Death Note para trás, para que o público possa realmente ver, qual é a dele.
E mais que isso: ao mesmo tempo, a primeira culminação do MonsterVerse (ainda que também não seja perfeita), mostra que assim como aconteceu com a Marvel Studios, paciência, e uma colheita certa de feedback do público, são a mais simples receita de como ter um universo compartilhado de sucesso, ainda que com escorregões, que não devem ser vistos como derrotas, logo de cara. O MonstroVerso achou seu formato, e apesar de ter sido (até o presente momento) o último filme anunciado do acordo entre Warner/Legendary com a Toho, não há realmente um gosto de final em GvK.
A exploração, mesmo que inicial de fato, da Terra Oca no filme (conceito introduzido em Ilha da Caveira), deixa muitas deixas para serem exploradas. Principalmente, quando você lembra que se sabe que existem vários Titãs que a organização da Monarch (a S.H.I.E.L.D desse mundo) já está ciente que estão por aí, mas nós (ainda) não. Isso deixa o fio solto não só para mais criações originais por parte da franquia (como foi o caso por exemplo dos M.U.T.O.s, Behemoth & Methuselah), como de mais introduções de nomes clássicos já conhecidos dos fãs, como Anguirus, Gigan, King Caesar, Biollante, Destoroyah. Além é claro, de trazer pessoal de volta, agora com mais destaque (já que o pessoal de Godzilla II aparentemente), não quis se meter na treta dos titulares.
O universo dos Titãs também tem a seu favor o real barulho que Godzilla vs Kong vem fazendo: o filme recebeu no geral otimos comentários por parte da crítica, e isso também se refletiu com o público. No momento que este post foi feito, a produção já havia arrecadado quase US$ 300 milhões mesmo diante do cenário da pandemia, e os próprios números alcançados no HBO Max foram igualmente monstruosos (o filme já foi assistido por 3,6 milhões de pessoas desde sua estreia na plataforma em 31 de março), e superando nomes como Mulher-Maravilha 1984 (2,4 milhões) ou a tão pedida Liga da Justiça de Zack Snyder (1.8 milhões). Se isso com certeza já deve motivar a Legendary e a Warner, o mesmo pode ser dito da Toho, que já deve estar observando que continuar deixando seus "brinquedos" com os americanos, não é um mal movimento, como foi em 1998. Resta esperarmos para ver os próximos capítulos.
O Universo Cinematográfico da Marvel Studios ainda deve continuar reinando com folga. Mas agora, é justo dizer que ainda será possível ouvir na vizinhança o barulho de quem consegue fazer cidades caírem, como se fosse um passeio no parque, em um universo compartilhado que não é de mentirinha. E pra você que acha que "ahh são só filmes de monstros bestas famosos que nem falam, era fácil fazer isso".
Criar um universo compartilhado definitivamente nunca é fácil. E conforme comprovado por outros, nenhum personagem (ou a fama dele) é maior que planejamento.
Então é isso gente, espero que tenham gostado. #ContinueTheMonsterverse!
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